Dizem que só é capaz de entender
o amor incondicional de uma mãe quem tem filhos. Falam que a dor da morte só
pode ser compreendida por quem perdeu um ente querido. Pessoas que sofreram
preconceito racial afirmam que o “branco” não tem noção do que isso significa.
Quem sai do hospital após uma crise renal coloca o seu sofrimento com algo
inexplicável. Vítimas de acidentes graves falam que não há palavras para
descrever o horror vivenciado. Alguns idosos dizem que só sabe o que é saudade
quem passou dos cinquenta anos. Diante disso, e depois de ter sido tocada por
uma parte do filme “Amor sem fronteiras”, pergunto-me: Se nunca passei fome,
posso dizer que entendo a dor das pessoas que não têm o que comer ou que
sobrevivem com migalhas?
Lemos reportagens sobre
as misérias da África, assistimos documentários mostrando nordestinos
paupérrimos comendo pedaços de cactus, encontramos pedintes maltrapilhos nas
ruas, conhecemos crianças que frequentam a escola pensando no lanche servido no
recreio e de vez em quando, nos lembramos da fome porque tivemos que atrasar o
horário do nosso almoço.
Tempos atrás, encontrei
alguns alunos rindo da tenebrosa aparência facial de um menino negro, raquítico
e doente. A imagem foi recortada de uma revista e estava jogada sob uma das
carteiras. Aquelas risadas não eram maldosas, eram de uma pureza inigualável.
Por mais estranho que pareça, foi isso que eu senti. Após conversar com aquela
turma, tive a certeza de que não me enganara.
Um deles afirmou que a viu de relance e pensou que era um macaco. E se
fosse um macaco, qual era a graça? Outro quis saber se aquela foto era real. E
se não fosse real, qual era o motivo do riso? Mas, a maioria deles não havia
associado aquele rosto transfigurado com a falta de comida, de água, de
remédio, de cuidados e de amor. E, todos que estavam naquela sala, não sabem o
que é a dor da fome.
Provavelmente nossas
famílias sofrem restrições financeiras, mas, sempre há algo para pôr à mesa.
Acho que eu e meus alunos, hoje, temos mais opções de alimentação do que nossos
pais tiveram. Lembro-me que quando eu era criança nem sempre havia café, então,
fazíamos chá de erva-mate. A gente adorava “pão branco”, aquele feito apenas
com farinha de trigo. No entanto, por questão de economia, minha mãe fazia “pão
misturado”, no qual ela misturava farinha de milho. Mais econômico que isso, só
a polenta. Era “polenta quente” – aquela que comemos assim que é retirada da
panela de ferro - e leite no jantar ou sopa de feijão, que por aqui chamam de minestra.
E, no café de manhã polenta sapecada na chapa do fogão à lenha com leite. Nem
sempre tinha “açúcar branco” para adoçar o leite, então, usávamos o “açúcar
amarelo”, ou seja, o mascavo. No domingo, havia um almoço especial com frango
assado e macarronada. É claro que o preparo era mais demorado porque tudo era
caseiro. De qualquer maneira, os tempos mudaram e os hábitos alimentares
também.
O que importa é que temos
comida na quantidade necessária em nossa casa. Ou o que realmente importa é que
há pessoas passando fome? Pior ainda, há gente morrendo de fome. Mas, tudo isso
nos é tão distante! Distante no sentido de não estarmos vendo a morte acontecer
dessa maneira tão cruel e também porque nos sentimos impotentes para fazer
algo.
Sem conseguir amarrar
direito os pensamentos e sentimentos que envolvem esse texto, concluo
recordando uma pergunta que uma criança desnutrida fez à mãe instante antes de
sua morte: “Mãe, no céu tem pão?” Isso foi mostrado pela televisão de nosso
país há quase trinta anos!