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segunda-feira, outubro 16, 2006

164. Homens da minha vida


Jornal de Cocal: dia 18 de outubro de 2006

Acho você pequeno demais para conversarmos sobre esse assunto. Sinto que devemos esperar por um momento mais adequado. Na verdade eu não sei direito porque seu pai não está conosco nessa hora tão especial pra nós dois. Desculpe, mas sequer tenho respostas para os meus questionamentos! Já passei noites em claro tentando compreender o que nos aconteceu. Juro que tentei manter nossa família unida.

Sempre serei sincera contigo. Jamais esconderei de ti a realidade. Admito que quando o exame de ultra-sonografia descobriu a sua existência em meu útero, fiquei abalada. Chorei porque meu coração já pressentia dias tristes. Eu não havia programado você! Confesso que fiquei com raiva do médico por não me informar que o antibiótico receitado cortava o efeito do anticoncepcional.

Mas, também não és fruto de um ato inconseqüente, de uma aventura amorosa. Eu e seu pai estivemos juntos por dez anos. Já tens um irmão que apesar da pouca idade, nos dá atenção, carinho e faz coisas de adultos pra nos proteger. Espero que ele seja seu espelho. Ficarei feliz se o tiver como exemplo. Ele tem me dado alegria e orgulho. É claro que, às vezes, ele me deixa maluca, estressada, preocupada. Prometo, prometo evitar compará-los quando crescerem. Vou amá-los da maneira que são. Vocês são os homens da minha vida.

Vou lhe contar mais uma coisa: eu queria uma menina. Já tinha pensado em chamá-la de Ana Claudia. No entanto, algo dizia-me fortemente, que serias um menino. Seu irmão foi comigo no dia que fizemos o exame morfológico. É, eu sei que querias que seu pai estivesse lá pra ver você. Dói, eu sei! Temos que aceitar a decisão dele, mesmo não concordando. Tive que me conformar com a situação pela nossa felicidade. A vida é assim mesmo. Um dia nos dá algo de bom, no outro tira. Dizem que há males que vem para o bem. É difícil acreditar que isso sirva pra nós. Quem pode saber, afinal? É necessário esquecer o passado e pensar no futuro.

Curti demais ter você dentro de mim, chutando minha barriga, empurrando minha pele, cansando meu corpo. A sensação de não estar sozinha é maravilhosa. Vamos voltar a ouvir nossas músicas. Eu trouxe meu perfume preferido. Quero estabelecer um laço contigo através desse cheiro. Faz uma semana que arrumei sua caminha. Está linda! Não é só ela que o espera. Há tantas pessoas aguardando sua chegada!

Sonho com os dias que iremos brincar na praça principal da cidade, com os finais de tarde em que lhe darei banho, com as noites que passarei ao seu lado contando histórias do mundo de fantasia, com o período de férias em que iremos viajar para a praia, com os finais de semana em que iremos à igreja pedir as bênçãos de Deus e agradecer pela nossa vida. Agora, não quero pensar nos problemas que irás me trazer. Espero que não sejam muitos. No entanto, saberei o que fazer pelo seu bem! Pode confiar. Aprendi a ser guerreira. Aprenderei como ser uma mãe melhor a cada dia.

Vamos! Está na hora. Acha que não estou ansiosa pra ver seu rostinho, tocar em suas mãos e sentir sua boca em meu seio? Além do mais, essas contrações estão terríveis. Venha, estou lhe esperando de braços aberto, meu filho!

segunda-feira, outubro 09, 2006

163. O significado de ser professor


Professoras Ana Lúcia, Micheline, Bárbara e Adair com seus alunos.
Jornal de Cocal: dia 11 de outubro de 2006

Professor é aquele que professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina. O dicionário tem que ser objetivo. Por isso, o significado encontrado é superficial. Professor é muito mais do que alguém que ensina...

A profissão do professor é árdua como a do pedreiro, difícil como a do mineiro, estressante como a do motorista, complexa como a do psicólogo, burocrática como a do advogado, delicada como a do médico, emocionante como a do bombeiro, esperançosa como a do pescador, tolerante como a do padre, bela como a do músico, agitada como a do ator, etc. A vida do profissional que assumiu a missão de educar excede as palavras que podem ser usadas para descrevê-la.

Preconiza-se que o professor deve estar atento a tudo o que acontece na sua “jurisprudência”. Ele tem que verificar quem está fazendo tarefa e comunicar os pais. Ele precisa observar as crianças que porventura estão sofrendo abusos sexuais ou psicológicos e tomar as devidas providências. Ele precisa inovar as aulas com atividades e materiais didáticos interessantes. Ele deve acompanhar os noticiários porque tem a obrigação de usar essas informações para colaborar com a transformação do mundo. Ele deve corrigir cuidadosamente as provas e os trabalhos dos alunos, analisando o desempenho individual de cada educando e poder assim, interferir positivamente na aprendizagem. Ele tem que ser sensível, aos problemas pessoais de cada aluno, cujo nome esteja em seu diário escolar. Ele precisa conhecer os Parâmetros Curriculares Nacionais, ajudar a construir o Plano Político Pedagógico, informar-se sobre a lei nº 10639, estudar as questões referentes à Educação Especial, ler livros técnicos, visitar sites sobre educação, aprender informática, organizar feiras, trocar experiências com os colegas...

A maioria dos professores tem consciência de que sua missão exige que considere tudo isso. No entanto, não é fácil “abraçar o mundo”! As conseqüências pesam sob a forma de “sentimentos de incompetência e de culpa”. Há quem não resista a tanta pressão e peça socorro através de um atestado médico ou de uma licença. Outros, conseguem driblar as fases difíceis e aproveitam ao máximo os dias bons. Existem também os que fazem da educação uma brincadeira e os que brincam de educar!

Que presente os professores esperam receber no dia 15 de outubro? Pode ser uma flor ou uma maçã. Serve um desenho com uma frase copiada. O reconhecimento dos pais pelo seu esforço constante é bem-vindo. Uma mensagem com um bombom grampeado? É formal demais, mas se faltar, será reclamada. Um abraço carinhoso e verdadeiro seria maravilhoso. Talvez, um jantar pra comemorar o seu dia...

Há professores que jamais pararam para pensar que nesse dia podem estar recebendo um presente que nunca ficarão sabendo. Esse presente está refletido nas atitudes, no caráter e no espírito guerreiro de alunos que um dia o tiveram como exemplo e como um amigo.

Ser trabalhador é motivo de orgulho. Ser um professor que batalha em prol da educação é explodir de orgulho.

sábado, outubro 07, 2006

162. A menina que roubou uma lasca de sabonete

Jornal de Cocal: dia 4 de outubro de 2006

Dona Josefa entrou na sessão eleitoral, retirou o título da carteira surrada, entregou aos mesários, aguardou o encaminhamento do presidente de mesa e dirigiu-se à cabine segurando a “colinha” com o número dos cinco candidatos que escolheu desprovida de expectativas.



Ela pediu uma cadeira e foi prontamente atendida por um “convocado”. Sentou-se devagar. Abriu o papelzinho. Olhou os números. Achou incômoda a luminosidade da urna eletrônica. Suspirou fundo. Observou uma única pessoa na fila. Procurou os óculos na sacola. Secou o suor do rosto com um lenço amarrotado. E, de repente começou a girar a aliança no dedo. O comportamento estranho despertou a atenção dos presentes. Informaram-na de que deveria votar depressa.


Levantando a cabeça e fitando os olhos na parede, ela disse: “Há muitos anos atrás, uma menina de seis anos foi passear na casa da irmã mais velha de seu pai. Ela viu sobre a pia da cozinha uma lasca de sabonete. Sabe, a gente vai usando, vai usando, até que fica uma camada fina de sabonete. Ela sonhava em poder tomar banho com sabonete. Desejava ficar perfumada. Queria, pelo menos um dia, se livrar do sabão fedorento que seus próprios pais faziam com os porcos mortos doados pelo vizinho que era suinocultor. Aquela era uma oportunidade rara. Então, cometeu um grande crime: roubou a lasca de sabonete! Nunca mais esqueceu daquele ato abominável. Seu coração disparou por mais de duas horas. E, quando acalmou-se, a consciência veio lhe perturbar. No caminho de volta pra casa, andando ao lado do irmão, pensou em uma maneira de justificar o “futuro aparecimento de um pedacinho de sabonete”. Ela não teria coragem de contar a verdade à mãe. Sua ingenuidade era tamanha que sequer pensou na possibilidade de esconder o seu “roubo”. Então, o que foi que ela fez? Acredite! Jogou aquela lasca de sabonete na estrada de chão e fingiu que o encontrara naquele mesmo momento. O irmão percebeu que havia algo errado, embora fosse mais novo que ela. Imagine! Ela acabava de se entregar da maneira mais tola possível. A mãe, ao saber do fato, percebeu a mentira. Era impossível que um pedaço de sabonete, estivesse naquela curva da estrada, debaixo daquele pinheiro! Ela lembra que sua mãe não contou nada ao seu pai porque certamente apanharia com uma vara de vime ou com a cinta de couro. Mas, a dor maior estava em sua alma! Por sorte, estava preste a passar a Primeira Comunhão. Esse sacramento era recebido somente depois de confessar seus pecados. Aquela menina sossegou somente depois de ter pedido perdão ao Padre. E, nunca mais, nunca mais na vida, roubou nada de ninguém. Agora, ela está aqui. Não é mais uma garotinha pura. É uma velha mulher que amadureceu seguindo os princípios bons, obedecendo aos mandamentos de Deus e buscando aprender todos os dias. Sempre ensinou seus filhos pelos exemplos. Nunca manchou seu caráter. Sim, errou muito. Porém, sempre soube corrigir seus erros. Agora, ela não quer errar. Mas, está apavorada porque dependendo de suas decisões, ela pode ser cúmplice de ladrões, mentirosos, bandidos e corruptos. Ela pode estar ajudando pessoas que jamais se arrependerão de roubar uma lasca de sabonete. E, infelizmente, são eles que entram na casa dos brasileiros com mais facilidade. Não conseguimos detectá-los facilmente.Não quero ser enganada.


Na fila, mais de dez eleitores aguardavam a sua vez. Todos em silêncio, atônitos diante da inusitada situação, viram Dona Josefa chorando pedir que cancelassem seu voto. Depois, educadamente, desculpou-se e saiu.


Os demais, continuaram ali para exercer seu direito de votar. Direito esse, que muitos fazem valer porque é também, um dever.