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segunda-feira, julho 30, 2012

A MENINA QUE ROUBOU UMA LASCA DE SABONETE



Este é o pinheiro da história. Estive recentemente na comunidade de São Miguel, no município de Jaborá, localizado no oeste catarinense. Foi nesse lugar que me “criei”...
A irmã mais velha do meu pai se chama Olga, o meu irmão é o Ademir e o nome do Padre é Théo. A menina sou eu, mas ainda não sou Dona Josefa!

Dona Josefa entrou na sessão eleitoral, retirou o título da carteira surrada, entregou aos mesários, aguardou o encaminhamento do presidente de mesa e dirigiu-se à cabine segurando a “colinha” com o número dos cinco candidatos que escolheu desprovida de expectativas.
Ela pediu uma cadeira e foi prontamente atendida por um “convocado”. Sentou-se devagar. Abriu o papelzinho. Olhou os números. Achou incômoda a luminosidade da urna eletrônica. Suspirou fundo. Observou uma única pessoa na fila. Procurou os óculos na sacola. Secou o suor do rosto com um lenço amarrotado. E, de repente começou a girar a aliança no dedo. O comportamento estranho despertou a atenção dos presentes. Informaram-na de que deveria votar depressa.
Levantando a cabeça e fitando os olhos na parede, ela disse: “Há muitos anos atrás, uma menina de seis anos foi passear na casa da irmã mais velha de seu pai. Ela viu sobre a pia da cozinha uma lasca de sabonete. Sabe, a gente vai usando, vai usando, até que fica uma camada fina de sabonete. Ela sonhava em poder tomar banho com sabonete. Desejava ficar perfumada. Queria, pelo menos um dia, se livrar do sabão fedorento que seus próprios pais faziam com os porcos mortos doados pelo vizinho que era suinocultor. Aquela era uma oportunidade rara. Então, cometeu um grande crime: roubou a lasca de sabonete! Nunca mais esqueceu-se daquele ato abominável. Seu coração disparou por mais de duas horas. E, quando acalmou-se, a consciência veio lhe perturbar. No caminho de volta pra casa, andando ao lado do irmão, pensou em uma maneira de justificar o “futuro aparecimento de um pedacinho de sabonete”. Ela não teria coragem de contar a verdade à mãe. Sua ingenuidade era tamanha que sequer pensou na possibilidade de esconder o seu “roubo”. Então, o que foi que ela fez? Acredite! Jogou aquela lasca de sabonete na estrada de chão e fingiu que o encontrara naquele mesmo momento. O irmão percebeu que havia algo errado, embora fosse mais novo que ela. Imagine! Ela acabava de se entregar da maneira mais tola possível. A mãe, ao saber do fato, percebeu a mentira. Era impossível que um pedaço de sabonete, estivesse naquela curva da estrada, debaixo daquele pinheiro! Ela lembra que sua mãe não contou nada ao seu pai porque certamente apanharia com uma vara de vime ou com a cinta de couro. Mas, a dor maior estava em sua alma! Por sorte, estava preste a passar a Primeira Comunhão. Esse sacramento era recebido somente depois de confessar seus pecados. Aquela menina sossegou somente depois de ter pedido perdão ao Padre. E, nunca mais, nunca mais na vida, roubou nada de ninguém. Agora, ela está aqui. Não é mais uma garotinha pura. É uma velha mulher que amadureceu seguindo os princípios bons, obedecendo aos mandamentos de Deus e buscando aprender todos os dias. Sempre ensinou seus filhos pelos exemplos. Nunca manchou seu caráter. Sim, errou muito. Porém, sempre soube corrigir seus erros. Agora, ela não quer errar. Mas, está apavorada porque dependendo de suas decisões, ela pode ser cúmplice de ladrões, mentirosos, bandidos e corruptos. Ela pode estar ajudando pessoas que jamais se arrependerão de roubar uma lasca de sabonete. E, infelizmente, são eles que entram na casa dos brasileiros com mais facilidade. Não conseguimos detectá-los facilmente. Não quero ser enganada.”
Na fila, mais de dez eleitores aguardavam a sua vez. Todos em silêncio, atônitos diante da inusitada situação, viram Dona Josefa pedindo que cancelassem seu voto. Depois, educadamente, desculpou-se e saiu.
Os demais continuaram ali para exercer seu direito de votar. Direito esse, que muitos fazem valer porque é também, um dever.
 Esse vídeo mostra um pedacinho das terras de Jaborá.
Professora da E.E.F. Demétrio Bettiol

segunda-feira, julho 09, 2012

PRA QUÊ ESTUDAR?


O horário de pegar a pasta e ir para a parada de ônibus estava se esgotando rapidamente. A mãe de Eduardo percebeu a embromação do filho e o alertou com severidade. O moço suspirou, reclamou da professora, foi para o quarto e se jogou na cama.
Durante o primeiro intervalo da novela das sete, a irritante Ana Cláudia, percebeu que o irmão dormia, sem se quer ter apagado a luz. Imediatamente procurou pelo pai que acabara de voltar da rua, onde passou o dia buscando emprego. Num tom maldoso, a menina diz que Eduardo não tem feito as tarefas escolares e está faltando às aulas porque é um preguiçoso. O clima de tensão aumenta dentro da casa, após o barulho do copo que se estraçalha violentamente, ao ser arremessado contra a parede. Segundos após, enquanto o pai chora convulsivamente, Eduardo chega à cozinha e é questionado:
- Por que você não foi para a aula, meu filho? Como poderás conseguir um futuro melhor desse jeito? Queres ser um desgraçado, como eu?
- Você não é um desgraçado e descobri que a escola não pode fazer nada por mim.
- Como assim?
-  De que adianta eu saber o que são substantivos deverbais? Que a fórmula química da glicose é C6H12O6? Que o quadrado da soma de dois termos é igual ao quadrado do primeiro termo, mais duas vezes o produto do primeiro pelo segundo termo, mais o quadrado do segundo termo? Que a tradução de I’m going to the beach this weekend é “Eu vou à praia neste fim de semana”? Que o grande pintor Van Gogh lutou muito contra a pobreza, a fome, o alcoolismo e a loucura e encerrou sua agonia com um tiro no peito? Que a Zona da Mata é úmida e tem solos férteis? Que a auxina é um hormônio que atua no crescimento das plantas? Que a cidade de Santos transformou-se em grande porto exportador de café? Que a velocidade da luz, no vácuo e no ar,  é de 300 mil quilômetros por segundo? De que me adianta saber disso tudo, meu pai, se estou fadado a ser um desempregado nesse país corrupto que não dá condições dignas de vida para sua população?
-  Não sei exatamente o que lhe responder, meu filho. Mas com certeza eu estaria mais tranqüilo se soubesse o que é um substantivo, que existe essa tal de glicose, se tivesse estudado esse troço comprido que você falou e que parece matemática. Talvez eu fosse mais respeitado se entendesse mais do que I love you, em inglês. Quem sabe, eu me sentiria mais valorizado se eu soubesse onde fica a Zona da Mata e que a cidade de Santos se localiza num litoral, o que acabei de descobrir na sua fala. Provavelmente, eu não estaria pensando, com 45 anos de idade, que hormônio só tem em seres humanos. Obviamente que eu não seria tão rápido quanto a luz, mas também, não seria tão devagar quanto um cidadão sem instrução perdido numa sociedade capitalista exigente.
-  Eduardo respondeu com muitas lágrimas!