Neiva
adorava usar batons coloridos no inverno, fumar durante os intervalos das aulas
e rir das situações em que a vida a colocava. Ela era chamada de “A General”
pelos alunos do colégio onde foi diretora por muitos anos. Poucos sabiam que
aquela mulher de físico masculino, comportamento áspero e olhar determinado,
era um “doce de pessoa”.
Conhecê-la
melhor, foi um presente que ganhei, sem imaginar que um dia pudesse aproveitar.
Ouvir suas histórias era divertido. Vê-la filosofando era intrigante. Receber
seus estímulos era energizante. Buscar seus conselhos era aconchegante.
Certamente, ela não faz idéia de que hoje está sendo lembrada por alguém! E,
muito menos, que o motivo dessas recordações são coisas simples, mas profundas,
que um dia brincando de pensar expressou livremente.
Neiva
dizia não se conformar em ter que almoçar, colocar a louça sobre a pia, escovar
os dentes e voltar depressa para o trabalho. Ela achava que as leis da natureza
tinham de ser respeitadas, afinal, todas as pessoas sentem sono quando estão
com o estômago cheio. Tirar uma sesta era um direito! No entanto, nem ela podia
gozar deste prazer: as exigências da sociedade são mais poderosas que qualquer
necessidade fisiológica.
Neiva
ria saudosamente quando falava sobre a filha que estudava e trabalhava de babá
para um casal de médicos na Alemanha. Era engraçado observar as contradições
que fazia: ao mesmo tempo em que criticava a falta de amor, atenção e carinho
dos pais alemães para com o bebê – que soubera pelos relatos de sua filha –
afirmava que estavam certos. É claro que lendo nas entrelinhas, percebemos que
há ironias que favorecem o bom senso.
Ela
contava que quando tinha os três filhos ainda pequenos, ficou viúva e teve que
dar um jeito de criá-los praticamente sozinha. Num domingo, quando estava no
sítio de sua mãe, surpreendeu-se observando uma galinha com uma ninhada de
pintinhos. Comparou as diferenças entre suas crianças e aqueles animaizinhos:
os seus choravam em seus braços quando sentiam dor e os da galinha só piavam
sem que esta se preocupasse; os seus exigiam a mamadeira pronta e os da galinha
procuravam minhocas ciscando pelo terreiro; os seus sujavam fraldas e os da
galinha estavam sempre limpos; os seus não a deixavam descansar tranquilamente
e os da galinha não a incomodavam, apenas se aquietavam em suas penas. Apesar
de não serem apropriadas essas análises, ela, tinha puramente a intenção de
contestar as coisas que não lhe agradavam.
Nos
dias que acordo de uma noite mal dormida e brigando com todas as células do meu
corpo, lembro da Neiva e questiono: “Por que não posso ficar nessa cama durante
o tempo que eu quiser?” E a resposta, vem: “Porque você jamais mandará no
tempo!”