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segunda-feira, setembro 25, 2006

161. A criação


Jornal de Cocal: dia 27 de setembro de 2006

No início, a escola, com todas as maravilhas nela contida, existia apenas na mente de um sábio. No princípio o Mestre criou os desejos e os sonhos, que na sua infinita bondade quis concretizar para que os seus discípulos encontrassem o caminho da felicidade, principal objetivo da Educação. Os discípulos viviam submersos nas trevas da ignorância, desconstituídos de saberes e incapacitados para evoluir sozinho.

No primeiro mês, disse o Mestre: “Faça-se a luz da sabedoria!” Surgiram dentre tantas áreas de conhecimento, a Matemática, a Geografia, a História, a Filosofia, as Línguas, as Artes, a Biologia e a Educação Física. Então, as trevas da ignorância foram parcialmente banidas. Passou-se a utilizar o pensamento lógico, a criatividade, a intuição e a capacidade crítica.

No segundo mês, o Mestre criou a curiosidade. Ouvia-se em todos os cantos do Universo: “Por quê? Por quê? Por quê?” Graças à curiosidade muitas dúvidas extinguiram-se da face da Terra.

No terceiro mês, o Mestre percebeu a necessidade de criar a motivação. E assim, ela trouxe o prazer em compreender o significado de uma nova palavra, a alegria de sentir a mensagem exalada nas obras artísticas, o êxtase contido nos sons provocados pela natureza ou pelas mãos humanas e a satisfação em salvar vidas através de estudos profundos.

No quarto mês, o Mestre reuniu seus discípulos e disse: “Faça-se o diálogo!”. A partir desse momento, os discípulos sentiram a importância de compartilhar idéias, conversar sobre a vida, relatar os acontecimentos sociais, trocar experiências, refletir sobre as ações humanas e de valorizar as infinitas personalidades.

No quinto mês, viu o Mestre que a complexidade das relações exigia mudanças de atitude e disse: “Que a cidadania se faça presente entre os discípulos.” Os discípulos começaram a participar da vida social e política adotando atitudes de solidariedade, cooperação, repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito. Cresceu a noção de direitos e deveres entre os cidadãos de todas as partes do planeta.

No sexto mês, o Mestre resolveu que tudo deveria ser registrado e disse: “Faça-se a escrita!”. O mundo encheu-se de livros, fotografias, quadros, esculturas, computados, gravadores e filmadoras. Esses recursos possibilitaram que as gerações fossem repassando seus conhecimentos continuamente.

A velocidade do progresso tirou o Mestre do controle da Educação e o seu planejamento não serviu mais. O mundo estava muito diferente!

No sétimo mês, o Mestre cansado do seu trabalho e decepcionado com os resultados obtidos, reconheceu que não colocou o essencial no início de sua criação. Olhando ao seu redor, viu violência, destruição, preconceito, tristeza, acomodação, ganância e falta de amor ao próximo. Mesmo, achando um pouco tarde, bradou: “Faça-se o caráter do bem.” Brotou assim, a esperança de dias melhores. Desde, então mestre e discípulos bons e ruins difundem-se em todos os lugares.
Infelizmente, o Mestre esqueceu que precisava do descanso e isso o tem torturado. Os discípulos são prova dessa verdade!
ESTOU QUERENDO RECOMEÇAR JUNTO COM A PRIMAVERA.

domingo, setembro 24, 2006




"Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode dizer-te.
A resposta está além dos deuses."
"Os deuses são deuses porque não se pensam."

Ricardo Reis

sábado, setembro 23, 2006

160. Eu, tu, ele, nós, vós e eles sonhamos

Jornal de Cocal: dia 20 de setembro de 2006

Eu sonhei em morar numa casa no alto de uma colina cercada de árvores e flores. Moro num apartamento alugado, simples, pequeno e que requer uma pintura nova.

Tu sonhastes em cursar Direito, defender seus clientes sabiamente, ter o melhor escritório da cidade e enriquecer às custas de seu próprio trabalho. Hoje, trabalhas numa fábrica de ração, prestes a falir, ganhas o suficiente para sobreviver, precisas economizar porque deves ao banco e não pensas em retornar aos estudos.

Ele queria conhecer Brasília, andar pela capital do seu país, encontrar os políticos que ajudou a eleger e dizer que ainda acreditava que na existência de homens honestos representando o povo. Infelizmente, um câncer na garganta foi mais forte que as radioterapias, as quimioterapias e rezas dos parentes e amigos. Ele morreu sem realizar seu sonho e descrente em relação à consciência humana.

Ela sonhava em ser mãe, carregar uma criança em seu ventre, ensinar ao fruto do seu amor, as primeiras palavras e letras e também em educá-lo, segundo os princípios bíblicos e morais. De repente, uma doença a deixou sem útero. Hoje, o nome dela está entre os primeiros na lista de adoção e o tempo tratou de apaziguar suas dores.

Nós sonhamos com o amor transformando o mundo, com a queda dos números que refletem a violência e desejamos ética na administração pública. Quando abrimos os jornais somos informados que mais pessoas morreram no Líbano, que crianças foram seqüestradas, que os bandidos estão dando as ordens enquanto os políticos desviam dinheiro do povo.

Vós buscais a paz interior, o crescimento pessoal e o reencontro com as virtudes humanas. Porém, escondes as verdades espalhando mentiras, não entras em grupos organizados por forças positivas, deixas o egoísmo agir em sua vida e não pensas em ser solidário, participativo e verdadeiramente honesto.

Eles sonharam que um dia seriam renomados jogadores de futebol, assinariam contratos com clubes europeus, comprariam mansões e carros de luxo. Não deu certo. Agora, eles enfrentam as filas dos desempregados, falta dinheiro pra pagar a pensão exigida na justiça pela ex-mulher, andam de bicicleta e ainda detestam leitura e matemática.

Elas sonharam em encontrar um príncipe encantado que lhes proporcionasse uma vida melhor: casa com piscina, roupas bonitas, viagens turísticas, filhos maravilhosos e felicidade eterna. No entanto, aceitaram dividir um barraco, usar sapatos de promoção, sair apenas para tomar um refrigerante na lanchonete da esquina e descobriram que os problemas familiares são mais fortes que a paixão.

Hoje, eu sonho em realizar palestras na área educacional. Tu sonhas em ver sua empresa restabelecida e melhorando seu salário. Ele sonha com o céu. Ela sonha em ser chamada pela Comarca para buscar seu filho ou sua filha. Nós sonhamos com o fim das guerras. Vós sonhais em conquistar a harmonia interior. Eles sonham com os filhos jogando futebol profissional. Elas sonham com a Fada Madrinha!

Eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles e elas sonhamos todos os dias. Às vezes, os sonhos ficam adormecidos, mudam ou são redirecionados. Mas, sempre, há sonhos!

159. Olha! Eu ainda tenho sangue.

Jornal de Cocal: dia 13 de setembro de 2006

Havia uma pequena casa rosa situada numa das principais ruas do centro da cidade de Concórdia. Diziam que parte dela era uma antiga caixa d’água. Tinha um modesto jardim que cercava a escada e o caminho da rua até a porta de entrada.
Sempre que eu passava por lá, ficava intrigada. Por que a dona nunca aparecia na área ou na janela? Era verdade que ela não queria que instalassem luz elétrica? Ela realmente era uma pessoa amarga? Não tinha nenhum parente por perto?
Contaram-me que o marido daquela mulher trabalhava numa firma de construção de estradas. Um acidente trágico, tirou a vida dele ainda jovem. Eles tinham um filho que cresceu e foi embora para muito longe. Longe? Aonde? Ele vinha visitá-la? Ninguém sabia direito. Parece que mantinham poucos contatos, pois, nem telefone ela queria ter em casa.
Certa vez, ouvi uma vizinha falando mal daquela senhora solitária: “É uma bruxa rabugenta. Cortei uns galhos de uma árvore dela que estavam adentrando o meu lote. Mas, por quê? Só faltou me bater. Berrou tanto! Resmungou por horas. Se ela fosse caprichosa, teria visto que precisava podar. Não cuida nem das roseiras que plantou. Se alguém tentar entrar lá, vai se arranhar completamente. É um bruxa anti-social.” Fiquei surpresa porque não a imaginava conversando com outras pessoas, menos ainda, discutindo. Confesso que comecei a admirá-la depois desse fato, mesmo sem nunca tê-la visto ainda.
Conheci uma pessoa que quando era criança ia passear naquela casa. Fiquei sabendo de algumas coisas. Nos fundos havia uma fonte de água cristalina. As plantas do jardim eram cuidadas com perfeição; erva daninha não vingava. E aquela senhora era extremamente vaidosa; usava roupas e sapatos combinando e os cabelos sempre ajeitados.
Falavam também que dinheiro não lhe faltava, pois recebia pensão. Comentavam que quando ela voltava do mercado, uns oito ou dez gatos iam encontrá-la. Depois que ficou velha, as forças lhe faltaram. Então, o jeito era pedir ajuda a qualquer estranho que passasse pela rua. Ela chamava as pessoas, já com os trocados nas mãos, pedindo que comprassem uma lata de azeite, um pacote de macarrão ou alguma fruta. Às vezes, solicitava que recolhessem as roupas do varal.
Eu a vi duas vezes. Sofri dois choques inesquecíveis. Uma tarde, respondi aos seus sinais subindo os degraus, nervosa e atenta. Quando cheguei perto, vi que ela vestia apenas um roupão. Meu coração disparou quando notei que estava ferida na cabeça, dizendo-me: “Pensaram que eu não tinha mais sangue. Olha, moça! Te chamei aqui pra mostrar que tenho sangue, sim.” Perguntei: “A senhora quer ir ao hospital fazer um curativo?” Ela continuou: “Não. Só quero te mostrar isso. Eu caí e descobri que ainda tenho sangue. Veja!” Quando falei em pedir ajuda ao Corpo de Bombeiros, ela irritou-se comigo: “Já disse que não quero nada disso. Quero que veja que tenho sangue e que é bem vermelho.” Pra mim, aquilo tudo não era real. Lembro que saí de lá assustada, desorientada e achando que não devia intrometer-me.
Depois voltei com uns pastéis de queijo. Ao entrar na cozinha daquela casa senti nojo, medo, tristeza e desamparo. A mesa estava lotada de comida, pratos sujos e frutas estragando. Havia um mamão inteiro em estado de decomposição, no chão, ao lado de um cachorro. Acho que de tanto pavor, eu me acovardei! Não tive coragem de voltar lá outras vezes.
Fiquei sabendo que aquela senhora morreu sozinha. Depois dela, a casa rosa também foi destruída. Aquele pedaço da rua é como uma foto antiga que revejo raramente. E, enquanto eu tiver sangue, não esquecerei do dia em que fui incapaz de ver mais do que um líquido vermelho ensangüentando pedaços brancos de tecido.

segunda-feira, setembro 04, 2006

158.Skywalker: caminhante dos céus

Jornal de Cocal: 6 de setembro de 2006

Os alunos foram avisados de que naquela terça-feira não haveria aula porque os professores participariam de uma reunião pedagógica. Eles gostaram do aviso porque poderiam dormir até mais tarde e assistir o desenho animado do Bob Esponja Calça-Quadrada. Poucos aproveitaram a folga para estudar mais um conteúdo que acham difícil, ler um livro, fazer as tarefas ou mesmo ajudar nos afazeres domésticos.

Enquanto isso, os professores desligaram o piloto-automático e assistiram a um filme que objetivava reanimar o trabalho docente. Certamente, aquele filme – Escola da Vida – não era dos melhores pra refletir sobre questões educacionais devido aos momentos que fogem da realidade. Afinal de contas, que escola tem estrutura pra dramatizar uma história acendendo uma fogueira dentro da própria sala de aula? Que professor ganha tão bem que pode adquirir roupas épicas a fim de trazer o passado mais próximo da realidade? Que condições existem para que se possa planejar uma aula de Ciências exibindo um pulmão em perfeito estado de conservação? Como pode o novo agradar tanto se não apresenta as marcas da experiência? Como pode o velho ser tão ruim diante das mudanças da modernidade? O bonito encanta e o feio é um tolo? O renovador é maravilhoso e o tradicional é uma tragédia? É certo ensinar a perder com alegria? É correto competir às custas da exclusão dos mais fracos? Enfim, nem um filme é perfeito! Assim, como nenhum profissional está plenamente formado.

Embora as interpretações e as partes que mais tocaram aqueles profissionais não sejam as mesmas, houve um discurso – de um jovem professor - que prendeu a atenção de todos: “Estudar é coisa pra heróis. Ir para casa é como encarar uma “Guerra nas Estrelas”. Vocês são como o Luke Skywalker ou Lucy Skywalker, conforme o caso. E a escola é onde recebemos o treinamento Jedi. Afinal, precisamos nos preparar para enfrentar o Império do Mal. Mas, o Império do mal não é a escola, não são nossos pais, nem a salsicha de gosto duvidoso da lanchonete. Não! O Império do Mal é uma crença. É crer que temos limitações. Não temos. Talvez não saibam, mas todos vocês são suspeitos. Normam Warner (refere-se a um antigo professor) foi meu mestre Jedi. O grande ensinamento que ele me passou foi como aprender sozinho; ser meu próprio mestre. Quero que aprendam que não devem se preocupar com o que vocês farão. Isso não importa. Preocupem-se com o que vocês serão. Assim, nenhum bundão vai impedir que vocês realizem seus sonhos. Este é o seu sabre de luz (fala mostrando um simples lápis). Toque numa simples folha de papel com fé, emoção e coragem e juntos faremos desse mundo um lugar melhor e me levem nessa jornada com vocês.”

As reações foram diversas. Alguns relembraram a história de Guerra nas Estrelas, outros frisaram o descrédito do ser humano no seu potencial evolutivo, admiraram a importância do lápis como instrumento de poder educativo e até retomaram momentaneamente seus sonhos de participar da construção de um mundo melhor.
Entretanto, um educador resolveu tecer apenas um comentário estranho: “Vejo em Skywalker as palavras céu e caminhante. Sky, céu! Walker, caminhante! É tão fácil criar personagens marcantes. É tão difícil ser uma pessoa importante para a humanidade.Fazer filmes é mais simples do que construir a realidade! Antes que eu vire as costas estarão dizendo que estou fora de órbita. Mas, quem é que pode ter certeza de estar no caminho certo. Talvez as borboletas e as baleias que não pensam, seguem a natureza!”

A maioria saiu convencida, mesmo inconscientemente, de que precisava ampliar o conceito do que é um lápis...

157. Mãe, no céu tem pão?

Jornal de Cocal: dia 23 de agosto de 2006

Dizem que só entende o amor de mãe quem tem filhos. Falam que a dor da morte só pode ser compreendida por quem perdeu um ente querido. Pessoas que sofreram preconceito racial afirmam que o “branco” não tem noção do que isso significa. Quem sai do hospital após uma crise renal coloca o seu sofrimento com algo inexplicável. Vítimas de acidentes graves falam que não há palavras para descrever o horror vivenciado. Alguns idosos dizem que só sabe o que é saudade quem passou dos cinqüenta anos. Diante disso, e depois de ter sido tocada por uma parte do filme “Amor sem fronteiras”, pergunto-me: Se nunca passei fome, posso dizer que entendo a dor das pessoas que não têm o que comer ou que sobrevivem com migalhas?

Lemos reportagens sobre as misérias da África, assistimos documentários mostrando nordestinos paupérrimos comendo pedaços de cactus, encontramos pedintes maltrapilhos nas ruas, conhecemos crianças que freqüentam a escola pensando no lanche servido no recreio e de vez em quando, nos lembramos da fome porque tivemos que atrasar o horário do nosso almoço.

Na semana passada, encontrei alguns alunos rindo da tenebrosa aparência facial de um menino negro, raquítico e doente. A imagem foi recortada de uma revista e estava jogada sob uma das carteiras. Aquelas risadas não eram maldosas, eram de uma pureza inigualável. Por mais estranho que pareça, foi isso que eu senti. Após conversar com aquela turma, tive a certeza de que não me enganara. Um deles afirmou que a viu de relance e pensou que era um macaco. E, se fosse um macaco, qual era a graça? Outro quis saber se aquela foto era real. E, se não fosse real, qual era o motivo do riso? Mas, a maioria deles não havia associado aquele rosto transfigurado com a falta de comida, de água, de remédio, de cuidados e de amor. E, todos que estavam naquela sala, não sabem o que é a dor da fome.

Provavelmente nossas famílias sofrem restrições financeiras, mas, sempre há algo para pôr à mesa. Acho que eu e meus alunos, hoje, temos mais opções de alimentação do que nossos pais tiveram. Lembro-me que quando eu era criança nem sempre havia café, então, fazíamos chá de erva-mate. A gente adorava “pão branco”, aquele feito apenas com farinha de trigo. No entanto, por questão de economia, minha mãe fazia “pão misturado”, no qual ela misturava farinha de milho. Mais econômico que isso, só a polenta. Era “polenta quente” – aquela que comemos assim que é retirada da panela de ferro - e leite no jantar ou sopa de feijão, que por aqui chamam de minestra. E, no café de manhã polenta sapecada na chapa do fogão a lenha com leite. Nem sempre tinha “açúcar branco” para adoçar o leite, então, usávamos o “açúcar amarelo”, ou seja, o mascavo. No domingo, havia um almoço especial com frango assado e macarronada. É claro que o preparo era mais demorado porque tudo era caseiro. De qualquer maneira, os tempos mudaram e os hábitos alimentares também.

O que importa é que temos comida na quantidade necessária em nossa casa. Ou o que realmente importa é que há pessoas passando fome? Pior ainda, há gente morrendo de fome. Mas, tudo isso nos é tão distante! Distante no sentido de não estarmos vendo a morte acontecer dessa maneira tão cruel e também porque nos sentimos impotentes para fazer algo.

Sem conseguir amarrar direito os pensamentos e sentimentos que envolvem esse texto, concluo recordando uma pergunta que uma criança desnutrida fez à mãe antes de morrer: “Mãe, no céu tem pão?” Eu não inventei. Isso aconteceu em nosso país a mais de dez anos!

156. E-mail, MSN, fotolog, orkut, blog, etc

Jornal de Cocal: 16 de agosto de 2006

A Internet renovou o vocabulário, principalmente, dos adolescentes e jovens. Quantos de nós, adultos desligados das novas tecnologias, já não ficamos intrigados com neologismos que nos cheiram a “computador”? Tentamos compreender o que querem dizer exatamente com:

— Recebi por e-mail umas piadas tão engraçadas sobre o Zidane e duas mensagens lindas em Power-point, com paisagens encantadoras.

— Entra no MSN, sábado depois das duas horas, que vou estar lá. Antes desse horário não dá por causa do preço, ainda não temos ADSL. Quero te contar umas coisas que agora não dá tempo.

— Você viu as últimas fotos do meu fotolog? Demorei um monte pra baixar porque as fotos são pesadas! E os recadinhos que deixaram pra mim. Estou arrasando!

— Tem uma comunidade no Orkut chamada “Por que os professores de matemática nunca faltam”. O filho da professora de Geografia fez a comunidade da nossa escola, entra lá pra comentar os tópicos e ver quem são os membros. Eu escrevi um depoimento para Michele que estuda de manhã na sala do meu primo. Já tenho uns duzentos amigos e mais de vinte fãs. Vocês quer me adicionar também?

— Criaram um blog pra gente publicar os trabalhos escolares. Entra lá pra ver. Eu vi uma foto da nossa turma lá em Maracajá. O endereço é http://demetriobettiol.blogspot.com. Tem pouca coisa porque está começando a ser montado e nem as professoras sabem direito como funciona. Eu sei é que lá não vai dar pra escrever do jeito que a gente faz no quando deixa recado no orkut ou conversar pelo MSN.

Há pais acreditando que seus filhos são inteligentíssimos porque conhecem diversos recursos do computador, sabem navegar na Internet e falam fluentemente o internetiquês. Alguns, sentem-se constrangidos diante dos filhos porque não assimilam a evolução tecnológica facilmente.

Por outro lado, alguns adolescentes e jovens pensam que fazem parte de uma geração mais avançada que a dos pais por estarem atualizados com as novidades oferecidas pelos novos aparelhos e recursos de comunicação.

Quero pedir desculpas por ser tão franca, antes mesmo de escrever minha opinião formada enquanto eu trilhava os caminhos do e-mail, orkut, MSN e fotolog. Salvam-se os blogs, mas infelizmente, essas páginas pouco atraem. Quero dizer, primeiramente, que também tenho essas coisas todas. Afinal, preciso estar atualizada! E, o melhor jeito de entender esses processos é fazendo parte dessas realidades. Por tanto, falo com embasamento prático.

Acho que nossos adolescentes vivem uma ilusão ao acessarem e fazerem parte dessas novidades. Eles perdem horas preciosas de suas vidas lendo recados sem conteúdo, procurando escrever “errado”, acreditando que podem ter centenas de amigos e dezenas de fãs. É lamentável, pois, a maioria deles não consegue usar a Internet de maneira instrutiva, educativa e inteligente.

Sabe o que é que está faltando pra que isso tudo se reverta a favor dos adolescentes, jovens e adultos? A geração mais nova precisa reaprender a ser humilde diante dos saberes dos seus antecessores e a geração mais velha não pode esquecer do valor que representa sua experiência de vida diante dos seus precursores. Sei que isso é mais complicado do que aprender a digitar num computador depois de ter vivido anos e anos usando um lápis, uma borracha e um livro didático. Não ignoro, também, que isso tudo nos assusta!

155. Sete minutos

Jornal de Cocal: 9 de agosto de 2006

Dediquei muitas horas de estudo para conhecer um material didático interessante para ensinar polinômios aos alunos da sétima série. Planejei as aulas cuidadosamente. Fui além, elaborando jogos. Organizei a turma em grupos de quatro membros. Distribuí quadrados e retângulos azuis e vermelhos. Peguei a listagem de exercícios. Iniciei o conteúdo sempre interagindo com a classe.

De repente, percebi que quatro meninos estudavam para a prova de Ciências que aconteceria assim que meu tempo terminasse. Fiquei indignada. Mais ainda, depois que descobri que aquela avaliação seria com consulta! Critiquei-os, cheia de razão, sob meu ponto de vista: “Vocês apresentam dificuldades em matemática. Eu preparo uma aula prática para que possam compreender melhor o conteúdo em questão. O que pretendem? Fico decepcionada com essa atitude que me leva a crer que realmente não preciso ajudá-los. Se reprovarem, posso lavar minhas mãos. A minha parte, eu fiz e bem feita.”

Após desabafar na sala dos professores, ouvi uma sugestão: “Assista uma peça teatral gravada em DVD, intitulada Sete Minutos, com Antônio Fagundes. Irás se identificar com o ator decepcionado e irritado com as atitudes do público. Ele próprio a escreveu relando os problemas encontrados nos palcos em relação ao comportamento da platéia. Assim, vai lhe ajudar a superar essas decepções.”
Sempre gostei da interpretação de Antonio Fagundes na televisão e no cinema. A partir de agora eu o admiro incondicionalmente. A peça que vi é obra de sua vivência de ator iniciada há trinta e sete anos, quatro anos antes do meu nascimento!

Pude fazer comparações do trabalho dele com o meu em sala de aula, que excedem o espaço que me é reservado para escrever. Ele reclamava das tosses, dos roncos, dos celulares tocando, das balas sendo passadas, do barulho do pacote de batatinhas e do homem que teve a audácia de tirar o sapato e colocar os pés sobre o palco. Eu pensava nas coisas que perturbam, nós professores, enquanto ministramos nossas aulas: chicletes, pirulitos, papéis de bala no chão, bonés tapando os olhos, conversas sobre namorados, bolinhas de papel, espelhos, batons, escovas de cabelo, alunos na janela, recadinhos circulando, carteiras riscadas, livros esquecidos, tarefas esquecidas, materiais esquecidos, trabalhos esquecidos.

O que dói não são os fatos isolados. O que nos machuca é saber que nos preparamos para apresentar um modesto espetáculo e somos desrespeitados por pessoas que deviam estar ávidas para buscar ampliar seus conhecimentos, desenvolver seu raciocínio e partilhar idéias.

Fagundes, representando a si próprio na peça, recusou-se a continuar com a peça por causa do comportamento de algumas pessoas e expulsou todos do teatro. Os protestos dos expulsos e dos atrasados, impedidos de entrar, lhe renderam muitas críticas, inclusive, dos próprios colegas. Que professor já não foi criticado por não aceitar que um aluno entrasse atrasado ou por ter retirado da sala alguém que tenha lhe ofendido? Inclusive, pelos próprios colegas de profissão? Ele admite: “O ator que faço é o único que leva pancada de todos os lados e é o que mais tem a aprender.”

As nossas reclamações podem ser uma declaração de amor ao Magistério. Concluo com as palavras de Antonio Fagundes: “A peça é uma declaração de amor porque estou prestando atenção a eles. Seria uma agressão se eu ignorasse aquelas pessoas. Pode fazer o que quiser que não me atinge! Não, me atinge, eu me incomodo com eles, eu me preocupo com eles. Não é só uma declaração de amor quando você diz que ama; é uma declaração de amor quando você diz que se importa.”

154. Lembranças que doem

Jornal de Cocal: 2 de agosto de 2006

Há uma mulher sentada no último degrau da escadaria que facilita o acesso do centro da cidade ao bairro onde mora. Lá do alto, ela pode observar a vida urbana fluindo. Sozinha, deixa as lembranças aproximarem-se sem dó, nem piedade.

O Hospital a faz recordar do dia em que uma de suas irmãs provocou um aborto com agulhas de tricô. E ela, ainda se pergunta: “Como eu tive coragem de pegar aquele feto que minha irmã escondeu no tapete dobrado na área de serviço e colocar dentro de uma sacola plástica para levar até o médico que a atendeu após passar mal? Senti-me cúmplice de um ato imperdoável, embora não concordasse. Como seria aquela criança se tivesse sobrevivido?Teria ajudado a própria mãe a encontrar um caminho mais digno que a prostituição? Que Deus nos perdoe. ”

A maravilhosa praça pública era seu espaço de solidão. Quando estava triste, sentava-se na concha acústica e derramava suas lágrimas vendo as águas do chafariz dançando ao som de músicas clássicas.
O IML – Instituto Médico Legal - era o símbolo do desespero. Certa imagem inesquecível lhe atordoou por meses: uma mãe inconsolável segurava o corpo do pequeno filho, separado da cabeça, em um acidente automobilístico.

Um lugar freqüentado em sua juventude era o “Zero Grau”. Localizava-se no mesmo lugar em que construíram um prédio comercial de dez andares. Seu coração a levou ao tempo em que apaixonada, tentava encontrar nas noites de sexta-feira, o homem de seus sonhos. Infelizmente, quando ele aparecia, a ignorava completamente. E, os finais de noite eram sempre tristes.

O Posto de Saúde ainda continua do mesmo jeito. Dói muito saber que uma vez esteve lá para uma consulta com um médico ginecologista. Acabava de perder a virgindade e estava grávida!

Recorda-se das vezes que viu o Corpo de Bombeiros pedindo passagem! Sempre que a sirene tocava, ligava o rádio para saber onde era o incêndio. Houve um dia que não acreditou no que ouvia: a casa incendiada era dos seus pais. Anos de trabalho e parte da história da família viraram cinzas em poucos minutos.

O colégio representa suas maiores decepções e desgostos. Ela perdeu a conta das vezes que lá compareceu por causa das advertências recebidas pelos filhos. Sonhava em vê-los estudando, mas trocaram os livros por “bagulhos”. Acreditava que quando se formassem teriam um emprego decente, porém, preferiram ganhar a vida de uma maneira “mais fácil”.

O Estádio Municipal era freqüentado por muitos torcedores na época em que tinham um time para representá-lo. Ela não sabe se é verdade que os dirigentes faliram o clube “desviando” dinheiro ou se faltou competência. O fato é que depois que seu time foi extinto, nunca mais sentou numa arquibancada...

Aquela mulher percebe que é hora de parar de remexer no baú das tristezas. Mesmo, assim, apoiando-se ao corrimão da escadaria, sente um desejo mórbido de rolar degraus abaixo, perder os sentidos, entrar em coma e nunca mais reconhecer as pessoas que ama. Naquele momento, a rejeição, as dores físicas e o trabalho rotineiro, são mais fortes que seu currículo de guerreira.

A mulher levanta-se e sobe os últimos degraus. Antes de chegar ao final da escadaria, encontra um alcoólatra, uma jovem viúva, uma criança com Síndrome de Down, um ex-presidiário e uma amiga soropositiva.

153.

Digitar

152. Um pé de árvore

Jornal de Cocal: 19 de julho de 2006

Olhe para a primeira árvore que encontrar e diga qual é o nome dela. Não sabe? Pergunte para a pessoa que estiver mais próxima. Ela também não sabe? Pergunte a outras pessoas. Ninguém sabe? Então, troque, tente identificar outra árvore. Também não consegue?

Será que vale à pena conversar com mais gente tentando buscar aprender mais sobre esse assunto simples e desafiante? Seus conhecidos estranharam seu questionamento, ao invés, de ficarem surpresos ao descobrirem que não sabem o nome da árvore sob a qual sentam todos os dias durante o intervalo do almoço, ou que cresceu no quintal da própria casa ou ainda, que ornamenta a rua onde residem?

Passe pela praça e observe a beleza de cada planta antes de regressar ao seu lar. Você sentirá dificuldades para explicar aos seus familiares onde exatamente visualizou um ninho porque não sabe dizer: “Há um ninho de tico-tico nos galhos da Tipuana.” Talvez, você saiba o nome da árvore e lhe dêem uma resposta que a coloca de volta à estaca zero: “Nunca ouvi falar que existe árvore com esse nome!”

Você quer informação seu irmão de que deixou seu carro no estacionamento em frente ao hospital, debaixo de uma paineira e se vê forçado a dizer: “Deixei embaixo daquela árvore que solta um algodãozinho.” Se ela não estiver nessa fase, talvez, você diga: “Deixei embaixo daquela árvore que tem uns espinhos no caule”. Na verdade, não são espinhos, são acúleos. De repente, neste dia sua distração e desconhecimento excedam o admissível: “Deixei meu carro embaixo de um pé de árvore.”

Provavelmente você é capaz de escrever o nome de trinta árvores. Imagine que ao entrar num bosque encontrarás todas as espécies descritas e terás que colocar placas identificando cada uma. Conseguirás? Talvez saibas onde está o pinheiro, o eucalipto, o coqueiro e as frutíferas. Porém, na sua lista aparecem cedro, canela, bracatinga, plátano, cangerana, peroba e tantas outras que o deixam confuso.

Quando você começou a falar, seus pais repetiam diversas palavras importantes: papai, água, boi, vermelho, pé, etc. Você fez a mesma coisa com seus filhos, afinal de contas, eles precisavam diferenciar os parentes, os animais, as partes do corpo, as cores e coisas necessárias para a sobrevivência. Por que será que não estão entre elas, grama, seringueira e orquídea?

Somos capazes de citar o nome de diversos animais do continente africano, de inúmeros atores estrangeiros, de carros de todas as marcas, de cantores brasileiros, de elementos químicos, de políticos, de aparelhos tecnológicos e no entanto, nunca perguntamos como se chama aquela árvore alta plantada ao lado da escola onde estudamos por mais de oito anos.

Enquanto ignoramos a presença das árvores, o mundo moderno faz o mesmo conosco. Antigamente, todos se conheciam pelo nome e sobrenome, independente da capacidade de dar frutos ou de pertencer a famílias nobres. Enquanto a tucaneira se transforma em “um pé de árvore”, o número do CPF se torna mais importante que nossos nomes documentos. É assim que o mundo segue!

151. Visita ao Parque Ecológico de Maracajá (Parte III)

Jornal de Cocal: 5 de julho de 2006

A festa começou antes da chegada ao Parque Ecológico de Maracajá. Ninguém escondia a alegria de estar participando de um passeio de estudos junto com os colegas. Alguns, como o Luan, o Guilherme e o Geovani, agitavam cantando músicas conhecidas. Outros, como o Lucas, a Pamela e a Daiani, preferiram observar as paisagens urbanas e rurais ao longo do caminho.

A professora de Ciências sabia que aquele parque proporcionaria mais do que um dia de lazer: seus alunos seriam incentivados a realizar pesquisas científicas e a respeitar o meio ambiente. Segundo a bióloga que trabalha naquele parque: “A Floresta Atlântica foi reduzida a menos de 10% do que era na época do descobrimento, por cobiça, inconsciência ou ação predadora, e ainda, continua guardando valiosos tesouros em matéria de diversidade de vida animal e vegetal. Empenhada no compromisso de proteger e conservar o pouco que ainda resta deste importante ecossistema, a Prefeitura Municipal de Maracajá, adquiriu e mantém está área de 112 hectares. A preservação deste tesouro, portanto, não apenas assegura a continuidade dos esforços conservacionistas feitas no passado, como garante e lega a beleza e a grandiosidade da Floresta Atlântica para as gerações futuras.”

O grupo teve contato imediato com alguns quatis que circulavam livres. O monitor, por precaução, pegou um chicote para enxotá-los, caso se aproximassem das crianças. Esses animais não costumam atacar, mas, defendem-se com ferocidade abrindo a boca e mostrando os dentes. Descobrimos que o nome quati vem do tupi “ Akwa’ti”e significa “nariz pontudo” e o vimos cavando buracos e procurando comida com o focinho. O coitado é bastante perseguido pelo homem porque sua carne é saborosa e por invadir plantações de milho.

Um pequeno veado encantou a Maiara e a Rafaela que permitiram que ele cheirasse suas mãos. Algumas meninas comentaram sobre “os chifres de madeira que estavam quebrados”.

O sagüi, com suas características meigas e engraçadas, atraiu a atenção. Observando os órgãos sexuais dele, concluíram: “É menino, né, professora!”

Uma macaquinha provocou gargalhadas. Além, de fazer “bobagens” por estar no cio, ela esperava o dono do quiosque jogar fora a xepa de cigarro para dar uma “tragada”. Para fazer isso, ela colocava a xepa entre as pernas e “prendia” a fumaça com o corpo e a cabeça.

Os tucanos coloriam as árvores. Um deles, discretamente, pegou o prendedor de roupas que o Guilherme usou para fechar a bisnaga de maionese. Felizmente, não engoliu!

O Diretor do Parque ficou extremamente preocupado com a integridade física de alguns alunos que tentaram alimentar um macaquinho porque o deixaram estressado e podiam ser atacados. Por desconhecimento e pela semelhança que ele tinha com o macaco-prego que habita aquelas matas, pensamos que sua reação seria social. Não sabíamos que era mais uma vítima do tráfico de animais e que estava sozinho, longe do seu habitar natural.
No viveiro de recuperação havia diversos pássaros sendo tratados ou que foram apreendidos pela Polícia Ambiental, que inclusive, tem um posto na mesma área. Dentre eles, podemos citar: corrupião, papagaio, capitão-do-porto, cardeal, sargento, saíra azul, gaturama-do-brejo, araquã, can-can, faisão, sabiá e pombo-do-rabo-branco.

Apesar de tudo, voltamos para casa um pouco frustrados porque os macacos-prego não apareceram. Certamente havia alimento suficiente dentro da mata. Mas sabíamos que a grande decepção daquele dia estava por vir: a Seleção Brasileira despediu-se da Copa da Alemanha com o rabinho entre as pernas...

150. Gentilezas

Jornal de Cocal: 28 de junho de 2006

Apagaram tudo
Apagaram o sonho de ter uma família estável, um emprego garantido, amigos eternos, filhos obedientes...
Pintaram tudo de cinza
Pintaram de cinza as mais lindas florestas, as águas do Rio Criciúma, o futuro dos jovens...
A palavra no muro ficou coberta de tinta
As palavras que chamavam à luta pela paz foram cobertas por outras que propagam o consumismo...
Apagaram tudo
Apagaram os caminhos que conduzem à simplicidade, à alegria, à justiça, à fidelidade, à ...
Só ficou no muro tristeza e tinta fresca
Só ficou no muro a certeza de que precisamos deles pra nos proteger sem garantias...
Nós que passamos apressados pelas ruas da cidade
Não temos tempo para entrar na igreja, saborear o suco de abacaxi, prestar atenção nas letras das músicas, olhar no olho do colega, sentir o coração da mãe amorosa, perceber o azul do céu...
Merecemos ver as letras e as palavras de gentileza
Será? Merecemos tropeçar em nossa insensibilidade que nos impede de proferir frases bonitas...
Por isso eu pergunto a você no mundo
Que, aliás, vive sendo questionando e questionando sobre coisas valiosas e supérfluas...
Se é mais inteligente o livro ou a sabedoria
adquirida na interpretação dos acontecimentos diários vivenciados com amor, dor, prazer, decepção, júbilo...
O mundo é uma escola
que cria preconceitos, gera intolerâncias, produz corrupção, espalha armas, enriquece matando, empobrece viciando...
A vida é um circo
onde a maioria, sentada na platéia, faz o papel de palhaço e ri de si própria...
Amor palavra que liberta já dizia o profeta
“Ame ao próximo como a ti mesmo!”
Apagaram tudo...
Apagaram o medo da fome, o analfabetismo, a exclusão social, o estresse, o egoísmo...
Pintaram tudo de cinza
e cobriram com verde, amarelo, azul e branco.
Merecemos ver as letras e as palavras de gentileza
porque aprendemos as famosas palavras mágicas e respeitamos mais que dez mandamentos.
O mundo é uma escola
que ensina a praticar o bem, a trilhar o caminho da felicidade, a valorizar as pessoas.
A vida é um circo
que ensina a viver num círculo repleto de energias positivas.
Amor palavra que liberta já dizia o profeta que finalmente foi ouvido!

149. Minhas árvores de estimação

Essas árvores também fazem parte da minha vida... ou melhor faziam...
Jornal de Cocal: 21 de junho de 2006

Tive duas árvores de estimação: um plátano e uma açoita. Ambas eram majestosas, imponentes, transmitiam energias positivas e lindas sob meu ponto de vista.

O plátano cresceu em frente ao antigo pavilhão da comunidade onde morei quando criança. Lembro-me que, sentada à sombra de sua enorme copa sustentada por um tronco curto e grosso, eu ria da vida junto com minhas amigas. Eu o achava poderoso, encantador e imaginava que se pudesse subir pelos seus galhos, viveria a mesma aventura de “Joãozinho e o Pé de Feijão”. Nos sábados à tarde, costumávamos recolher suas folhas espalhadas sobre a grama porque no domingo haveria culto e os adultos queriam o pátio limpo.
Há um plátano ao lado da Igreja São José de Criciúma. No momento, ele está parcialmente escondido pelo tapume colocado na área, devido à ampliação da igreja. Confesso que não fiquei preocupada com o abacateiro e com os flamboyans, quando os meios de comunicação tornaram públicas as discussões sobre a possibilidade de arrancá-los em função da obra que se iniciava. Ninguém falou sobre o plátano, mas como ele está tão próximo das outras árvores, desconfiei que corria risco, também. Um taxista com ponto naquele local, sem saber, tranqüilizou-me naquela época.


Os meus sentimentos podem parecer ridículos às pessoas, dentre as quais me incluo, que convivem num mundo tecnológico, ganancioso e afastado dos elementos da natureza. No entanto, nos dias que eu reservava um tempo para sentar nos bancos da igreja e fazer uma oração, procurava sair pela porta lateral e sentir de perto meu passado através da presença daquela planta especial. Li algo interessante que ajudou-me a compreender minhas saudades: “Os plátanos vivem intensamente as estações do ano. Na primavera, ficam cheios de rebentos e folhas novas de um verde claro, no verão os plátanos ficam frondosos e cheios dando uma sombra apetecível, no outono as folhas tornam-se totalmente amarelas e no inverno perdem toda a folhagem ficando totalmente despidos apenas com o tronco e os ramos. Observar um plátano, é observar o desenvolvimento das estações do ano e, conseqüentemente, o andar do tempo”.
A açoita, era assim que meu pai a denominava, nasceu numa encosta e sobreviveu alguns anos, além de suas conterrâneas, por causa de seu tamanho. Ao redor dela havia uma plantação de milho. Meu serviço era capinar o mato que ameaçava o milharal. Nas horas, em que eu descansava, ficava admirando seus galhos retorcidos, as frestas que apresentavam como pano de fundo o céu azul, as diferenças de tons entre as partes externas e internas da folhas, os musgos suspensos, os cipós dependurados, os passarinhos descansando. Eu desejava ter coragem e força para poder subir até sua copa! O lugar onde suas raízes se fixaram era privilegiado pela visão que apresentava.
Aquele plátano e aquela açoita não suportaram o massacre do progresso. Ele foi arrancado quando construíram um Centro Comunitário de material, com quadra esportiva, cancha de bocha, cozinha e vestiários. Ela foi vendida para uma serraria qualquer e seus pedaços menores queimados num fogão à lenha que também não existe mais.
Haverá o dia que não existirão, também, as pessoas que se recordam dessas árvores. Ninguém fica pra semente... Deveríamos, pelo menos, plantar coisas boas antes de morrer.

148. Se você não enviar essa mensagem para dez pessoas...

Jornal de Cocal: 3 de maio de 2006

O correio eletrônico possibilita rapidez, economia e facilidade para enviarmos mensagens às pessoas conhecidas e desconhecidas.

É comum abrirmos nossa pasta de e-mails e encontrarmos piadas, recortes de notícias duvidosas, pedidos de ajuda para diversos casos de doenças graves e mensagens “em Power Point”.

Vamos pensar um pouco sobre as mensagens criadas num programa que permite juntar fotografias maravilhosas, textos que elevam os espíritos carentes de motivação e de palavras bonitas e músicas que tocam profundamente o coração que ainda é humano.

Quem não gosta de ver uma série de fotos das paisagens consideradas as mais lindas do Planeta Terra? Qual é o adulto que não se emociona com fotos de crianças sorrindo, brincando, dormindo? Dá pra resistir à beleza das flores representado o quanto podemos ver a vida através delas? Como não rir e sorrir com montagens organizadas com animais para dar um recado ao único deles capaz de compreendê-las? Como não refletir, por alguns segundos, sobre a necessidade de lutar pela paz, quando nos retratam a destruição e a miséria humana? A maioria dos “internautas” curte receber e enviar esse tipo de mensagem.

Lamentavelmente, estão acrescentando um “slaide” extra com um teor supersticioso ou ameaçador. Há quem obedeça por receio e quem ignore tranqüilamente, a “ordem” dada com sutileza.

Por exemplo, recebemos uma mensagem sobre a amizade e quando pensamos que lemos a frase conclusiva, verificamos que há uma observação: “Essa é uma rosa sagrada. Você DEVE enviá-la a pelo menos cinco pessoas dentro de uma hora após tê-la recebido.” A palavra em letras maiúsculas nos perturba um pouco.

O tema sexo sempre atrai a atenção. Verificamos quais os “benefícios do sexo” e após o décimo item vem o recado: “ A Deusa ou o Deus do Sexo te visitará em quatro dias depois que tenha recebido esta carta. Para que isso aconteça você precisa enviar essa mensagem antes de 96 horas a outras dez pessoas.”

Um texto brilhante com citações bíblicas, tendo ao fundo um pôr-do-sol, no faz relaxar e sentir a presença divina. De repente...: “Faça um pedido. Para que ele seja realizado, envie essa mensagem a sete pessoas. Não quebre essa corrente, por favor.” Por incrível que pareça, conseguem nos provocar uma sensação de que seremos culpados se os pedidos não forem concretizados, porque nos recusamos a dar continuidade a essa tolice.

Acho que devemos continuar enviando essas mensagens para conhecidos e desconhecidos. Mas, antes precisamos deletar o último “slaide”. Não precisamos manter uma corrente... nem ficar presos!

147. Mensagem presente nos Hinos Nacionais

Jornal de Cocal: 14 de junho de 2006

Durante a Copa muito se fala sobre a beleza do Hino Nacional brasileiro. Há quem ache estranho, um país como o Brasil - que pouco investe na educação básica e na cultura - ter um hino com letra tão bonita e música tão sofisticada. Não podemos esconder, entretanto, o desconhecimento popular do significado de diversos vocábulos nele contido. Apesar de tudo, prevalece o poder de derramar lágrimas através da sua música.

Antes dos jogos da Copa do Mundo são executados os hinos dos times competidores. No canto inferior da televisão lemos a tradução. Percebi expressões comuns na maioria dos hinos: liberdade, brilho, luta, canhões, flores. A mensagem, muitas vezes, simboliza soldados que batalham contra os inimigos externos ou conterrâneos. Esse interesse levou-me a pesquisar. Inicialmente, eu queria saber o que diz o hino da França, da Alemanha, dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Itália. Por não encontrar a tradução, mudei o rumo da minha busca para os países onde se fala a Língua Portuguesa. Perguntei-me: o que passa pela cabeça desses povos quando ouvem sua canção patriótica?

Começamos por Portugal: “ Heróis do mar, nobre povo... Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar. Às armas, às armas! Pela Pátria lutar. Contra os canhões marchar, marchar!” A “descoberta do Brasil” é conseqüência da competência portuguesa na arte de navegar e construir embarcações. Mas, porque esse teor fortemente bélico numa canção?

O Timor-Leste tornou-se independente de Portugal em 1975 e libertou-se do domínio da Indonésia somente em 2002. Ainda hoje, a letra do seu hino expressa seus sentimentos recentes: Pátria, Pátria, Timor-Leste, nossa Nação. Glória ao povo e aos heróis da nossa libertação.Vencemos o colonialismo, gritamos: Abaixo o imperialismo. Terra livre, povo livre. Não, não, não à exploração. Avante unidos firmes e decididos.” O governo brasileiro enviou recentemente uns sessenta educadores brasileiros para colaborar com o Ministério da Educação desse povo.

Moçambique também considera sua pátria bela, quer liberdade, tem um sol que sempre brilhará e “pedra a pedra” com uma “força única de milhões de braços” constrói um novo dia. Eles prometem: “Flores brotando do chão do teu suor. Pelos montes, pelos rios, pelo mar. Nós juramos por ti, oh Moçambique. Nenhum tirano irá nos escravizar.”

Cabo Verde apresenta lindamente: “Canta, meu irmão. Que a liberdade é hino. E o homem a certeza. Com dignidade, enterra a semente. No pó da ilha nua. No despenhadeiro da vida. A esperança é do tamanho do mar.”

O que será que aconteceu num certo quatro de fevereiro na Angola? Penso que não foi um dia tão fácil como o nosso sete de setembro. “Ó Pátria, nunca mais esqueceremos. Os heróis do quatro de Fevereiro. Ó Pátria, nós saudamos os teus filhos. Tombados pela nossa Independência. Honramos o passado e a nossa História. Construindo no Trabalho o Homem novo.”

Açores canta : “Para a frente! Em comunhão, pela nossa autonomia. Liberdade, justiça e razão estão acesas no alto clarão da bandeira que nos guia.” Florianópolis recebeu muitos açorianos, cujos descendentes vêem sua liberdade tolhida pela violência, assistem a corrupção afronta os desejos de justiça e que grita pela razão que deve estar presente nos animais ditos racionais.

Cada povo luta constantemente para que a sua História seja um exemplo. Seja chorando, morrendo, sofrendo, amando ou cantando.

146. O símbolo do Brasil

Jornal de Cocal: 7 de junho de 2006

A disciplina de matemática tem como objetivo desenvolver os pensamentos numérico, algébrico e geométrico, além do raciocínio combinatório, estatístico e probabilístico. O grande desafio dos educadores atuantes nessa área tem sido o de trabalhar simultaneamente todos esses conteúdos abordando temas significativos para os educandos. Os conteúdos de Geometria, relegados pelas escolas durante anos, tem conquistado continuamente espaço nos livros de matemática, nas discussões e nos planejamentos.

Nós, professores, buscamos associações que ajudem os alunos a compreender e a memorizar os vocabulários da matemática. Quando pretendemos que não esqueçam, por exemplo, que pentágono é um polígono que apresenta cinco lados, mostramos uma foto do prédio do “Pentágono Americano”, conhecidíssimo pela presença constante nos filmes e também por ter sido um dos alvos no inesquecível “11 de setembro”.

Uma paixão brasileira tem nos ajudado no estudo dos poliedros: o futebol. Estudando os famosos sólidos de Platão – cubo, tetraedro, octaedro, dodecaedro e icosaedro – resolvemos confeccionar algumas bolas de papel para pendurar no teto do refeitório de nossa escola. Compramos uma bola de plástico simples. Não havia necessidade de gastarmos dois reais para adquirirmos um modelo, afinal, podíamos ter observado a organização das figuras que a compõem nos prendedores de cabelo, nos chaveiros, nos adesivos, etc.

Descobrimos que tínhamos que fazer vinte hexágonos e doze pentágonos para montá-la. Concluímos que as bolas desse modelo apresentam trinta e duas faces e uma coincidência interessante: exatamente o número de países que participarão da Copa do Mundo desse ano!

Outra relação maravilhosa: a bola é formada por pentágonos e nós somos pentacampeões; a bola é formada por hexágonos e sonhamos em ser hexacampeões. Torcemos para que isso seja um bom presságio.

O futebol encanta os homens. A Copa do Mundo do mundo atrai as mulheres. A bola enfeitiça as crianças. O estádio renova as energias de todas as pessoas que sentam em suas arquibancadas.

A bola é um símbolo do orgulho patriótico e ilumina os corações brasileiros. Exibimos com prazer as cinco estrelas cravejadas na camisa amarela.

Acreditamos que não foi por acaso que escolheram um círculo para colocar no centro da Bandeira Nacional e estrelas para representar os Estados da Federação e o Distrito Federal.

145. A plantinha que ninguém vê

Jornal de Cocal: 31 de maio de 2006

Há uma rachadura no alto da parede lateral do Palácio do Estado, antigo Fórum de Criciúma.

Os azulejos trincados chamaram minha atenção por causa de uma plantinha de uns vinte centímetros que vingou num lugar incomum. Encantada, olho para ela, que parece olhar as bandeiras hasteadas logo à frente. Impressiona-me o lugar onde a natureza a colocou e a sua resistência às intempéries e inconveniências.

Eu a vejo como um símbolo do cidadão brasileiro que trabalha, pede socorro, luta pela sobrevivência , enfrenta os problemas, mantém a consciência tranqüila e sob o concreto urbano, sente-se isolado no meio de uma multidão. Apesar disso tudo, ambos, não desistem de viver: superam o frio, o vento, a fome, a sede, acomodações ruins, o barulho infernal das buzinas, a poluição do ar e a indiferença dos semelhantes.

O prédio do Palácio do Estado abriga: o Cartório Eleitoral; A Junta Militar; A Casa da Cidadania que atende pequenas causas através do trabalho desenvolvido por estudantes da UNESC; O Tribunal Regional do Trabalho – TRT; o Procon – órgão de defesa do consumidor; O Conselho Tutelar; o GAPAC – Grupo de Apoio e Prevenção à Aids; a União das Associações de Bairro de Criciúma – UABC; e uma Organização Não-Governamental chamada Amor Exigente que trabalho com usuários de droga. Não fiz uma pesquisa criteriosa sobre os órgãos e as instituições que ocupam esse espaço, mas acredito, que estou escrevendo informações corretas.

Aquela singela plantinha representa as diversas pessoas que entram naquele prédio para cumprir com um dever cívico, participar do processo democrático, denunciar, reclamar alguns direitos, colaborar com a sociedade, ajudar necessitados ou pedir apoio e orientação. Às vezes, desesperadas e fracas, outras, fortes e conscientes. Há casos de perplexidade diante dos abusos cometidos pelos seres humanos, de revolta em relação à desonestidade e de desinteresse pela pátria. Mas, existem também, ações bonitas de grupos preocupados em melhorar a vida dos habitantes de seu bairro, das famílias, dos doentes e dos desprivilegiados financeira e culturalmente.

Fico perguntado-me, se provoquei ou não, a curiosidade de alguém. Haverá um motorista esperando a sinaleira abrir ou um pedestre andando pela Rua São José, procurando pela pequena arvorezinha presa aos azulejos cor-de-rosa? Acho improvável porque pressinto que ela será esquecida antes de morrer, assim como as pessoas carentes de assistência e carinho. Nos comovemos com as lições dadas pela vida e logo as esquecemos. Infelizmente, é assim que somos!

144. Palavrões e blasfêmias

Jornal de Cocal: 24 de maio de 2006

Na minha infância convivi muito com famílias de origem italiana no oeste catarinense. Guardo na lembrança o linguajar, o jeito de conversar, expressões corriqueiras e até palavrões e blasfêmias comuns.

O pai de uma de minhas amigas costumava dizer “sacramenha” quando ficava bravo. Era constrangedor estar por perto nos momentos em que ele estava nervoso com os filhos.

Vi muitos agricultores exaltados quando o gado fugia do potreiro invadindo e destruindo parte do milharal dos vizinhos, na lida com juntas de bois arando a terra, quando um cano de água estourava ou mesmo nas épocas de seca. Nem Deus escapava de suas ofensas; o xingamento preferido era “Porco Dio”. Que Deus me perdoe!

Porco Dio era o pior xingamento e por isso o mais usado. Servia para expressar a raiva quando: o tiro de espingarda não atingia o jacu, a roda da carroça escapava, os porcos brigavam no chiqueiro, o leite da vaca secava, os parentes não pagavam uma dívida no dia combinado, etc. Os conselhos do padre nos dias de missa eram dados em vão!

Num sábado à tarde, meu pai queria um martelo e não o encontrou no devido lugar. Subi para procurá-lo no sobrado da casa. Tremendo de medo eu não enxergava a ferramenta entre o caibro e as telhas. O desespero tomou conta de mim por causa dos “Porca Madona” que ecoavam pelos ares. Minha nona já havia dito que um dia, ele seria castigado por maldizer freqüentemente Nossa Senhora, com tanto ódio no coração.

Certo dia, um dos meus tios cortou o pé com o machado enquanto rachava lenha. A dor provocou os demônios interiores. Ele olhava para os céus e gritava: “Lazarento, dum lazarento, dum lazarento. Por que você faz isso comigo? Trabalho o dia inteiro, to cansado, com fome e mais essa!” Eu sabia quem era o destinatário da mensagem. Só não compreendia porquê chamar alguém de lazarento era um meio de ofender. Hoje, suponho que seja por causa do preconceito sofrido pelos leprosos, como Lázaro – irmão de Marta e Maria Madalena. Esse homem foi ressuscitado por Jesus Cristo após o terceiro dia de sua morte. Quem diria que um dia seu nome viria a ser sinônimo de ofensa!

Muitas crianças foram repreendidas pelos professores e pelos próprios parentes por dizerem palavrões. Naquela época, seria ousado demais dizer aos pais que o exemplo educava mais que os conselhos. O autoritarismo imperava na educação familiar. Estranhamente, os pais sentiam-se envergonhados ao serem informados de que seus filhos sendo “mau-educados” na escola ou em outros ambientes sociais: “Por favor, converse com seu filho porque ele vive dizendo palavrões por ai.”

Parece que o tempo encarregou-se de apagar “aquelas coisas feias” ouvidas diariamente. Afinal de contas, hoje em dia, ninguém mais se dirige aos outros, alfinetando com um “filho de la putana”.

143. Expressões da região criciumense

Jornal de Cocal: 17 de maio de 2006

Uma palavra nova é acrescentada, automaticamente, ao vocabulário de quem passa a conviver com o povo da região de Criciúma: bobiça.

O vocábulo “bobiça” não pertence à lista oficial da Língua Portuguesa. É inútil procurar a grafia correta nos dicionários. Provavelmente, ele seja a distorção de bobice, que significa uma coisa sem importância ou supérflua.
Quando uma pessoa é contestada por ter expressado uma opinião, vem a crítica: “Quanta bobiça você está falando!” Costuma-se, dizer: “Passei no um e noventa e nove para comprar algumas bobiças.”

Bobiça pode ser, também, o filme que não agradou, os brincos vendidos pelos camêlos, uma música sertaneja, um programa de televisão, um comercial mal produzido e as conversas sem compromisso trocadas nos ambientes informais.

Há até quem classifique as árvores da Praça do Congresso, como bobiças: “Eu acho essas árvores uma bobiça!” Aqui, pode haver uma dupla interpretação: elas são lindas ou atrapalham de algum modo?

Outro aspecto comum nas falas criciumenses é a colocação do pronome pessoal se, antes e depois do verbo:
- Ele se quebrou-se o braço na pista de skate.
- Ela se matou-se por causa da cachaça.
- Eles se esconderam-se atrás da porta do banheiro feminino.
- Elas se arrumaram-se para a festa de aniversário das primas gêmeas.
- Eles se machucaram-se numa briga feia.

Pessoas oriundas de outros lugares, ao ouvirem essa repetição, questionam: “Ele quebrou o braço duas vezes? Ela se matou duas vezes? Ainda estão imitando o Giovani Improta, da novela Senhora do Destino?”

Existe outra expressão interessante e comumente usada para falar de um ponto de referência, por exemplo: “Você quer saber onde fica o Edifício Ipanema? Não tem, o antigo Bistek? É lá perto.” Outras vezes, é usada desnecessariamente: “Eu estava fazendo um lanche. Não tem? Daí, o celular tocou. Não tem? Era a minha mãe querendo saber onde eu estava. Não suporto mais essa marcação. Não tem?”

Não podemos ignorar um vocativo usado para demonstrar carinho com o interlocutor:

- Senta aqui, Cheirinho! A Diretora já vai lhe atender.
- Ô, Cheiro! Onde está a conta de luz? Até ontem estava na porta da geladeira.
- Meu Cheirinho, venha me dar um abraço gostoso. Eu estava com muitas saudades desse safadinho.

O professor Pasquale Cipro Neto, apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, da TV Cultura, diz que ninguém deve sofrer preconceito por não conhecer a linguagem culta e que as diferentes maneiras de usar as palavras devem ser respeitadas, pois são elas que dão identidade a cada povo. Salienta, também, que devemos saber aplicar corretamente a língua materna para desenvolver textos formais.

As palavras surgem e sofrem transformações. Algumas são legitimadas pelo corrente uso popular. Talvez, um dia, o dicionário receba o vocábulo bobiça e acrescente um novo sentido ao termo “cheiro”.

domingo, setembro 03, 2006

142. Não quero, mas preciso...

Jornal de Cocal: 10 de maio de 2006

Não quero facilitar a entrada dos raios de sol em meu quarto, abrindo a cortina. Posso optar por deixá-la fechada, porém, preciso sair dessa cama.

Não quero tomar banho antes de vestir o uniforme da loja. Posso apenas escovar os dentes, porém, preciso estar apresentável diante da clientela.

Não quero tomar café junto com minha família. Posso comer um pastel qualquer na padaria, porém, preciso descascar os abacaxis que conquistei.

Não quero entrar num ônibus lotado de cidadãos sem rumo certo. Posso ir a pé, porém, preciso andar pelo caminho da dignidade.

Não quero ter pressa, sempre, o tempo todo, a vida inteira. Posso diminuir o ritmo, mas, preciso chegar na hora marcada.

Não quero sorrir para pessoas mau-humoradas. Posso ser apenas educado, porém, preciso enfrentar as agruras humanas.

Não quero ser pessimista. Posso evitar assuntos desanimadores, porém, preciso ter fé e otimismo.

Não quero ser um péssimo pai. Posso decidir participar das brincadeiras dos meus filhos, porém, preciso ter coragem de assumir mais uma responsabilidade esquecida.

Não quero ser um mentiroso que abusa da credulidade. Posso ser verdadeiro, porém, preciso rever os princípios que herdei.

Não quero ser corrupto. Posso abraçar a honestidade, porém, preciso policiar meus atos para não imitar os medíocres.

Não quero mais votar nesses políticos. Posso anular meu voto, porém, preciso ter consciência de que minha omissão os agrada.

Não quero voltar a ser estudante. Posso continuar com tempo livre, porém, preciso buscar o aperfeiçoamento.

Não quero ver mais um capítulo da novela das oito. Posso assistir a um filme sobre a II Guerra Mundial, porém, preciso cuidar das dores do meu coração.

Não quero ler a Bíblia Sagrada. Posso rezar apenas o Pai-Nosso, porém, preciso relembrar “O Santo Anjo”.

Não quero dormir cedo. Posso navegar na Internet até altas horas, porém, preciso respeitar as limitações do meu corpo.

Não quero matar a sede que sinto tomando água. Posso beber cerveja, porém, preciso de lucidez.

Não quero dançar samba. Posso curtir Bee Gees, porém, preciso voltar a sonhar em fazer coisas capazes de enriquecer minha existência terrena.

Não quero ser triste. Posso escolher a alegria, porém, preciso encontrar meios para ser feliz.

Não quero – ou melhor, eu não queria - escrever essa crônica porque não estava bem. Eu poderia falhar uma vez, porém, não dormiria tranqüila.

141. Como o ser humano pode ser tão mau?

Jornal de Cocal: 26 de abril de 2006

Sentadas na parada de ônibus, duas mulheres conversavam sobre o final da minissérie JK, da TV Globo. Os capítulos em questão se referiam a fase em que a ditadura se instalava no Brasil: "Chorei muito quando vi o que o governo fazia. Como eram cruéis! Quanta tristeza os familiares tiveram que suportar! E a solidão do exílio? Saber que não podiam voltar para o próprio país se quisesse continuar vivo..." E prosseguiu: "Eu custo acreditar que o ser humano pode ser tão mau."
Uma amiga emprestou-me o filme "A Paixão de Cristo" e comentou: "Achei esse filme muito pesado. Eu já sabia que Jesus foi chicoteado, que cuspiram em seu rosto e enfiaram uma coroa de espinhos em sua cabeça, mas teve horas que eu chorei tanto e só por Deus assisti até o fim. Sabe, eu não entendendo como o ser humano pôde ser tão ruim, fazer tanta malvadeza com uma que só pregava o bem, o amor ao próximo."
Assisti um programa da TV Escola sobre os índios do Brasil. Nele, uma antropóloga kaingang fala sobre o massacre e a discriminação sofrida pela sua tribo que habita a região sul brasileira: "Por volta de 1910, na época da Guerra do Contestado, eram contratados bugreiros para dizimar os índios. Para provar ao homem branco que realmente tinham matado um índio eles eram obrigados a levar uma orelha ou o escalpo. Um desses, digamos, pistoleiros, contou que quando voltou ao local onde haviam matado vários índios no dia anterior, encontrou um deles estrebuchado, ainda com vida e que até parecia gente. Ou seja, para eles, nossos antepassados não eram sequer pessoas." Vendo isso, não há como não questionar a falta de amor de um povo com o outro.
O primeiro contato que tive com livros que apresentavam a história dos negros, escravos deixaram-me chocada. Eu sabia o quanto doía apanhar com um tento ou com uma vara de vime, de vez em quando. Por isso, meu coração disparava ao olhar as figuras ilustrando um negro amarrado a um pau, sangrando, recebendo chicotadas de um feitor musculoso. E, no caminho de casa, ficava buscando uma resposta: "Que mal eles fizeram para serem tratados com tanta brutalidade?"
Acabei de ler um livro intitulado Treblinka escrito por Jean... Treblinka foi um campo de concentração que exterminou aproximadamente seiscentos mil judeus. Aprendi muito sobre o Holocausto. Descobri coisas horríveis que os homens fizeram contra seus semelhantes. As cenas relatadas são terríveis: crianças saciavam a sede sugando o suor do corpo das mães; filas de judeus nus indo para as câmaras de gás sem reagir; homens sendo obrigados a fingir um ato sexual com uma mulher caída no chão após ter o ventre cortado por uma baioneta; corpos sendo enterrados e desenterrados para queimar os vestígios, visando esconder da humanidade o extermínio praticado por eles; soldados alemães tiravam crianças do colo das mães e as jogavam nas fornalhas, dizendo para as mães: "Se você ama seu filho, vá buscá-lo." Em meio a tanta dor, os judeus ainda faziam humor-negro, perguntando um ao outro: "Você acredita na vida após vagão?" Antes de concluir a leitura da obra eu queria compreender como o Homem tem coragem de fazer tantas barbáries.
Assisti um manifesto, organizado por Regina Casé, denunciando a violência dos homens contra as mulheres, principalmente no estado de Pernambuco. Os casos de agressão não deixam dúvidas da falta de respeito dentro da própria família e dá vontade de gritar: "Por que você, Homem, é tão covarde?"
O Mal está presente nas sociedades sob diversas formas. Enquanto isso, o Bem questiona e luta para mudar esse quadro. Que o Bem vença o Mal, como nos desenhos animados. É uma pena que a realidade não é igual à ficção...

140. Rádios e Quasímodos

Jornal de Cocal: 19 de abril de 2006

— Temos medo do desconhecido?
— Sim.
— Como devemos enfrentar nossos medos?
— Conhecendo-os!
— Quando é que tomamos coragem para enfrentar nossos medos?
— Quando surgem as necessidades.
— De que medo estamos falando, agora?
— Do medo de fazer parte da vida de crianças, jovens e adultos portadores de deficiências mentais e físicas.
— Por que temos de dialogar sobre esse assunto?
— Porque eles devem ser integrados na sociedade e para tanto contam contigo.
— Não tenho nada a ver com isso. Meus filhos são normais e já não lhes dou a atenção que merecem. Não encontro as metodologias adequadas para trabalhar com alunos sem deficiência, quanto mais os que apresentam algum quadro de limitações físicas e mentais. O governo é que precisa rever os espaços físicos e projetar obras para facilitar o acesso dessas pessoas. Esses educadores que pregam a inclusão deveriam ser mais práticos e menos teóricos.
— Você já tocou em algum "Corcunda de Notre Dame"?
— Como assim? O que queres dizer?
— Você já conversou, se aproximou de alguém que apresenta alguma deficiência física e percebeu que essa pessoa é inteligente e capaz?
— Não tive essa oportunidade. O Corcunda de Notre Dame é também um deficiente mental, não é?
— Não, o Quasímodo aparenta ter retardado mental porque foi isolado do mundo. Negaram-lhe o direito de interagir, descobrir, entrar em contato com a cultura de seu povo. Seu equívoco é perdoável, afinal, até médicos erram dando diagnósticos de pacientes capazes intelectualmente porque pensam que a falta de habilidades motoras está associada a problemas mentais. Já vi portadores de necessidades físicas rindo de médicos que atestaram: "retardamento mental". Quem é o verdadeiro retardado nessa história?
— Entendi. O preconceito é gerado pela ignorância.
— Eu gostaria que você conhecesse o Rádio, através do filme "Meu nome é Rádio" que é baseado em fatos reais. Ele é um exemplo das pessoas normais fisicamente, que podem desenvolver suas capacidades cognitivas, debilitadas por razões nem sempre conhecidas, se receberem uma mão amiga. Esse mundo altamente competitivo carece de pessoas solidárias, capazes de acreditar que ajudar um ser humano nunca é um erro.
— Por que ele se chama Rádio? É estranho...
— Descubra assistindo o filme. Posso lhe assegurar que saber a origem desse apelido não é o que há de mais rico nessa história. Espero que não esqueça do meu pedido. Afinal de contas, perdemos o medo conhecendo e é conhecendo que aprendemos a amar. Precisamos amenizar e quem sabe acabar com os preconceitos que temos em relação aos Rádios e Quasímodos. Essa lição é importantíssima! Talvez haja um pouco de cada um deles em nós mesmos.

139. O astronauta brasileiro

Jornal de Cocal: 12 de abril de 2006

Os noticiários do momento voltam-se para Marcos Pontes, o primeiro astronauta brasileiro a visitar a Estação Espacial Internacional. Apesar das críticas aos gastos que o governo brasileiro teve para realizar esse projeto, sentimos um orgulho imenso porque estamos participando de descobertas científicas que normalmente pertencem aos países desenvolvidos.

Numa página da internet, uma foto e uma frase do astronauta prenderam minha atenção: "Meu sonho não é conquistar o espaço. Meu sonho é conquistar o coração de cada jovem e mostrar que TUDO É POSSÍVEL quando se deseja." Perguntei-me, surpresa: "É isso que ele quer falar às pessoas? É justamente isso que eu quero que a maioria dos meus alunos entendam." Foi através de Marcos Pontes que eu disse a eles o que penso, porém, tenho consciência de que é com exemplo que vou provar minha intenção e essa tarefa não é fácil.

Fiz um trabalho com meus alunos que escreveram algumas mensagens para enviar via e-mail ao astronauta. Através das escritas, percebi que alguns distorcem as informações – pensam que o astronauta foi à Lua -, outros deram os mesmos conselhos que receberam e alguns parecem dizer coisas óbvias ou originais. Há quem já sonhe em entrar em uma nave espacial e começa a imaginar seu futuro de outra maneira. Abro um espaço para que eles expressem suas idéias e seus sentimentos, por isso não corrigi nada:

“Você lutou para conquistar seus sonhos e um de seus sonhos era ir para o espaço, ver a Terra lá de cima. Você é o primeiro homem mais corajoso. Tomara que você volte inteiro." (Jéssica Goulart dos Santos)

“Quero parabenizá-lo por conseguir o que você desejava, lutou por seu sonho: ser o primeiro astronauta brasileiro, conhecer esse mundão.” (Francine Duarte Luiz)

“Estou muito impressionada, pasma, alegre, contente, feliz, por você ter sido o primeiro brasileiro a ter visitado o espaço. Espero que você traga bastante e grandes inovações para o nosso Planeta Terra. Beijos da futura astronauta. (Érika Carolina Caetano Moura)

“Não sei como é essa sensação. Mas sei que um dia você vai se lembrar e começará a rir por ser difícil, pensará muito no que você viu lá no espaço. (Jamilly Pereira Zanelatto)

Meu nome é Guilherme Rodrigues, tenho 12 anos e moro em Cocal do Sul – SC. E queria te dizer que não admiro você só pelo fato de você ser astronauta. Mas, sim, porque você demonstrou força, garra e capacidade ao conquistar o seu sonho que era chegar no espaço. Era isso que eu tinha pra te falar. Admiro muito você. Tchau! (Guilherme Rodrigues)

Antes de te conhecer pessoalmente já te considero um herói, porque poucas pessoas tem a coragem que você teve de ir para o espaço e se Deus quiser voltar vivo de novo ao Brasil. Seja bem-vindo novamente. (Maiara )

Eu, Bruna, torci para você ter uma boa viagem. Foi muito legal realizar o seu grande sonho. Eu fiquei muito feliz porque deu tudo certo em sua viagem. Eu assistia muito a TV para ver como foi seu passeio no espaço. Eu me orgulhei de você ter essa grande coragem de ir até o espaço. Eu fique muito feliz.(Bruna)

Meu sonho é poder virar uma astronauta e poder chegar ao espaço representando o Brasil, que nem você. (Francini Custódio)

"Na minha opinião nenhum homem no mundo seria tão corajoso igual a você e eu te dou os parabéns por ser o primeiro homem mais corajoso do Brasil a ir para a lua. Bem que eu gostaria de te conhecer pessoalmente, cara a cara, mais isso seria só no dia que São Nunca cair de sua rede e resolver aparecer na Terra. Isso é mais do que impossível. Mas, eu, sabendo que você conquistou o Brasil inteiro fazendo essa loucura que até a sua mãe não queira deixar você fazer isso, mas mesmo assim eu fico dando pulos de alegria. Qualquer dia desses eu irei no seu site e deixo-lhe o meu para você me enviar essa resposta dessa pergunta que eu quero lhe fazer: Você foi para o espaço por fama ou por vontade mesmo?" (Dhenifer Renata Czimikski)

Eu quero lhe dizer que quando eu era criança, em minha casa não havia banheiro, então, à noite quando eu ia fazer xixi no terreiro, divertia-me vendo a urina formando um rio e se infiltrando no solo, após serpentear um caminho sob à luz da lua. Nesses momentos eu me sentia pisando no mundo e sonhava em ser uma pessoa importante para a humanidade. Antes de entrar em casa, eu olhava para o céu e pedia que Deus me iluminasse para ter forças, seguir adiante e ser GENTE. Jamais vou esquecer que você existe e faz a diferença. Fazes parte das pessoas que admiro e em quem me inspiro todos os dias. Que o Universo lhe abençoe. (Professora Ana Lúcia)

Há mais coisas para dizer e muito mais ainda a fazer...

137. Não desperdice água!

Jornal de Cocal: 5 de abril de 2006
Texto produzido pela professora Ana Lúcia Pintro observando as charges sobre a água produzidas pelos alunos de 6ª série nas aulas de Ciências da professora Micheline Dagostim.
Terminar de digitar
Aprendemos nas aulas de História, em filmes e livros que o Homem realizou incontáveis batalhas em busca de ampliar seus espaços territoriais. Ouvimos relatos dos nossos antepassados e através de novelas conhecemos um pouco do sofrimento dos imigrantes que chegaram ao Brasil no século passado, sonhando em ter um pedaço de terra. Quantos sulistas venderam suas propriedades para adquirir mais hectares, mesmo que para isso, precisassem abandonar os parentes e colaborar com a destruição de parte da Floresta Amazônica? Enfim, os povos lutaram muito pela terra.
Hoje, nossas crianças descobrem que o mundo se prepara para guerrear por causa da água. Especialistas afirmam que a 3a Guerra Mundial surgirá pela escassez do produto mais abundante encontrado na natureza. Não é uma ironia?
Na parede da escola, um mural foi montado com charges e textos referentes à água. Percebe-se claramente que muitos alunos compreenderam que esse líquido inodoro, incolor e insípido carece de cuidados urgentes. É evidente em seus trabalhos a representação da luta pela água.O Planeta Terra é composto de dois terços de água. O corpo do principal ser vivo que o habita – o Homem – tem em sua composição física uma proporção semelhante.
O Cláudio Luís costuma cantar no banheiro, esquecendo que enquanto repete desafinadamente “Tomar um banho de lua, tomar um banho de lua, tomar um banho de lua... “, o ralo engole desnecessariamente litros de água, enquanto o chuveiro consome energia elétrica produzida em hidrelétricas e o bolso do seu pai entra em desespero. Mas, ele sabe que no futuro poderá estar olhando para o céu numa noite estrela e dizendo a si próprio: “É, hoje eu tenho mesmo que tomar apenas um banho de lua.”
O Lucas mostrou o desperdício em Cocal do Sul, com um prédio onde gotas de água vazavam pelas janelas enquanto as pessoas conversavam e cantavam dentro de seus apartamentos. De repente alguém não há mais água transbordando. Será que as pessoas se conscientizaram? O grito de alguém responde: Quem gastou toda a água? Mas, é claro que os cidadãos cocalenses que fazem isso não nasceram ainda. O que comprova isso é o prédio de nove andares...
A Joana percebeu um contraste terrível na casa da Daniella: enquanto ela fica no Karaokê cantando “Não desperdice água...”, a torneira da pia banheiro está pingando incessantemente!
O Guilherme estava tomando banho. Ele fez um desenho da sua pessoa pelada no chuveiro, colocando uma tarja preta para não mostrar o... (acho melhor não dizer já que ele foi cuidadoso com a censura). Sua mãe lhe chamou a atenção: “Meu filho, desliga esse chuveiro, agora!” Eu não precisaria dizer o que ele respondeu, mas vou escrever a resposta que vocês já sabem: “Já vô, mãe!”. Depois ela foi tomar banho e quando estava pronta, com a tarja preta e tudo, furiosamente disse: “Filho, vem aqui ver o que você fez.” Ele, falou com seus botões: “Ih! Sujou. Ai! Ai!”
A Francine previu o que acontecerá se o desperdício não cessar: multidões cercarão a Companhia de Saneamento Básico implorando água que será distribuída com um conta gotas.

136. Continuando nossa conversa

Jornal de Cocal: 29 de março de 2006

Durante a missa, excepcionalmente hoje, não prestei muita atenção ao sermão do padre que se referia ao mandamento extra de Jesus Cristo: "Ame a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo". Passei a maior parte do tempo fazendo agradecimentos.

Sei que você, na sua juventude sonhadora e de certa maneira arrogante, irá rir interiormente ao saber das coisas que agradeci por ter conquistado durante minha caminhada de setenta anos. Sou imensamente grato pelo teto que me abriga, pelo plano de saúde que consigo pagar, pelas roupas que visto, pela comida que posso buscar no mercado quando quero, pelo título do clube que mantenho porque gosto de nadar e de jogar bocha, pela conta baixa na farmácia, pela luta recompensada ao ver meus filhos diplomados na faculdade e por nunca ter ficado desempregado.

Talvez eu não esteja lhe dando tempo para me questionar, mas já a conheço o suficiente e, portanto, posso revelar as perguntas que circulam em sua cabeça: "O senhor agradece por esta casa de quatro cômodos com uma modesta garagem onde guarda um fusca? Uma vida toda batalhando e se conforma em poder pagar coisas básicas? Anos e anos economizando em função de pagar mensalidades para os filhos estudarem? E acha que ser mineiro, motorista de ônibus e vigia de prédios residenciais até se aposentar é algo bom?" Dói, meu coração chora, porque vejo que minha aparência física, os erros de português que aprendi a manter durante décadas, a simplicidade que me cerca e as dificuldades que driblo, são motivos de vergonha para a única neta que gerei.
Você briga com sua mãe dizendo que não pediu para nascer e que precisa de liberdade. Vejo uma adolescente atrevida e chantagista berrando e batendo portas, dia sim, dia não. Como tens coragem? Ontem, vi uma cena chocante: uma mulher grávida, sentada nas escadas do terminal rodoviário, bêbada e discutindo com um homem que, suponho, ser o pai das duas crianças que estavam em seu colo e também do bebê que ela carregava no ventre. Se você acha que pode protestar dessa maneira, o que se dirá daquelas... Suas atitudes me fazem lembrar de quanto amor recebestes deste que vimos o resultado positivo do exame de sangue que sua mãe fez ao suspeitar da gravidez, depois de enfrentar processos dolorosos devido a problemas de infertilidade. Ela pediu, implorou, rezou e buscou tratamento para tê-la em seus braços.

Queres liberdade? Há meninos, depois da meia-noite, andando pelas ruas e perambulando pelas praças. Eles nem se preocupam em voltar pra casa porque não são esperados com um jantar decente e lençóis limpos. Penso que adorariam ter pessoas que exigissem que estivessem na cama antes das dez horas, com as tarefas escolares prontas e os dentes escovados.

De forma alguma estou lhe pedindo que se conforme, aceitando a vida como ela é ou parece ser. A ambição recheada de sonhos é necessária. Porém, não esqueça dos princípios éticos e dos valores que lhe foram repassados através de sua humilde família. Eles valem mais que um celular, um caderno de capa dura, um computador com acesso ao mundo virtual, uma noite na balada, uma blusinha da moda.

Não quero ser e nem sou exemplo pra ninguém, no entanto, entendo os dez mandamentos e os sigo porque Deus não estava brincando de fazer leis. Na verdade, Moisés escreveu nas tábuas o que está já está escrito em nossa consciência ao nascermos. A felicidade, nosso maior objetivo, se encontra em nosso coração quando somos do bem.

135. É por isso que eu reclamo

Jornal de Cocal: 22 de março de 2006

Eu não queria me intrometer porque havia prometido a mim mesmo jamais contestar novamente as reclamações que ouço nessa casa. O tempo me fez acreditar que sou agradecido demais à vida que tenho em função do que vivi, e por isso, freqüentemente não sou compreendido. Às vezes, sinto que me vêem como um velho tapado, acomodado, inadequado e fácil de ludibriar. No entanto, essa imagem se deve às minhas discordâncias com as maneiras de analisar a vida. Vejo muita injustiça nas suas atitudes e nas palavras que refletem sua opinião a respeito da escola, do trânsito, das roupas, das festas, do calor, da comida, das posturas de seus pais.
Você abre a porta da geladeira com vontade de fazer um lanche. Passa os olhos pelas grades, abre uma expressão de descontentamento e reclama que não há nada de bom para comer. Eu sei que aí dentro têm margarina, doce de abóbora, geléia de pêssego, presunto, queijo, maionese, pão integral, laranjas e mamão. Se quiser pode preparar um suco artificial de manga com água gelada ou optar por iogurte de morango. Se eu tivesse todas essas coisas para me alimentar quando pequeno, certamente me sentiria um príncipe. Raramente, tínhamos algum tipo de “doce” pra passar nas fatias do pão - preparado pela minha irmã de oito anos - com farinha de trigo misturada a de milho. Eu e meus irmãos gostávamos mais do pão “branco”, ou seja, aquele feito apenas com farinha de trigo. No entanto àquela época era caro demais. De vez em quando, meu pai permitia que a gente espalhasse açúcar sobre os pedaços de pão e borrifasse algumas gostas de água para fixá-las. Era uma delícia saborear pão com açúcar. Havia outra coisa gostosa que a gente costumava fazer: passar banha quente sobre o pão cortado em fatias e colocar pedacinhos de alho. A boca fedia pela manhã toda, pois não tínhamos o hábito de escovar os dentes. Aliás, a única pessoa da família que possuía escova, era seu bisavô. E ele só usava quando ia sair...
Percebo a má vontade que tens em relação aos estudos quando você conversa com a Tainara pelo telefone: “a matéria de geografia é uma chatice..., o professor de História complica muito..., os exercícios de matemática são intermináveis..., é um absurdo fazer a gente ler três livros por semestre..., detesto ter que fazer uma releitura da obra de Picasso...,eu não agüentava mais assistir aquela “Guerra do Fogo”..., porque é que ela não faz a experiência, eu sou aluna e não professora..., não me deixaram entrar no MSN na aula de informática... que nojo, amanhã tem prova!” Fico pensando no quanto chorei ao descobrir que minha carreira escolar seria interrompida porque eu precisava ajudar na roça. Sentado num sofá de molas que saltavam pelos buracos, eu sabia que o sonho de me formar no 1o Grau estava acabado pelas dificuldades financeiras. Hoje, é tão fácil estar numa sala de aula e você não valoriza. Apesar de tudo, na escola se aprende coisas importantes, dificilmente ensinadas em outros lugares.
Seu roupeiro está desorganizado. Suas roupas são tantas que precisas de uma tarde toda para arrumá-las. Mesmo assim, perturbou seus pais durante uma semana inteira, dizendo que não tens roupa para ir nessa tal de “dez cinqüenta e um”. Infelizmente, eles cederam, sabendo que o orçamento anda apertado. Erraram e no fundo sabem disso. Eu lhe asseguro que eu seria capaz de dobrar em dez minutos todas as roupas que tive em minha adolescência. Os sapatos, nem vou por em pauta...
Há mais coisas que quero lhe dizer quando eu voltar da missa. Espero que pelo menos continue me ouvindo. Com licença, não posso me atrasar. Acho falta de respeito entrar após iniciar a celebração!

134. Alguns dias em Ilhas

Jornal de Cocal: 15 de março de 2006

Tá vendo aqueles passarinhos enfileirados no fio elétrico? Eles me fazem lembrar do quanto fui bandido! Acho que é pelo arrependimento das coisas que fiz com eles que hoje não suporto ver um desses bichinhos presos em gaiola. Já avisei o Batista: "Solte esse rouxinol antes que eu o faça."
Na minha infância, junto com meus amigos, eu ia para o mato com uma espingardinha de pressão ou um estilingue. E a gente matava só pra fazer "pó de mico" e jogar nas pernas das meninas! Era a maior diversão matar beija-flor e andorinha. Depois, nós os jogávamos num ninho de formigas para que elas deixassem só os ossos, que era o que nos interessava. Passados uns quinze dias, a gente buscava os restos mortais, torrava no forno do fogão, moía com um garrafa de vidro e guardava em saquinhos. Então, aos finais de semana, nos bailinhos, disfarçadamente a gente jogava nas pernas das meninas. Era uma festa rir delas, se coçando o tempo todo. Veja se tem cabimento? É uma maldade destruir a natureza intencionando fazer malvadeza.
Não, não, não! Continue remando no lado direito da canoa. Eu dou a direção daqui de trás. Você observou os redemoinhos formados pela pá do remo na água? É um constante surgir e desaparecer. Isso me lembrou do enorme e maravilhoso redemoinho que enxergamos do alto do "Tapete Mágico", lá no Beto Carrero. Até consegui bater uma fotografia de lá das alturas, apesar da adrenalina.
Tem um povo sentado em círculo nas dunas. Deve ser aquele pessoal da igreja que está fazendo um retiro nesse lugar. Na rua do mercadinho tem uma casa com várias barracas no pátio. Ontem à noite eu os vi orando ao redor da mesa de jantar. Os crentes costumam organizar retiros espirituais em época de Carnaval.
A vizinhança adorou o trapiche. A rapaziada vive saltando. É uma gritaria geral. Ainda não fui me aventurar com eles. Não vai demorar...
Hoje bem cedo, os pescadores estavam frustrados. Pouco peixe caiu na rede. Descobri porque construíram aquela casinha sobre as dunas. Toda noite um deles fica lá do outro lado do rio vigiando. A casinha serve como proteção caso se forme uma tempestade repentina ou chova forte, não é pra dormir.
Eu não gostaria de sair desse paraíso. Observe que impressionante: o canal, o pântano, o Rio Araranguá, a faixa de areia e o mar. Tudo é perfeito. Há uma sintonia que faz bem à alma. Esse silêncio apaga os problemas cotidianos.
Olhe para o Morro dos Conventos. Quem está lá, vê o quando isso aqui é bonito. Porém, quem está aqui sente o quanto isso é lindo!
Vamos mergulhar nessas águas de Ilhas antes que anoiteça ou o tempo acabe?

132. Que tipo de canção somos capazes de tocar?

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131. Música e matemática: coisas divinas

Jornal de Cocal: 22 de fevereiro de 2006

Quando eu me sentia envolvida pela magia de uma música, imaginava o quanto poderia ser feliz se tivesse nascido com o dom de tocar habilmente um saxofone ou de encantar com uma linda voz, emocionando as platéias do mundo. A esplêndida beleza sonora, intrínseca nessa arte, fez-me suspeitar que os artistas da música “não têm carma ruim”: eles seriam exemplos de pessoas perfeitas aos olhos de Deus. Não me refiro a qualquer cantor de banda, compositor, baterista ou pianista. Falo daqueles que mesclam sua alma com as canções que executam, exteriorizando a complexidade dos sentimentos inerentes às criaturas vivas.
Entrei no Magistério na época em que a novela “A viagem” estava no ar. A história baseava-se na doutrina espírita que acredita na reencarnação. Segundo seus seguidores, morremos e renascemos para restaurarmos nossas maldades, injustiças, mentiras, enfim, temos que arcar com as conseqüências dos pecados práticos em vidas anteriores. Devido a essa filosofia, surgiram comentários gozadores e autodepreciativos: “Se uma pessoa tem como profissão ser professor significa que na vida passada ela foi extremamente má e precisa evoluir muito no sentido espiritual. O jeito mais rápido de pagar seus pecados é entrando numa sala de aula. Agüentar os alunos e ser humilhado pelo salário que recebe é um verdadeiro castigo.” Alguns, ainda acrescentavam: “Coitado de quem ministra aulas de matemática! Esse não consegue evoluir. Terá que reencarnar como professor de Educação Religiosa.”
Sabemos que um músico pode fazer da própria vida um inferno, acabando com a harmonia interior. Temos certeza de que um professor tem condições de vivenciar o Paraíso antes da “passagem definitiva”, afinal, já existem anjos ao seu redor. Tudo depende das concepções adquiridas, dos objetivos traçados e da crença na sua capacidade de amar e de agir em favor do próximo.
Frei Betto diz, sabiamente: “Acredito que Deus, ao criar o ser humano, deu-nos algo mais que Seu amor e semelhança para que merecêssemos ser considerados sua imagem e semelhança: a música e a matemática. São coisas divinas. A primeira, por ser uma emanação espiritual, articulada pela cadência de vibrações sonoras na pauta do tempo, capaz de elevar ou deprimir nosso espírito, agitar ou relaxar nosso corpo. A matemática, por nos permitir captar a mente divina.”
Entender o lado divino da música é fácil. Há cultos religiosos onde os fiéis passam a maior parte do tempo cantando e dançando discretamente. É assim que seus corações são tocados pela presença do Senhor Todo-Poderoso! Quando escolhemos ouvir nossas músicas prediletas, nos damos o prazer de nos encontrar, esquecendo as crueldades e violências da rua. Em todas as fases da vida, especialmente na juventude, curtimos os diversos tipos de música, porque isso faz bem para nossa mente.
O grande desafio está em mostrar a beleza existente na Matemática, na Geografia, na História, nas Artes, na Sociologia, nas Línguas, etc. Como ver Deus nessas coisas? Como colocar o Ser Humano no Além, sem ter que morrer para isso? Captar a mente divina é complicado, mas temos que ser persistentes tentando “abrir nossas mentes humanas” para o exercício consciente da justiça e do amor.