Maria viveu sua
adolescência num meio onde o papel higiênico eram folhas de ervas daninhas,
detergente era luxo da cidade, sabonete era sabão caseiro feito com um dos
porcos que não sobreviveu para o abate, só se ouvia rádios AM e se frequentava
a igreja no final de semana.
Em seu colchão de palhas de milho sonhava em
concluir as séries primárias na escola isolada, recentemente batizada de
multisseriada e poder ser matriculada na Escola Básica. Não deu certo. Teve que
ajudar a mãe a trocar as fraldas e a dar mamadeira para o irmão, estender as
roupas lavadas na cerca de arame farpado, confeccionar a vassoura que o pai
acomodado adiava, degolar a galinha que seria assada no domingo, preparar o pão
de milho, levantar de madrugada para carregar os frangos do aviário do vizinho,
descarregar as espigas de milho e as abóboras ao entardecer.
Trabalhando, percorrendo caminhos, colhendo
frutas na propriedade vizinha, brincando nos cipós, onde quer que estivesse,
estava com seus pensamentos voltados para o futuro.
Queria aprender, almejava ser uma criatura
culta. Por isso sintonizava o antigo rádio à pilha em emissoras de São Paulo,
para ouvir debates sobre economia, política, educação, etc. Lia os jornais que
envolviam as raras compras feitas pelo pai e as revistas que seriam eliminadas
pela professora Tereza, onde descobriu uma foto do desconhecido Mick Jagger, em
1970.
Vivia no telhado da casa ajustando a posição
da antena para assistir aos programas da Globo, único canal acessível. A
televisão a hipnotizava. Não podia assistir aos programas infantis porque havia
sido proibida por deixar de cumprir as precoces obrigações com a casa. Mas não
resistia! O medo de ser flagrada pelo pai que poderia chegar de repente do
trabalho na lavoura a fazia ficar com um olho nos desenhos animados e o outro
na fresta da janela. Mesmo assim era arriscado: se desligasse a velha
Telefunken, poderia ser desmascarada pelo maldito ponto luminoso no centro da
tela que demorava a desaparecer e se usasse sua artimanha - escurecer
totalmente a imagem e diminuir todo o volume – poderia se denunciar na presença
do pai, pois seu coração acelerava e a ansiedade aumentava na medida em que ele
se prolongasse, tomando a água gelada diante da geladeira.
Talvez tenha sido essa curiosidade ilimitada
e a vontade enlouquecedora de saber mais que a fez devorar módulos do
supletivo, passar com segurança pelos bancos que lhe garantiram outros
certificados e diplomas indispensáveis para abrir novas portas para o
conhecimento.
Suas conquistas parecem ter sido oportunizadas
pela providência divina, gratificando-a por ser uma das sonhadoras que provam o
que John Lennon cantava: “... não sou o único”.