Desde menina eu ouvia meu pai falando
da “crise”. Eu o ouvi dizendo, por quase trinta anos que as coisas iriam
piorar. Aquela certeza que ele demonstrava em palavras, apesar de batalhar de
sol a sol na plantação de milho para garantir a comida e o passe do ônibus que
levava os filhos à escola, me entristecia freqüentemente. Muitas noites, ao
redor do fogão à lenha, eu sonhava com o dia que teríamos uma casa nova, com
banheiro, e um fusquinha, mesmo que fosse amarelo. A casa foi construída,
porém, ele não conseguiu pagar o empréstimo antes de “nos deixar” e o fusquinha
ficou nos planos que o tempo se encarregou de apagar.
No entanto, o negativismo que ele demonstrava em relação à economia e os
incessantes discursos contra políticos e carnavalescos não foram tão marcantes
em minha vida, como o exemplo de homem trabalhador e a convicção dele em
relação à importância de estudar para ser alguém na vida. Se meu pai não
tivesse feito o máximo de esforço para eu retornar aos bancos escolares,
certamente, eu não teria capacidade e oportunidade de contar isso numa página
da internet. Eu sei que ele não deu ouvidos aos vizinhos que diziam que “filha
mulher estudando vira puta e o diploma vem dentro da barriga”. Essa mentalidade
retrógrada é fruto de arrependimento de alguns pais das minhas colegas de
infância, porém, sei que eles foram vítimas de sua própria ignorância. Não
tenho raiva, tenho pena!
Meu pai dizia: “Preencha esse cheque e vá ao banco pagar a conta de luz
e pegue outro talão pra mim”. Preencher o cheque eu adorava, mas entrar no
banco era demais! Eu tinha vergonha, ficava nervosa, a mão suava, mas ordem de
pai não podia ser contestada. Felizmente, porque foi essa obediência que me
ajudou a crescer como pessoa. Algo que hoje, parece burrice, fez chegar o dia
em que eu aprendi a entrar em qualquer lugar sem ter receio ou me sentir
desnorteada. Ele foi sábio por perceber que eu precisava “ter educação e
educação”.
Não pude ter roupas e sapatos bonitos em minha juventude. Diversas vezes
em que eu fui aos cultos, às missas ou às festas da comunidade, usei uma saia
vermelha com bolsos enormes – que eu ganhei de parentes que moravam no Paraná –
e também uma camiseta verde que trazia no peito a seguinte legenda: “Agroceres:
campeão da terra da gente”. Essa
camiseta era especial porque eu a ganhei como prêmio de um concurso de redação,
quando estudava na quarta série, realizado pela cooperativa da qual meu pai era
associado . Lembro-me que o tema era “uma história fantástica sobre um pé de
milho” e eu imaginava que sementes foram levadas ao planeta Marte de onde
posteriormente chegavam toneladas para alimentar a humanidade.
Trabalhei durante muito tempo para pagar a faculdade, cursos e conhecer
alguns lugares do Brasil. Demorei para comprar um carro usado e financiar um
apartamento. Apesar de valorizar esses bens, penso que minhas conquistas
pessoais valem mais que essas propriedades. Não sei se posso ter orgulho disso,
mas meu pai pode ficar tranqüilo, porque segui suas orientações. Afinal de
contas, ele me ajudou a ser melhor e a ter força diante dos obstáculos que só
com uma boa educação se é capaz de enfrentar. Eu só lamento que ele não esteja
perto de mim para acompanhar minha caminhada nessa vida tão inexplicável.
Revisão de texto: Eliane Teza Bortolotto
Ilustração: Cassandra Urbano Perone