Dediquei muitas horas de
estudo para conhecer um material didático interessante para ensinar polinômios
aos alunos da sétima série. Planejei as aulas cuidadosamente. Fui além,
elaborando jogos. Organizei a turma em grupos de quatro membros. Distribuí
quadrados e retângulos azuis e vermelhos. Peguei a listagem de exercícios.
Iniciei o conteúdo sempre interagindo com a classe.
De repente, percebi que
quatro meninos estudavam para a prova de Ciências que aconteceria assim que meu
tempo terminasse. Fiquei indignada. Mais ainda, depois que descobri que aquela
avaliação seria com consulta! Critiquei-os, cheia de razão, sob meu ponto de
vista: “Vocês apresentam dificuldades em matemática. Eu
preparo uma aula prática para que possam compreender melhor o conteúdo em questão. O que
pretendem? Fico decepcionada com essa atitude que me leva a crer que realmente
não preciso ajudá-los. Se reprovarem, posso lavar minhas mãos. A minha parte,
eu fiz e bem feita.”
Após desabafar na sala
dos professores, ouvi uma sugestão: “Assista
uma peça teatral gravada em DVD, intitulada Sete Minutos, com Antônio Fagundes.
Irás se identificar com o ator decepcionado e irritado com as atitudes do
público. Ele próprio a escreveu relando os problemas encontrados nos palcos
em relação ao comportamento da platéia. Assim, vai lhe ajudar a superar essas
decepções.”
Sempre gostei da
interpretação de Antonio Fagundes na televisão e no cinema. A partir de agora
eu o admiro incondicionalmente. A peça que vi é obra de sua vivência de ator
iniciada há trinta e sete anos, quatro anos antes do meu nascimento!
Pude fazer comparações do
trabalho dele com o meu em sala de aula, que excedem o espaço que me é
reservado para escrever. Ele reclamava das tosses, dos roncos, dos celulares
tocando, das balas sendo passadas, do barulho do pacote de batatinhas e do
homem que teve a audácia de tirar o sapato e colocar os pés sobre o palco. Eu
pensava nas coisas que perturbam, nós professores, enquanto ministramos nossas
aulas: chicletes, pirulitos, papéis de bala no chão, bonés tapando os olhos,
conversas sobre namorados, bolinhas de papel, espelhos, batons, escovas de
cabelo, alunos na janela, recadinhos circulando, carteiras riscadas, livros
esquecidos, tarefas esquecidas, materiais esquecidos, trabalhos esquecidos.
O que dói não são os
fatos isolados. O que nos machuca é saber que nos preparamos para apresentar um
modesto espetáculo e somos desrespeitados por pessoas que deviam estar ávidas
para buscar ampliar seus conhecimentos, desenvolver seu raciocínio e partilhar
idéias.
Fagundes, representando a
si próprio na peça, recusou-se a continuar com a peça por causa do
comportamento de algumas pessoas e expulsou todos do teatro. Os protestos dos
expulsos e dos atrasados, impedidos de entrar, lhe renderam muitas críticas,
inclusive, dos próprios colegas. Que professor já não foi criticado por não
aceitar que um aluno entrasse atrasado ou por ter retirado da sala alguém que
tenha lhe ofendido? Inclusive, pelos próprios colegas de profissão? Ele admite:
“O ator que faço é o único que leva
pancada de todos os lados e é o que mais tem a aprender.”
As nossas reclamações
podem ser uma declaração de amor ao Magistério. Concluo com as palavras de
Antonio Fagundes: “A peça é uma
declaração de amor porque estou prestando atenção a eles. Seria uma agressão se
eu ignorasse aquelas pessoas. Pode fazer o que quiser que não me atinge! Não,
me atinge, eu me incomodo com eles, eu me preocupo com eles. Não é só uma
declaração de amor quando você diz que ama; é uma declaração de amor quando
você diz que se importa.”
Professora da E.E.F. Demétrio Bettiol
Revisão de texto: Eliane Teza Bortolotto