Este é o pinheiro da história. Estive
recentemente na comunidade de São Miguel, no município de Jaborá, localizado no
oeste catarinense. Foi nesse lugar que me “criei”...
A irmã mais velha do meu pai se chama Olga,
o meu irmão é o Ademir e o nome do Padre é Théo. A menina sou eu, mas ainda não
sou Dona Josefa!
Dona Josefa entrou na
sessão eleitoral, retirou o título da carteira surrada, entregou aos mesários,
aguardou o encaminhamento do presidente de mesa e dirigiu-se à cabine segurando
a “colinha” com o número dos cinco candidatos que escolheu desprovida de
expectativas.
Ela pediu uma cadeira e
foi prontamente atendida por um “convocado”. Sentou-se devagar. Abriu o
papelzinho. Olhou os números. Achou incômoda a luminosidade da urna eletrônica.
Suspirou fundo. Observou uma única pessoa na fila. Procurou os óculos na
sacola. Secou o suor do rosto com um lenço amarrotado. E, de repente começou a
girar a aliança no dedo. O comportamento estranho despertou a atenção dos
presentes. Informaram-na de que deveria votar depressa.
Levantando a cabeça e
fitando os olhos na parede, ela disse: “Há
muitos anos atrás, uma menina de seis anos foi passear na casa da irmã mais
velha de seu pai. Ela viu sobre a pia da cozinha uma lasca de sabonete. Sabe, a
gente vai usando, vai usando, até que fica uma camada fina de sabonete. Ela
sonhava em poder tomar banho com sabonete. Desejava ficar perfumada. Queria,
pelo menos um dia, se livrar do sabão fedorento que seus próprios pais faziam com
os porcos mortos doados pelo vizinho que era suinocultor. Aquela era uma
oportunidade rara. Então, cometeu um grande crime: roubou a lasca de sabonete!
Nunca mais esqueceu-se daquele ato abominável. Seu coração disparou por mais de
duas horas. E, quando acalmou-se, a consciência veio lhe perturbar. No caminho
de volta pra casa, andando ao lado do irmão, pensou em uma maneira de
justificar o “futuro aparecimento de um pedacinho de sabonete”. Ela não teria
coragem de contar a verdade à mãe. Sua ingenuidade era tamanha que sequer
pensou na possibilidade de esconder o seu “roubo”. Então, o que foi que ela
fez? Acredite! Jogou aquela lasca de sabonete na estrada de chão e fingiu que o
encontrara naquele mesmo momento. O irmão percebeu que havia algo errado, embora
fosse mais novo que ela. Imagine! Ela acabava de se entregar da maneira mais
tola possível. A mãe, ao saber do fato, percebeu a mentira. Era impossível que
um pedaço de sabonete, estivesse naquela curva da estrada, debaixo daquele
pinheiro! Ela lembra que sua mãe não contou nada ao seu pai porque certamente
apanharia com uma vara de vime ou com a cinta de couro. Mas, a dor maior estava
em sua alma! Por sorte, estava preste a passar a Primeira Comunhão. Esse
sacramento era recebido somente depois de confessar seus pecados. Aquela menina
sossegou somente depois de ter pedido perdão ao Padre. E, nunca mais, nunca
mais na vida, roubou nada de ninguém. Agora, ela está aqui. Não é mais uma
garotinha pura. É uma velha mulher que amadureceu seguindo os princípios bons,
obedecendo aos mandamentos de Deus e buscando aprender todos os dias. Sempre
ensinou seus filhos pelos exemplos. Nunca manchou seu caráter. Sim, errou
muito. Porém, sempre soube corrigir seus erros. Agora, ela não quer errar. Mas,
está apavorada porque dependendo de suas decisões, ela pode ser cúmplice de
ladrões, mentirosos, bandidos e corruptos. Ela pode estar ajudando pessoas que
jamais se arrependerão de roubar uma lasca de sabonete. E, infelizmente, são
eles que entram na casa dos brasileiros com mais facilidade. Não conseguimos
detectá-los facilmente. Não quero ser enganada.”
Na fila, mais de dez
eleitores aguardavam a sua vez. Todos em silêncio, atônitos diante da inusitada
situação, viram Dona Josefa pedindo que cancelassem seu voto. Depois,
educadamente, desculpou-se e saiu.
Os demais continuaram ali
para exercer seu direito de votar. Direito esse, que muitos fazem valer porque
é também, um dever.
Esse vídeo mostra um pedacinho das terras de Jaborá.
Professora da E.E.F. Demétrio Bettiol