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segunda-feira, dezembro 18, 2006

173. Viver é para profissional


Jornal de Cocal: 27 de dezembro de 2006
O título de um livro exposto na vitrine de um sebo mostrava-se interessante: “Viver é para profissional”.
Para compreender a amplitude dessa afirmação faz-se necessário explorar o significado de viver. Apesar dessa palavra ser usual, procuramos ajuda num dicionário para refletir sobre o significado que ela abrange; encontramos quase meia página.
Viver é existir. As plantas e os animais vivem. Mas, nem tudo que existe tem vida. Óbvio? Talvez!
Viver é ter vida. Mais meia página explicando o que é vida: “Vida é a união da alma com o corpo. Vida é o espaço de tempo compreendido entre o nascimento e a morte. Vida é a maneira de viver no tocante à fortuna ou desgraça de uma pessoa ou às comodidades ou incomodidades com que vive. Vida é ocupação, emprego, profissão. Vida é o princípio de existência de força; condições de bem-estar, vigor, energia, progresso.” Viver é muita coisa!
Viver é freqüentar a sociedade. Estar presente em festas é pouco. Precisamos acompanhar as mudanças, saber lidar com os perigos escondidos no meio da multidão, conhecê-la via jornais, manter contatos importantes, buscar meios de colaborar com o mundo!
Há quem prefira viver ao seu modo, de acordo com a sua razão ou gosto, sem se guiar pelo exemplo alheio nem se importar com a opinião dos outros. Pode parecer fácil e autêntico, porém, o bom profissional jamais deixa de ouvir e seguir bons conselhos.
Na era da comunicação há quem deseje viver a sós consigo, não comunicam seus pensamentos. É um provável fracassado? Não parece ser coerente optar pela auto-exclusão.
Uns vivem economizando, enquanto outros vivem como um rei. Ambos tem que ter competência para administrar seus recursos. É claro que há pessoas economizando porque têm uma renda baixa e outras que o fazem por serem sovinas. Também, conhecemos pessoas ricas que usufruem a fortuna herdada ou conquistada com o fruto do seu talento, enquanto alguns “fingem ter e ser” além de seus limites.
Não é fácil viver da graça de Deus, tendo muito pouco para sustentar a si e a própria família. Ninguém deveria viver na desgraça, na miséria. As injustiças sociais exigem profissionais bons que lutem contra sua força porque não é possível viver de ar.
Apesar de existir pessoas querendo viver à sombra de alguém ou sobre um leito de rosas - entre prazeres, feliz, ocioso, na moleza - a maioria deseja viver de suas mãos, sustentando-se com o produto do seu trabalho.
Os seres humanos que vivem debaixo do mesmo teto – que pode ser da casa onde moram, da escola, da fábrica, da igreja, do estádio municipal, do ônibus - precisam viver em harmonia, em paz e amizade. Para viver bem é fundamental levar a vida de acordo com a moral e com profissionalismo!
Desejo profundamente que o ano vindouro nos torne profissionais na arte de viver!

172. Nascendo e renascendo



Jornal de Cocal: dia 20 de novembro de 2006
O Natal ainda representa o nascimento do filho de Deus e o renascimento dos Homens.
A energia do bem existe! Essa força amorosa busca uma fresta em nosso coração nessa época. Sentimos o brilho advindo das luzes coloridas penduradas em janelas, bancos de praça, árvores, postes e vitrines. Pensamos em agradar as pessoas que amamos com um presente. Viajamos porque desejamos abraçar familiares que moram distante. Programamos uma ceia de Natal. Queremos confraternizar com pessoas importantes em nossa vida. Não é só comércio...
De repente, nos encontramos num evento organizado pra fazer a abertura do Natal, onde têm Papai Noel, fogos de artifício, corais e show com artistas famosos. Não importa se foi a prefeitura da cidade ou os lojistas que organizaram esse evento. Importa que estamos lá, emocionados com as recordações que as canções natalinas desencadeiam, mostrando o “bom velhinho” ao nosso filho, deslumbrados com a magia dos fogos de artifício e cercados por uma multidão falante, sorridente e sonhadora. Nesses momentos a tristeza não tem tantos poderes...
Depois de andar por diversas ruas, de mãos dadas, olhando vitrines e tecendo comentários sobre a decoração, tiramos um tempinho pra descansar. Sempre sobra um momento de silêncio pra gente espiar as estrelas visualizando a caminhada feita dentro e fora de casa. Há uma sensação de que a missão não foi plenamente cumprida. Então, lembramos que a ela não chegou ao fim, estamos apenas encerrando mais uma das suas etapas. E o Natal, nos traz a oportunidade de renascer...
Nosso nascimento não dependeu de nossa escolha. Mas, o nosso renascimento depende de nós. Talvez, precisemos contar com a ajuda de amigos, livros, colegas de trabalho, médicos, companheiros de festas e de familiares para executar o parto que originará uma nova vida. No entanto, a fecundação está em nossas mãos!
É provável, que não tenhamos certeza de que vale a pena renascer num mundo cruel, preconceituoso, destruidor, egoísta, corrupto e intolerante. Porém, não podemos esquecer da importância de cada ato nosso na formação desse mundo! Somos nós que tornamos o mundo humano mais medíocre, injusto e estressante? Nossa consciência nos alerta do compromisso que naturalmente recebemos junto com nossa concepção.
É possível que nossa inteligência nos mostre que há compromissos ecológicos, projetos de inclusão social, motoristas responsáveis, pais presentes, profissionais sérios e uma imensidão de pessoas merecedoras “de entrar no reino dos céus”. Então, temos bons exemplos pra seguir...
Renascer é lavar a alma e seguir o coração. Renascer é voltar a ser a criança que nunca abandonamos completamente. Renascer é aceitar a condição humana.
Renasce sempre quem é gente de verdade!

terça-feira, dezembro 12, 2006

171. Cequiço

Jornal de Cocal: 13 de dezembro de 2006

Cequiço? O que é isso? Não me recordo de ter ouvido essa palavra algum dia. Sou devoradora de livros e revistas, e mesmo assim, jamais meus olhos a encontraram em algum lugar. Neologismo? Não, provavelmente não! Acho melhor perguntar a quem a escreveu.

Enquanto você tenta descobrir o significado de cequiço, vou lhe explicar o que aconteceu. Alguns anos atrás, uma professora de Biologia deparou-se com essa palavra enquanto corrigia a prova de um aluno do Ensino Médio. Ela buscou detectar erros ortográficos para compreender o que estava escrito, mas não conseguiu associar com nada coerente. Recordei-me desse fato enquanto eu colaborava com uma colega de trabalho, fiscalizando o teste de Língua Portuguesa, numa turma de oitava série.

Naquela manhã, para agilizar a passagem do tempo, resolvi ler o teste que estava sendo aplicado. Na última página, os alunos deveriam redigir um texto cujo título era: “Político é tudo igual?”. Pauta pra escrever sobre esse assunto, nos dias atuais, não falta. Por isso, fiquei indignada com um dos meninos que entregou a avaliação sem escrever uma única frase. Questionei-o e a resposta foi lamentável: “Não dá nada, professora!” Fique pensando: “Realmente, reclamamos tanto da falta de interesse, estudo e conhecimento por parte dos nossos educandos. No entanto, cedemos demais e tudo acaba em pizza.”

Comecei então, a ler os trabalhos dos alunos à medida que estes concluíam, e anotei algumas colocações interessantes. Destacarei os erros de português juntamente com as idéias que demonstram criticidade ou capacidade de reproduzir o que ouvem:

Político é uma pessoa que está no governo só para roubar. Político bom naum dura muito no cargo dos governados.”

Os corrupitos deixam uma imagem ruim do brasil. Seria bom que apagassem essa manxa que os corrupitos deicharam.

Pode ser que antes de ser políticos eles fossem uma pessoa boa, mas depois que conseguem, eles vêem outros ‘ganhando’ mais dinheiro ou alguém os convida para ‘lucrar’, eles acabam aceitando algum dia, daí ficam viciados. Daí, eles robam, robam, robam.”

Político é tudo igual porque eles prometem emprego, vasequitomia, remédios e inganam o povo. Eles roubam pelos empostos que almentam todos os dias, transferem dinheiro pra suas contas.”

Nestes pequenos retalhos dos textos produzidos, podemos nos questionar enquanto educadores: “Dá pra aprovar um aluno que passa quase dez anos na escola e ainda não escreve o nome do próprio país usando a inicial maiúscula? Não estaríamos manxando nosso diploma? Estamos inganando a quem? Naum somos mais capazes de vencer os recursos tecnológicos que excluem o livro?” Que fazemos, então? Buscamos consolo no que há de positivo. Nos convencemos de que as opiniões foram expressas, e estas, devem ser mais valorizadas que os erros gramaticais e ortográficos. E assim, o barco segue...

Porém, não saber escrever direito pode prejudicar a comunicação. Para saber o que é cequiço, a professora de Biologia teve que perguntar ao seu aluno. A resposta foi surpreendente: “Sexo! Eu escrevi sexo.” E ela, perplexa, não se controlou: “Meu Deus! Se você faz sexo tão mal quanto escreve, seu problema é grave.”

Sem querer pessimista e correndo o risco de ser mal interpretada, quero dizer que nesse momento, concordo com Frei Bruno, conceituado professor dos colégios “La Salle”: “A cada não formamos uma turma mais burra!” Onde vamos parar? Que soluções encontraremos para a Educação? Que 2007 nos ajude a encontrar um caminho melhor!

terça-feira, dezembro 05, 2006

170. Dá pra acreditar mais no potencial humano


Jornal de Cocal: 6 de dezembro de 2006

Um dia, inesperadamente, uma lembrança vem à tona. Ficamos surpresos com os fatos guardados no fundo do baú da nossa memória. Muitas vezes, nos perguntamos: “Por que estou lembrando daqueles vizinhos encrenqueiros? Daquela noite que um homem perdeu a dentadura e a procurava no escuro? Daquele fim de semana que nos perdemos no meio do mato procurando amora? Do pavor que eu sentia quando encontrava uma patrola na estrada? Do sapato vermelho que ganhei de minha madrinha? Do gatinho que matei com uma paulada no nariz? Como posso, depois de tantos anos, reviver esses acontecimentos com tanta nitidez?” As associações geradas em nosso cérebro parecem inexplicáveis. O poder dos seres racionais é fantástico.

Em outros momentos admiramos os recursos materiais, medicamentos, meios de transporte e de comunicação que nos cercam. Ficamos perplexos diante da qualidade das obras de arte, das músicas, dos filmes e da arquitetura. Sentimos um mistério nos envolvendo nas linhas da natureza reorganizadas por pessoas comuns. Então, não podemos negar que há muito conhecimento intensificando nossa existência terrena e mostrando a força contida na mente dos homens e das mulheres.

Acompanhar a evolução de um bebê nos faz refletir ainda mais sobre o potencial humano. A maioria dos familiares afirma que “aquela pequena criança” é extremamente inteligente, ou seja, assimila rapidamente as novidades que lhe são apresentadas. Eles ficam orgulhosos com o progresso visualizado diariamente e prevêem um futuro brilhante, principalmente na escola. Infelizmente, as expectativas não correspondem com a realidade. Por que será?

Em geral as crianças pequenas são consideradas espertas, instigantes, criativas, críticas e têm a credibilidade dos adultos em relação às suas capacidades. Mas, quando iniciam a “vida acadêmica”, os conceitos mudam, os rótulos surgem e os problemas de aprendizagem são diversificados.

O sucesso escolar, apesar de existir, é esquecido. Em compensação, o fracasso dos educandos domina os assuntos, os espaços dedicados às reflexões e inferniza os educadores, pais e alunos. Inferniza é um termo forte para explicar a situação vivenciada pela comunidade escolar diante dos objetivos não atingidos, porém, representa o conjunto dos sentimentos de cada segmento. Poucos, dos envolvidos nesse processo, são completamente indiferentes às avaliações negativas. Eles sabem que as conquistas e derrotas oriundas dos bancos escolares refletem na vida.

É complicado entender por que há tanto fracasso no meio de tanto poder intelectual. Não dá pra conceber que as crianças “emburreceram” enquanto aproximavam-se da adolescência e que os adultos perderam o prazer de aprender. Temos que acreditar no potencial humano. Somos capazes de ir além desse limite que, nós próprios, nos impomos.

Seria maravilhoso ver esse mundo como uma grande escola que nos convida a crescer integralmente. A felicidade que tanto almejamos pode ser encontrada na leitura, na resolução de um problema de matemática, na localização de um país, nas discussões sobre os fenômenos climáticos, nas conversas sobre os preconceitos sociais, nas pesquisas, etc. Podemos ser um aluno exemplar e feliz com os resultados que obtém!

segunda-feira, novembro 27, 2006

169. Uma exposição de Física

Alunos da turma 801 visitando o projeto do SESC - Criciúma -"Ciência do Cotidiano".
Jadna, Suelen, Cintia, Andieli, Taise B. e Luiz Gustavo observam o sistema de roldanas.
Jornal de Cocal: dia 29 de novembro de 2006

Há uma exposição com experimentos de Física acontecendo no SESC de Criciúma. É uma visitação aberta com monitoria e oficinas temáticas. Vamos aprender mais sobre as Ciências do nosso cotidiano? Você está indo para o Ensino Médio e os conceitos que lá estão sendo apresentados lhe ajudarão a entender esse assunto. Sei que esse ano está acabando, mas os tempos de aprender são eternos. Eu te levo, se quiser. Terei prazer em relembrar os conteúdos que estudei quando tinha a sua idade. Fui ontem e desejei tê-lo ao meu lado para que despertasse em você a curiosidade científica. Não pense que quero transformá-lo em um cientista. Almejo apenas que não sejas tão ignorante diante das descobertas e redescobertas divulgadas freqüentemente.
Quero que entendas melhor do que eu, as respostas dadas às perguntas sobre os fenômenos que percebemos diariamente. Por que o céu é azul? Por que o pássaro não leva choque quando pousa no fio de luz? Por que o spray é gelado? Por que os alimentos cozinham mais depressa na panela de pressão? Como podemos calcular a altura de um prédio através das sombras projetadas? Por que o navio não afunda? Sinto saudade da sua divertida fase do “por quê”.
Sairás de lá com mais dúvidas do que tens agora. Pode parecer estranho, mas é assim que aprendemos. Alguns experimentos chamam a atenção pelos movimentos exercidos, outros nos causam estranheza e há até aqueles que nos fazem rir.
Há uma ilusão de ótica interessante. Tentamos pegar um porquinho e descobrimos que a imagem visualizada não corresponde a real. Rimos da incapacidade de nosso cérebro de diferenciar imagens refletidas e reais.
A máquina a vapor encantou gerações. Um modelo do seu funcionamento nos instiga. É fantástico pensar que aquelas engrenagens produzem um movimento capaz de gerar energia elétrica, que por sua vez, pode ser transformada em energia luminosa, sonora ou térmica.
Você poderá sentar numa cadeira giratória, segurar uns pesos – esses usados em academia de ginástica – e enquanto estiver girando, abrir e fechar os braços pra sentir o que acontece. Além, é claro da tontura e da vontade de vomitar.
A famosa Torre de Pisa, da Itália, está representada numa montagem que objetiva demonstrar o que ainda a mantém em pé: o Centro de Gravidade. Só vendo pra entender!
Toda vez que subimos a Serra do Doze, vemos os geradores de energia eólica. Lembra daqueles cata-ventos gigantes da região de Lages? Nós assistimos um biólogo manifestando-se contra o uso dos ventos na produção de energia elétrica por causa dos pássaros que morrem naquelas pás, apesar desse método ser considerado um dos mais limpos. Fizeram um experimento mostrando isso!
Podemos conhecer melhor o sistema de roldanas que visa diminuir o peso levantado. Você poderá puxar as cordas, levantar pesos e analisar na prática, o que calcularás usando fórmulas.
Há uma representação que prova o quanto economizamos usando lâmpadas fluorescentes ao invés de incandescentes.
Colocaram uns espelhos do nosso tamanho que deformam nossa imagem na horizontal, na vertical e em ambas. Fizeram também uma representação das doenças de visão e de como as lentes fazem as correções.
Sobre o pêndulo de Newton e a transmissão de som por fibra óptica, eu não estudei nada nos bancos escolares. Em compensação, já fiz muitas experiências com imãs, bexigas, velas e bússolas. No entanto, sempre há algo mais a acrescentar ou um questionamento que surge de repente.
Vamos, pegue a lista telefônica e ligue pra confirmar os horários de visitação. Tenho certeza de que vais gostar e talvez, um dia até me agradeça.

sábado, novembro 25, 2006

168. Quem fez a escola acontecer?

Jornal de Cocal: dia 22 de novembro de 2006

Já estamos na reta final de mais um ano letivo. Iniciamos a contagem regressiva!


Como se sentem os professores em relação a sua prática pedagógica? Que análises a Equipe Diretiva faz do seu próprio trabalho? Há mais pais tranqüilos ou temerosos em relação à aprovação dos seus filhos? Quantos alunos estão ansiosos com as notas que refletem parcialmente sua caminhada pelos conteúdos oferecidos para que cresçam integralmente? De todos os membros da comunidade escolar, quantos serão humildes, justos e verdadeiros ao fazerem uma auto-avaliação do papel que desempenharam no decorrer do ano?


Erros e acertos acompanharam professores, diretores, orientadores, pais e alunos. Que atire a primeira pedra quem nunca falhou! Que colha flores quem já acertou! Não há dúvidas de quem ninguém poderá arremessar uma pedra e de que todos estarão segurando um buquê. A diferença estará na quantidade de flores e nas cores do buquê que cada um poderá fazer no momento da colheita. Haverá flores murchas no meio das vigorosas e vice-versa. Alguns formarão um buquê com margaridas, azaléias, copos-de-leite, estrelinhas, lírios, e galhos de samambaias. Outros, sabem que em seu buquê haverá apenas rosas e um galhinho de avenca!
A escola é um jardim que floresce todo ano durante todas as estações. A terra boa que ela precisa para apresentar bons resultados é cultivada por diversas mãos. Há mãos que preparam, espalham e regam as sementes. Há mãos que retiram a erva daninha que irá sufocar algumas plantinhas. Há mãos que fazem o buraco do transplante da muda. Há mãos que arrancam a planta da terra e a esquecem num canto. Há mãos calejadas que não desistem do trabalho. Há mãos que apontam culpados. Há mãos que seguram com força. Há mãos sujas de terra e que por isso, estão limpas. Há mãos limpas que desconhecem a textura da vida. Há mãos que se escondem depois de dar o tapa. Há mãos que tocam pedindo desculpas. Há mãos que cruzam os dedos pedindo a interferência divina. Há mãos que fazem a escola acontecer.


A escola sofre porque é formada por seres humanos que desejam, amam, batalham, cansam, traem, adoecem, decepcionam-se, tem expectativas e sonhos. Nem todo sofrimento é ruim!


A escola vibra porque é formada por pessoas que fantasiam, pensam, descobrem, concretizam idéias, colaboram e buscam caminhos. Nem todas as vibrações são positivas!


A escola não pára porque o mundo precisa de um lugar onde as diferenças se encontrem, os calor humano se apresente, o conhecimento seja explorado, as dores tragam aprendizagem e as perguntam busquem respostas.


Certamente, as mãos mais bonitas estarão colhendo as flores mais belas dentro das melhores escolas. Precisamos acreditar ainda mais no potencial educador das instituições de ensino e portanto, na força transformadora existente em cada um dos seus membros.


Mais mãos, mais flores! Mais flores, mais qualidade! Mais qualidade, mais escolas melhores!

167. Estarei comigo por algumas horas


Jornal de Cocal: dia 15 de novembro de 2006

Hoje quero brincar de viver. Tentarei sentir que existo. Não deixarei a cidade atropelar minhas emoções. Estarei comigo por algumas horas.


Vou buscar um copo de água gelada e saboreá-la como se fosse um dos poucos refrigerantes que tomei na minha infância.


Subirei na ameixeira que vi crescer, dar frutos inúmeras vezes e que ameacei cortar ao ver meus sobrinhos escalarem seus galhos desrespeitando as proibições anteriores.


Encostarei minha cabeça no encosto do sofá, olharei pela janela e buscarei o azul do céu que me adormecerá.
Assistirei um filme que mostre as belezas da natureza e as forças positivas encontradas no interior humano, que toque em meu coração e me faça acreditar em dias melhores.


Lembrarei das pessoas que passaram pela minha vida deixando saudades, ensinamentos, dores, exemplos de determinação e amor.


Entrarei na igreja, de joelhos diante de Deus agradecerei e farei pedidos porque quero revigorar os sonhos que plantei.
Telefonarei para algum parente que não vejo há mais de dez anos e que mesmo assim, perguntam aos meus familiares sobre mim.


Comprarei dois pães d’água e jogarei aos peixes que vivem no chafariz da praça que fica a poucos metros de minha casa.


Ouvirei novamente a Oração de São Francisco repleta de sabedoria e que sempre tive como guia nos momentos mais difíceis de minha vida: “onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver ofensa que eu leve o perdão, onde houver discórdia que eu leve a união.”


Revirarei os álbuns de fotografia para selecionar as mais importantes e montar um painel que representa os momentos mais felizes da minha vida.


Chamarei o catador de lixo para que recolha e aproveite as revistas velhas que ocupam espaço em minha garagem.
Eliminarei as roupas velhas dos armários de meus filhos, oferecendo a outras crianças.


Olharei nos olhos dos meus vizinhos quando passar por eles, cumprimentado-os verdadeiramente, perguntado se tudo está bem querendo realmente saber.


Tomarei banho com um sabonete de camomila sem preocupar-me com a conta de luz, com a racionalização da água e com o tempo.


Prepararei um chimarrão bem quente, com a erva-mate da minha terra e cuia feita com porongo colhido nos chão onde pisei.


Dormirei com a televisão desligada, sem programar o despertador, ignorando o barulho dos motores de carro e com um incenso aceso.


Com licença, hoje, tenho muitas coisas pra fazer. Mas, desta vez, estarei somente comigo por algumas horas. Já aceitei o diagnóstico do meu médico e tenho que fazer as coisas que desejo.

domingo, novembro 05, 2006

166. Nós estávamos estudando?

Jornal de Cocal: dia 8 de novembro de 2006

Vamos organizar uma viagem de estudos? Temos ônibus de graça, pago pela prefeitura. Só não podemos ultrapassar quinhentos quilômetros. Precisamos apenas fazer um roteiro interessante e encaminhar um projeto à Secretaria de Educação. Para onde? Subiremos a serra e iremos até o Morro da Igreja? Alguns pais vão achar arriscado demais, apesar de ser menos perigoso que andar pela BR 101. Tem o Parque Escola, em Balneário Camboriú. Não dá porque ultrapassa a quilometragem permitida. O Museu da PUC em Porto Alegre seria ideal, pois os alunos da oitava série estudam Química e Física? Não pode porque fica fora de Santa Catarina. Então, vamos visitar Florianópolis. Certo, vamos escolher os pontos turísticos! Que turmas levaremos? A sétima e a oitava série que juntas tem quarenta e quatro alunos. É importante convidar alguns pais. Todos vão? Acho que sim, afinal os adolescentes curtem sair e os gastos serão mínimos.” Depois disso tudo...


Organizamos um roteiro que consideramos interessante para um grupo de alunos que mora no Bairro São Simão de Criciúma. Pensamos em explorar pontos históricos, estimular a consciência ecológica e oportunizar o deslumbramento de praias famosas da capital.


Finalmente chegou o dia da viagem! Por incrível que pareça não conseguimos lotar o ônibus. Vários alunos não quiseram participar do passeio, outros, não foram autorizados pelos pais que tinham seus motivos. Quem gosta de conhecer o mundo, não entende os que preferem ficar em casa quando surge uma oportunidade dessas! Pensando bem, temos a tendência em acreditar que o que é bom pra nós, deve ser bom para o outro. Acho melhor voltar ao assunto...


Tivemos um dia maravilhoso e proveitoso com a ajuda do tempo e do guia turístico que ao sinal de “Muita calma nessa hora. Muita hora nessa calma” e “Alô, neném!”, atraia nossa atenção.


A euforia foi grande quando passamos em frente a casa do tenista Guga. E ele, sequer estava lá!


Depois de percorrer ruas tortuosas, nossa primeira parada foi na praia da Joaquina, freqüentada por surfistas. Fomos cercados por vendedores ambulantes de óculos de sol. Respeitamos o tempo de quinze minutos e retornamos ao ônibus.


Logo depois, estávamos pisando sobre o Museu Arqueológico ao Ar Livre na Barra da Lagoa. O que havia lá? Marcas nas pedras, que segundo os pesquisadores, são indícios de que há mais de quatrocentos anos, os índios estiverem lá amolando suas facas. Penso que os alunos não tinham noção do significado histórico daquele lugar, mas certamente não esquecerão do que viram. Atravessamos uma ponte pênsil e percorremos a trilha do Farol da Barra curtindo uma bela paisagem panorâmica da Lagoa da Conceição, da Praia da Barra da Lagoa e da Praia do Moçambique.


Visitamos uma das bases do Projeto Tamar (ta de tartaruga e mar de marinha). Na sala de vídeo vimos pendurados esqueletos de golfinho e tartaruga. Conhecemos tartarugas que vivem em tanques. A monitora explicou: “As tartarugas respiram via pulmões e logo que nascem entram no mar. As fêmeas retornam para as areias somente no período da desova; os machos nunca voltam. Os ovos são chocados pelo calor da areia e o sexo é determinado pela temperatura.” Não compramos lembrancinhas por causa dos preços altos.


Paramos o ônibus em frente ao Museu de Armas Major Lara Ribas que guarda peças bélicas interessantíssimas. Descemos rapidamente até o Forte Sant´Anna, mas não conseguimos observar cuidadosamente os canhões porque caia muita areia do alto da Ponte Hercílio Luz que está sendo restaurada. Os trabalhadores estavam usando o jato de areia para desenferrujar as estruturas metálicas.


Antes de chegarmos a Praca XV, o guia provocou: “Prestem atenção. Vamos encontrar uma figueira centenária que tem o poder de atender alguns pedidos, para isso é preciso dar voltas ao redor dela, conforme o que desejam.: uma volta, pra achar namorado; duas, pra casar, três pra divorciar-se; quatro, pra nunca casar; e cinco, pra viuvar-se. Mas, atenção, pra dar certo tem que dar a volta da esquerda pra direita.” Várias alunas sossegaram somente depois de dar as voltas. Foi em frente a essa famosa árvore que tiramos a foto clássica e que nos trará muitas recordações. Enquanto nos organizávamos, um senhor idoso, fez questão de repetir que aquela árvore tinha cento e trinta e cinco anos!


Passamos pelo Mercado Público, ficamos chocados com as crianças que dormiam em frente a Igreja de São Francisco e conhecemos peças artesanais e alguns monumentos que mostram parte da história da nossa capital. Enfim, estudamos muito nesse dia.

quinta-feira, novembro 02, 2006

165. Preciso! Preciso! Preciso!

Jornal de Cocal: dia 25 de outubro de 2006

Preciso! Preciso! Preciso!
Preciso entender porque é necessário saber ler, escrever, desenhar, interpretar mapas, resolver equações matemáticas, relacionar fatos históricos e ...


Preciso compreender porque devo escolher os governantes do meu país, respeitar as normas de trânsito, participar das atividades da escola onde meu filho estuda, fazer documentos diversos, acompanhar as reuniões da empresa onde trabalho e ...


Preciso entender porque tenho que ser alguma coisa na vida, trabalhar com amor, adquirir bens, comunicar-me com eficiência e ...


Preciso ser convencido de que é importante telefonar para parentes, assistir os filmes lançados no cinema, freqüentar a academia de ginástica, visitar o médico periodicamente, comer frutas e ...


Preciso que me mostrem o valor dos discursos políticos, dos sermões dos padres, dos conselhos dos mais velhos, dos ditados populares, das palavras da Bíblia Sagrada e ...


Preciso ver onde está a graça do sorriso de uma criança, a força das ondas do mar, o encantamento das estrelas do firmamento, a energia da terra molhada, o calor dos raios solares, o poder dos ventos e ...


Preciso ouvir os sons das músicas produzidas pelos Homens, o barulho das águas correndo entre as pedras do meu passado, o galo caipira avisando que amanhece, os gritos excitantes perdidos na mata da infância que um dia me pertenceu e ...


Preciso acender uma vela no cemitério, fazer uma oração pela alma de meu tio, jogar fora os diários que escrevi, queimar o lixo acumulado no quintal e ...


Preciso esquecer do mundo brigando por causa do petróleo, das bactérias perigosas escondidas em todos os lugares, das pessoas mortas de fome, das guerras entre povos insensatos, dos traficantes que me perseguem e ...


Preciso ignorar o sangue escorrendo na tela da televisão, o ladrão que não bate à porta, as contas penduradas na geladeira, as buzinas irritantes, o programa eleitoral gratuito e ...


Preciso pescar um lambari, encontrar uma flor amarela, levar meu sapato pra engraxar, lavar o cobertor de lã, marcar uma consulta com um dentista qualquer e ...


Preciso descobrir um meio de não sentir dor no peito, de acabar com as cólicas menstruais, de evitar as gripes, de não sentir cansaço nas pernas e ...


Preciso ser indiferente aos ponteiros do relógio que não param um segundo, às saudades dos bons tempos, aos cachorros sarnentos da praça, aos medos produzidos diariamente para assustar meus antigos sonhos e ...


Preciso descobrir o que fazer para não ser internado no “Rio Maina” antes de completar meus sessenta anos. Talvez ainda dê tempo.


Preciso! Preciso! Preciso!

segunda-feira, outubro 16, 2006

164. Homens da minha vida


Jornal de Cocal: dia 18 de outubro de 2006

Acho você pequeno demais para conversarmos sobre esse assunto. Sinto que devemos esperar por um momento mais adequado. Na verdade eu não sei direito porque seu pai não está conosco nessa hora tão especial pra nós dois. Desculpe, mas sequer tenho respostas para os meus questionamentos! Já passei noites em claro tentando compreender o que nos aconteceu. Juro que tentei manter nossa família unida.

Sempre serei sincera contigo. Jamais esconderei de ti a realidade. Admito que quando o exame de ultra-sonografia descobriu a sua existência em meu útero, fiquei abalada. Chorei porque meu coração já pressentia dias tristes. Eu não havia programado você! Confesso que fiquei com raiva do médico por não me informar que o antibiótico receitado cortava o efeito do anticoncepcional.

Mas, também não és fruto de um ato inconseqüente, de uma aventura amorosa. Eu e seu pai estivemos juntos por dez anos. Já tens um irmão que apesar da pouca idade, nos dá atenção, carinho e faz coisas de adultos pra nos proteger. Espero que ele seja seu espelho. Ficarei feliz se o tiver como exemplo. Ele tem me dado alegria e orgulho. É claro que, às vezes, ele me deixa maluca, estressada, preocupada. Prometo, prometo evitar compará-los quando crescerem. Vou amá-los da maneira que são. Vocês são os homens da minha vida.

Vou lhe contar mais uma coisa: eu queria uma menina. Já tinha pensado em chamá-la de Ana Claudia. No entanto, algo dizia-me fortemente, que serias um menino. Seu irmão foi comigo no dia que fizemos o exame morfológico. É, eu sei que querias que seu pai estivesse lá pra ver você. Dói, eu sei! Temos que aceitar a decisão dele, mesmo não concordando. Tive que me conformar com a situação pela nossa felicidade. A vida é assim mesmo. Um dia nos dá algo de bom, no outro tira. Dizem que há males que vem para o bem. É difícil acreditar que isso sirva pra nós. Quem pode saber, afinal? É necessário esquecer o passado e pensar no futuro.

Curti demais ter você dentro de mim, chutando minha barriga, empurrando minha pele, cansando meu corpo. A sensação de não estar sozinha é maravilhosa. Vamos voltar a ouvir nossas músicas. Eu trouxe meu perfume preferido. Quero estabelecer um laço contigo através desse cheiro. Faz uma semana que arrumei sua caminha. Está linda! Não é só ela que o espera. Há tantas pessoas aguardando sua chegada!

Sonho com os dias que iremos brincar na praça principal da cidade, com os finais de tarde em que lhe darei banho, com as noites que passarei ao seu lado contando histórias do mundo de fantasia, com o período de férias em que iremos viajar para a praia, com os finais de semana em que iremos à igreja pedir as bênçãos de Deus e agradecer pela nossa vida. Agora, não quero pensar nos problemas que irás me trazer. Espero que não sejam muitos. No entanto, saberei o que fazer pelo seu bem! Pode confiar. Aprendi a ser guerreira. Aprenderei como ser uma mãe melhor a cada dia.

Vamos! Está na hora. Acha que não estou ansiosa pra ver seu rostinho, tocar em suas mãos e sentir sua boca em meu seio? Além do mais, essas contrações estão terríveis. Venha, estou lhe esperando de braços aberto, meu filho!

segunda-feira, outubro 09, 2006

163. O significado de ser professor


Professoras Ana Lúcia, Micheline, Bárbara e Adair com seus alunos.
Jornal de Cocal: dia 11 de outubro de 2006

Professor é aquele que professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina. O dicionário tem que ser objetivo. Por isso, o significado encontrado é superficial. Professor é muito mais do que alguém que ensina...

A profissão do professor é árdua como a do pedreiro, difícil como a do mineiro, estressante como a do motorista, complexa como a do psicólogo, burocrática como a do advogado, delicada como a do médico, emocionante como a do bombeiro, esperançosa como a do pescador, tolerante como a do padre, bela como a do músico, agitada como a do ator, etc. A vida do profissional que assumiu a missão de educar excede as palavras que podem ser usadas para descrevê-la.

Preconiza-se que o professor deve estar atento a tudo o que acontece na sua “jurisprudência”. Ele tem que verificar quem está fazendo tarefa e comunicar os pais. Ele precisa observar as crianças que porventura estão sofrendo abusos sexuais ou psicológicos e tomar as devidas providências. Ele precisa inovar as aulas com atividades e materiais didáticos interessantes. Ele deve acompanhar os noticiários porque tem a obrigação de usar essas informações para colaborar com a transformação do mundo. Ele deve corrigir cuidadosamente as provas e os trabalhos dos alunos, analisando o desempenho individual de cada educando e poder assim, interferir positivamente na aprendizagem. Ele tem que ser sensível, aos problemas pessoais de cada aluno, cujo nome esteja em seu diário escolar. Ele precisa conhecer os Parâmetros Curriculares Nacionais, ajudar a construir o Plano Político Pedagógico, informar-se sobre a lei nº 10639, estudar as questões referentes à Educação Especial, ler livros técnicos, visitar sites sobre educação, aprender informática, organizar feiras, trocar experiências com os colegas...

A maioria dos professores tem consciência de que sua missão exige que considere tudo isso. No entanto, não é fácil “abraçar o mundo”! As conseqüências pesam sob a forma de “sentimentos de incompetência e de culpa”. Há quem não resista a tanta pressão e peça socorro através de um atestado médico ou de uma licença. Outros, conseguem driblar as fases difíceis e aproveitam ao máximo os dias bons. Existem também os que fazem da educação uma brincadeira e os que brincam de educar!

Que presente os professores esperam receber no dia 15 de outubro? Pode ser uma flor ou uma maçã. Serve um desenho com uma frase copiada. O reconhecimento dos pais pelo seu esforço constante é bem-vindo. Uma mensagem com um bombom grampeado? É formal demais, mas se faltar, será reclamada. Um abraço carinhoso e verdadeiro seria maravilhoso. Talvez, um jantar pra comemorar o seu dia...

Há professores que jamais pararam para pensar que nesse dia podem estar recebendo um presente que nunca ficarão sabendo. Esse presente está refletido nas atitudes, no caráter e no espírito guerreiro de alunos que um dia o tiveram como exemplo e como um amigo.

Ser trabalhador é motivo de orgulho. Ser um professor que batalha em prol da educação é explodir de orgulho.

sábado, outubro 07, 2006

162. A menina que roubou uma lasca de sabonete

Jornal de Cocal: dia 4 de outubro de 2006

Dona Josefa entrou na sessão eleitoral, retirou o título da carteira surrada, entregou aos mesários, aguardou o encaminhamento do presidente de mesa e dirigiu-se à cabine segurando a “colinha” com o número dos cinco candidatos que escolheu desprovida de expectativas.



Ela pediu uma cadeira e foi prontamente atendida por um “convocado”. Sentou-se devagar. Abriu o papelzinho. Olhou os números. Achou incômoda a luminosidade da urna eletrônica. Suspirou fundo. Observou uma única pessoa na fila. Procurou os óculos na sacola. Secou o suor do rosto com um lenço amarrotado. E, de repente começou a girar a aliança no dedo. O comportamento estranho despertou a atenção dos presentes. Informaram-na de que deveria votar depressa.


Levantando a cabeça e fitando os olhos na parede, ela disse: “Há muitos anos atrás, uma menina de seis anos foi passear na casa da irmã mais velha de seu pai. Ela viu sobre a pia da cozinha uma lasca de sabonete. Sabe, a gente vai usando, vai usando, até que fica uma camada fina de sabonete. Ela sonhava em poder tomar banho com sabonete. Desejava ficar perfumada. Queria, pelo menos um dia, se livrar do sabão fedorento que seus próprios pais faziam com os porcos mortos doados pelo vizinho que era suinocultor. Aquela era uma oportunidade rara. Então, cometeu um grande crime: roubou a lasca de sabonete! Nunca mais esqueceu daquele ato abominável. Seu coração disparou por mais de duas horas. E, quando acalmou-se, a consciência veio lhe perturbar. No caminho de volta pra casa, andando ao lado do irmão, pensou em uma maneira de justificar o “futuro aparecimento de um pedacinho de sabonete”. Ela não teria coragem de contar a verdade à mãe. Sua ingenuidade era tamanha que sequer pensou na possibilidade de esconder o seu “roubo”. Então, o que foi que ela fez? Acredite! Jogou aquela lasca de sabonete na estrada de chão e fingiu que o encontrara naquele mesmo momento. O irmão percebeu que havia algo errado, embora fosse mais novo que ela. Imagine! Ela acabava de se entregar da maneira mais tola possível. A mãe, ao saber do fato, percebeu a mentira. Era impossível que um pedaço de sabonete, estivesse naquela curva da estrada, debaixo daquele pinheiro! Ela lembra que sua mãe não contou nada ao seu pai porque certamente apanharia com uma vara de vime ou com a cinta de couro. Mas, a dor maior estava em sua alma! Por sorte, estava preste a passar a Primeira Comunhão. Esse sacramento era recebido somente depois de confessar seus pecados. Aquela menina sossegou somente depois de ter pedido perdão ao Padre. E, nunca mais, nunca mais na vida, roubou nada de ninguém. Agora, ela está aqui. Não é mais uma garotinha pura. É uma velha mulher que amadureceu seguindo os princípios bons, obedecendo aos mandamentos de Deus e buscando aprender todos os dias. Sempre ensinou seus filhos pelos exemplos. Nunca manchou seu caráter. Sim, errou muito. Porém, sempre soube corrigir seus erros. Agora, ela não quer errar. Mas, está apavorada porque dependendo de suas decisões, ela pode ser cúmplice de ladrões, mentirosos, bandidos e corruptos. Ela pode estar ajudando pessoas que jamais se arrependerão de roubar uma lasca de sabonete. E, infelizmente, são eles que entram na casa dos brasileiros com mais facilidade. Não conseguimos detectá-los facilmente.Não quero ser enganada.


Na fila, mais de dez eleitores aguardavam a sua vez. Todos em silêncio, atônitos diante da inusitada situação, viram Dona Josefa chorando pedir que cancelassem seu voto. Depois, educadamente, desculpou-se e saiu.


Os demais, continuaram ali para exercer seu direito de votar. Direito esse, que muitos fazem valer porque é também, um dever.

segunda-feira, setembro 25, 2006

161. A criação


Jornal de Cocal: dia 27 de setembro de 2006

No início, a escola, com todas as maravilhas nela contida, existia apenas na mente de um sábio. No princípio o Mestre criou os desejos e os sonhos, que na sua infinita bondade quis concretizar para que os seus discípulos encontrassem o caminho da felicidade, principal objetivo da Educação. Os discípulos viviam submersos nas trevas da ignorância, desconstituídos de saberes e incapacitados para evoluir sozinho.

No primeiro mês, disse o Mestre: “Faça-se a luz da sabedoria!” Surgiram dentre tantas áreas de conhecimento, a Matemática, a Geografia, a História, a Filosofia, as Línguas, as Artes, a Biologia e a Educação Física. Então, as trevas da ignorância foram parcialmente banidas. Passou-se a utilizar o pensamento lógico, a criatividade, a intuição e a capacidade crítica.

No segundo mês, o Mestre criou a curiosidade. Ouvia-se em todos os cantos do Universo: “Por quê? Por quê? Por quê?” Graças à curiosidade muitas dúvidas extinguiram-se da face da Terra.

No terceiro mês, o Mestre percebeu a necessidade de criar a motivação. E assim, ela trouxe o prazer em compreender o significado de uma nova palavra, a alegria de sentir a mensagem exalada nas obras artísticas, o êxtase contido nos sons provocados pela natureza ou pelas mãos humanas e a satisfação em salvar vidas através de estudos profundos.

No quarto mês, o Mestre reuniu seus discípulos e disse: “Faça-se o diálogo!”. A partir desse momento, os discípulos sentiram a importância de compartilhar idéias, conversar sobre a vida, relatar os acontecimentos sociais, trocar experiências, refletir sobre as ações humanas e de valorizar as infinitas personalidades.

No quinto mês, viu o Mestre que a complexidade das relações exigia mudanças de atitude e disse: “Que a cidadania se faça presente entre os discípulos.” Os discípulos começaram a participar da vida social e política adotando atitudes de solidariedade, cooperação, repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito. Cresceu a noção de direitos e deveres entre os cidadãos de todas as partes do planeta.

No sexto mês, o Mestre resolveu que tudo deveria ser registrado e disse: “Faça-se a escrita!”. O mundo encheu-se de livros, fotografias, quadros, esculturas, computados, gravadores e filmadoras. Esses recursos possibilitaram que as gerações fossem repassando seus conhecimentos continuamente.

A velocidade do progresso tirou o Mestre do controle da Educação e o seu planejamento não serviu mais. O mundo estava muito diferente!

No sétimo mês, o Mestre cansado do seu trabalho e decepcionado com os resultados obtidos, reconheceu que não colocou o essencial no início de sua criação. Olhando ao seu redor, viu violência, destruição, preconceito, tristeza, acomodação, ganância e falta de amor ao próximo. Mesmo, achando um pouco tarde, bradou: “Faça-se o caráter do bem.” Brotou assim, a esperança de dias melhores. Desde, então mestre e discípulos bons e ruins difundem-se em todos os lugares.
Infelizmente, o Mestre esqueceu que precisava do descanso e isso o tem torturado. Os discípulos são prova dessa verdade!
ESTOU QUERENDO RECOMEÇAR JUNTO COM A PRIMAVERA.

domingo, setembro 24, 2006




"Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode dizer-te.
A resposta está além dos deuses."
"Os deuses são deuses porque não se pensam."

Ricardo Reis

sábado, setembro 23, 2006

160. Eu, tu, ele, nós, vós e eles sonhamos

Jornal de Cocal: dia 20 de setembro de 2006

Eu sonhei em morar numa casa no alto de uma colina cercada de árvores e flores. Moro num apartamento alugado, simples, pequeno e que requer uma pintura nova.

Tu sonhastes em cursar Direito, defender seus clientes sabiamente, ter o melhor escritório da cidade e enriquecer às custas de seu próprio trabalho. Hoje, trabalhas numa fábrica de ração, prestes a falir, ganhas o suficiente para sobreviver, precisas economizar porque deves ao banco e não pensas em retornar aos estudos.

Ele queria conhecer Brasília, andar pela capital do seu país, encontrar os políticos que ajudou a eleger e dizer que ainda acreditava que na existência de homens honestos representando o povo. Infelizmente, um câncer na garganta foi mais forte que as radioterapias, as quimioterapias e rezas dos parentes e amigos. Ele morreu sem realizar seu sonho e descrente em relação à consciência humana.

Ela sonhava em ser mãe, carregar uma criança em seu ventre, ensinar ao fruto do seu amor, as primeiras palavras e letras e também em educá-lo, segundo os princípios bíblicos e morais. De repente, uma doença a deixou sem útero. Hoje, o nome dela está entre os primeiros na lista de adoção e o tempo tratou de apaziguar suas dores.

Nós sonhamos com o amor transformando o mundo, com a queda dos números que refletem a violência e desejamos ética na administração pública. Quando abrimos os jornais somos informados que mais pessoas morreram no Líbano, que crianças foram seqüestradas, que os bandidos estão dando as ordens enquanto os políticos desviam dinheiro do povo.

Vós buscais a paz interior, o crescimento pessoal e o reencontro com as virtudes humanas. Porém, escondes as verdades espalhando mentiras, não entras em grupos organizados por forças positivas, deixas o egoísmo agir em sua vida e não pensas em ser solidário, participativo e verdadeiramente honesto.

Eles sonharam que um dia seriam renomados jogadores de futebol, assinariam contratos com clubes europeus, comprariam mansões e carros de luxo. Não deu certo. Agora, eles enfrentam as filas dos desempregados, falta dinheiro pra pagar a pensão exigida na justiça pela ex-mulher, andam de bicicleta e ainda detestam leitura e matemática.

Elas sonharam em encontrar um príncipe encantado que lhes proporcionasse uma vida melhor: casa com piscina, roupas bonitas, viagens turísticas, filhos maravilhosos e felicidade eterna. No entanto, aceitaram dividir um barraco, usar sapatos de promoção, sair apenas para tomar um refrigerante na lanchonete da esquina e descobriram que os problemas familiares são mais fortes que a paixão.

Hoje, eu sonho em realizar palestras na área educacional. Tu sonhas em ver sua empresa restabelecida e melhorando seu salário. Ele sonha com o céu. Ela sonha em ser chamada pela Comarca para buscar seu filho ou sua filha. Nós sonhamos com o fim das guerras. Vós sonhais em conquistar a harmonia interior. Eles sonham com os filhos jogando futebol profissional. Elas sonham com a Fada Madrinha!

Eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles e elas sonhamos todos os dias. Às vezes, os sonhos ficam adormecidos, mudam ou são redirecionados. Mas, sempre, há sonhos!

159. Olha! Eu ainda tenho sangue.

Jornal de Cocal: dia 13 de setembro de 2006

Havia uma pequena casa rosa situada numa das principais ruas do centro da cidade de Concórdia. Diziam que parte dela era uma antiga caixa d’água. Tinha um modesto jardim que cercava a escada e o caminho da rua até a porta de entrada.
Sempre que eu passava por lá, ficava intrigada. Por que a dona nunca aparecia na área ou na janela? Era verdade que ela não queria que instalassem luz elétrica? Ela realmente era uma pessoa amarga? Não tinha nenhum parente por perto?
Contaram-me que o marido daquela mulher trabalhava numa firma de construção de estradas. Um acidente trágico, tirou a vida dele ainda jovem. Eles tinham um filho que cresceu e foi embora para muito longe. Longe? Aonde? Ele vinha visitá-la? Ninguém sabia direito. Parece que mantinham poucos contatos, pois, nem telefone ela queria ter em casa.
Certa vez, ouvi uma vizinha falando mal daquela senhora solitária: “É uma bruxa rabugenta. Cortei uns galhos de uma árvore dela que estavam adentrando o meu lote. Mas, por quê? Só faltou me bater. Berrou tanto! Resmungou por horas. Se ela fosse caprichosa, teria visto que precisava podar. Não cuida nem das roseiras que plantou. Se alguém tentar entrar lá, vai se arranhar completamente. É um bruxa anti-social.” Fiquei surpresa porque não a imaginava conversando com outras pessoas, menos ainda, discutindo. Confesso que comecei a admirá-la depois desse fato, mesmo sem nunca tê-la visto ainda.
Conheci uma pessoa que quando era criança ia passear naquela casa. Fiquei sabendo de algumas coisas. Nos fundos havia uma fonte de água cristalina. As plantas do jardim eram cuidadas com perfeição; erva daninha não vingava. E aquela senhora era extremamente vaidosa; usava roupas e sapatos combinando e os cabelos sempre ajeitados.
Falavam também que dinheiro não lhe faltava, pois recebia pensão. Comentavam que quando ela voltava do mercado, uns oito ou dez gatos iam encontrá-la. Depois que ficou velha, as forças lhe faltaram. Então, o jeito era pedir ajuda a qualquer estranho que passasse pela rua. Ela chamava as pessoas, já com os trocados nas mãos, pedindo que comprassem uma lata de azeite, um pacote de macarrão ou alguma fruta. Às vezes, solicitava que recolhessem as roupas do varal.
Eu a vi duas vezes. Sofri dois choques inesquecíveis. Uma tarde, respondi aos seus sinais subindo os degraus, nervosa e atenta. Quando cheguei perto, vi que ela vestia apenas um roupão. Meu coração disparou quando notei que estava ferida na cabeça, dizendo-me: “Pensaram que eu não tinha mais sangue. Olha, moça! Te chamei aqui pra mostrar que tenho sangue, sim.” Perguntei: “A senhora quer ir ao hospital fazer um curativo?” Ela continuou: “Não. Só quero te mostrar isso. Eu caí e descobri que ainda tenho sangue. Veja!” Quando falei em pedir ajuda ao Corpo de Bombeiros, ela irritou-se comigo: “Já disse que não quero nada disso. Quero que veja que tenho sangue e que é bem vermelho.” Pra mim, aquilo tudo não era real. Lembro que saí de lá assustada, desorientada e achando que não devia intrometer-me.
Depois voltei com uns pastéis de queijo. Ao entrar na cozinha daquela casa senti nojo, medo, tristeza e desamparo. A mesa estava lotada de comida, pratos sujos e frutas estragando. Havia um mamão inteiro em estado de decomposição, no chão, ao lado de um cachorro. Acho que de tanto pavor, eu me acovardei! Não tive coragem de voltar lá outras vezes.
Fiquei sabendo que aquela senhora morreu sozinha. Depois dela, a casa rosa também foi destruída. Aquele pedaço da rua é como uma foto antiga que revejo raramente. E, enquanto eu tiver sangue, não esquecerei do dia em que fui incapaz de ver mais do que um líquido vermelho ensangüentando pedaços brancos de tecido.

segunda-feira, setembro 04, 2006

158.Skywalker: caminhante dos céus

Jornal de Cocal: 6 de setembro de 2006

Os alunos foram avisados de que naquela terça-feira não haveria aula porque os professores participariam de uma reunião pedagógica. Eles gostaram do aviso porque poderiam dormir até mais tarde e assistir o desenho animado do Bob Esponja Calça-Quadrada. Poucos aproveitaram a folga para estudar mais um conteúdo que acham difícil, ler um livro, fazer as tarefas ou mesmo ajudar nos afazeres domésticos.

Enquanto isso, os professores desligaram o piloto-automático e assistiram a um filme que objetivava reanimar o trabalho docente. Certamente, aquele filme – Escola da Vida – não era dos melhores pra refletir sobre questões educacionais devido aos momentos que fogem da realidade. Afinal de contas, que escola tem estrutura pra dramatizar uma história acendendo uma fogueira dentro da própria sala de aula? Que professor ganha tão bem que pode adquirir roupas épicas a fim de trazer o passado mais próximo da realidade? Que condições existem para que se possa planejar uma aula de Ciências exibindo um pulmão em perfeito estado de conservação? Como pode o novo agradar tanto se não apresenta as marcas da experiência? Como pode o velho ser tão ruim diante das mudanças da modernidade? O bonito encanta e o feio é um tolo? O renovador é maravilhoso e o tradicional é uma tragédia? É certo ensinar a perder com alegria? É correto competir às custas da exclusão dos mais fracos? Enfim, nem um filme é perfeito! Assim, como nenhum profissional está plenamente formado.

Embora as interpretações e as partes que mais tocaram aqueles profissionais não sejam as mesmas, houve um discurso – de um jovem professor - que prendeu a atenção de todos: “Estudar é coisa pra heróis. Ir para casa é como encarar uma “Guerra nas Estrelas”. Vocês são como o Luke Skywalker ou Lucy Skywalker, conforme o caso. E a escola é onde recebemos o treinamento Jedi. Afinal, precisamos nos preparar para enfrentar o Império do Mal. Mas, o Império do mal não é a escola, não são nossos pais, nem a salsicha de gosto duvidoso da lanchonete. Não! O Império do Mal é uma crença. É crer que temos limitações. Não temos. Talvez não saibam, mas todos vocês são suspeitos. Normam Warner (refere-se a um antigo professor) foi meu mestre Jedi. O grande ensinamento que ele me passou foi como aprender sozinho; ser meu próprio mestre. Quero que aprendam que não devem se preocupar com o que vocês farão. Isso não importa. Preocupem-se com o que vocês serão. Assim, nenhum bundão vai impedir que vocês realizem seus sonhos. Este é o seu sabre de luz (fala mostrando um simples lápis). Toque numa simples folha de papel com fé, emoção e coragem e juntos faremos desse mundo um lugar melhor e me levem nessa jornada com vocês.”

As reações foram diversas. Alguns relembraram a história de Guerra nas Estrelas, outros frisaram o descrédito do ser humano no seu potencial evolutivo, admiraram a importância do lápis como instrumento de poder educativo e até retomaram momentaneamente seus sonhos de participar da construção de um mundo melhor.
Entretanto, um educador resolveu tecer apenas um comentário estranho: “Vejo em Skywalker as palavras céu e caminhante. Sky, céu! Walker, caminhante! É tão fácil criar personagens marcantes. É tão difícil ser uma pessoa importante para a humanidade.Fazer filmes é mais simples do que construir a realidade! Antes que eu vire as costas estarão dizendo que estou fora de órbita. Mas, quem é que pode ter certeza de estar no caminho certo. Talvez as borboletas e as baleias que não pensam, seguem a natureza!”

A maioria saiu convencida, mesmo inconscientemente, de que precisava ampliar o conceito do que é um lápis...

157. Mãe, no céu tem pão?

Jornal de Cocal: dia 23 de agosto de 2006

Dizem que só entende o amor de mãe quem tem filhos. Falam que a dor da morte só pode ser compreendida por quem perdeu um ente querido. Pessoas que sofreram preconceito racial afirmam que o “branco” não tem noção do que isso significa. Quem sai do hospital após uma crise renal coloca o seu sofrimento com algo inexplicável. Vítimas de acidentes graves falam que não há palavras para descrever o horror vivenciado. Alguns idosos dizem que só sabe o que é saudade quem passou dos cinqüenta anos. Diante disso, e depois de ter sido tocada por uma parte do filme “Amor sem fronteiras”, pergunto-me: Se nunca passei fome, posso dizer que entendo a dor das pessoas que não têm o que comer ou que sobrevivem com migalhas?

Lemos reportagens sobre as misérias da África, assistimos documentários mostrando nordestinos paupérrimos comendo pedaços de cactus, encontramos pedintes maltrapilhos nas ruas, conhecemos crianças que freqüentam a escola pensando no lanche servido no recreio e de vez em quando, nos lembramos da fome porque tivemos que atrasar o horário do nosso almoço.

Na semana passada, encontrei alguns alunos rindo da tenebrosa aparência facial de um menino negro, raquítico e doente. A imagem foi recortada de uma revista e estava jogada sob uma das carteiras. Aquelas risadas não eram maldosas, eram de uma pureza inigualável. Por mais estranho que pareça, foi isso que eu senti. Após conversar com aquela turma, tive a certeza de que não me enganara. Um deles afirmou que a viu de relance e pensou que era um macaco. E, se fosse um macaco, qual era a graça? Outro quis saber se aquela foto era real. E, se não fosse real, qual era o motivo do riso? Mas, a maioria deles não havia associado aquele rosto transfigurado com a falta de comida, de água, de remédio, de cuidados e de amor. E, todos que estavam naquela sala, não sabem o que é a dor da fome.

Provavelmente nossas famílias sofrem restrições financeiras, mas, sempre há algo para pôr à mesa. Acho que eu e meus alunos, hoje, temos mais opções de alimentação do que nossos pais tiveram. Lembro-me que quando eu era criança nem sempre havia café, então, fazíamos chá de erva-mate. A gente adorava “pão branco”, aquele feito apenas com farinha de trigo. No entanto, por questão de economia, minha mãe fazia “pão misturado”, no qual ela misturava farinha de milho. Mais econômico que isso, só a polenta. Era “polenta quente” – aquela que comemos assim que é retirada da panela de ferro - e leite no jantar ou sopa de feijão, que por aqui chamam de minestra. E, no café de manhã polenta sapecada na chapa do fogão a lenha com leite. Nem sempre tinha “açúcar branco” para adoçar o leite, então, usávamos o “açúcar amarelo”, ou seja, o mascavo. No domingo, havia um almoço especial com frango assado e macarronada. É claro que o preparo era mais demorado porque tudo era caseiro. De qualquer maneira, os tempos mudaram e os hábitos alimentares também.

O que importa é que temos comida na quantidade necessária em nossa casa. Ou o que realmente importa é que há pessoas passando fome? Pior ainda, há gente morrendo de fome. Mas, tudo isso nos é tão distante! Distante no sentido de não estarmos vendo a morte acontecer dessa maneira tão cruel e também porque nos sentimos impotentes para fazer algo.

Sem conseguir amarrar direito os pensamentos e sentimentos que envolvem esse texto, concluo recordando uma pergunta que uma criança desnutrida fez à mãe antes de morrer: “Mãe, no céu tem pão?” Eu não inventei. Isso aconteceu em nosso país a mais de dez anos!

156. E-mail, MSN, fotolog, orkut, blog, etc

Jornal de Cocal: 16 de agosto de 2006

A Internet renovou o vocabulário, principalmente, dos adolescentes e jovens. Quantos de nós, adultos desligados das novas tecnologias, já não ficamos intrigados com neologismos que nos cheiram a “computador”? Tentamos compreender o que querem dizer exatamente com:

— Recebi por e-mail umas piadas tão engraçadas sobre o Zidane e duas mensagens lindas em Power-point, com paisagens encantadoras.

— Entra no MSN, sábado depois das duas horas, que vou estar lá. Antes desse horário não dá por causa do preço, ainda não temos ADSL. Quero te contar umas coisas que agora não dá tempo.

— Você viu as últimas fotos do meu fotolog? Demorei um monte pra baixar porque as fotos são pesadas! E os recadinhos que deixaram pra mim. Estou arrasando!

— Tem uma comunidade no Orkut chamada “Por que os professores de matemática nunca faltam”. O filho da professora de Geografia fez a comunidade da nossa escola, entra lá pra comentar os tópicos e ver quem são os membros. Eu escrevi um depoimento para Michele que estuda de manhã na sala do meu primo. Já tenho uns duzentos amigos e mais de vinte fãs. Vocês quer me adicionar também?

— Criaram um blog pra gente publicar os trabalhos escolares. Entra lá pra ver. Eu vi uma foto da nossa turma lá em Maracajá. O endereço é http://demetriobettiol.blogspot.com. Tem pouca coisa porque está começando a ser montado e nem as professoras sabem direito como funciona. Eu sei é que lá não vai dar pra escrever do jeito que a gente faz no quando deixa recado no orkut ou conversar pelo MSN.

Há pais acreditando que seus filhos são inteligentíssimos porque conhecem diversos recursos do computador, sabem navegar na Internet e falam fluentemente o internetiquês. Alguns, sentem-se constrangidos diante dos filhos porque não assimilam a evolução tecnológica facilmente.

Por outro lado, alguns adolescentes e jovens pensam que fazem parte de uma geração mais avançada que a dos pais por estarem atualizados com as novidades oferecidas pelos novos aparelhos e recursos de comunicação.

Quero pedir desculpas por ser tão franca, antes mesmo de escrever minha opinião formada enquanto eu trilhava os caminhos do e-mail, orkut, MSN e fotolog. Salvam-se os blogs, mas infelizmente, essas páginas pouco atraem. Quero dizer, primeiramente, que também tenho essas coisas todas. Afinal, preciso estar atualizada! E, o melhor jeito de entender esses processos é fazendo parte dessas realidades. Por tanto, falo com embasamento prático.

Acho que nossos adolescentes vivem uma ilusão ao acessarem e fazerem parte dessas novidades. Eles perdem horas preciosas de suas vidas lendo recados sem conteúdo, procurando escrever “errado”, acreditando que podem ter centenas de amigos e dezenas de fãs. É lamentável, pois, a maioria deles não consegue usar a Internet de maneira instrutiva, educativa e inteligente.

Sabe o que é que está faltando pra que isso tudo se reverta a favor dos adolescentes, jovens e adultos? A geração mais nova precisa reaprender a ser humilde diante dos saberes dos seus antecessores e a geração mais velha não pode esquecer do valor que representa sua experiência de vida diante dos seus precursores. Sei que isso é mais complicado do que aprender a digitar num computador depois de ter vivido anos e anos usando um lápis, uma borracha e um livro didático. Não ignoro, também, que isso tudo nos assusta!

155. Sete minutos

Jornal de Cocal: 9 de agosto de 2006

Dediquei muitas horas de estudo para conhecer um material didático interessante para ensinar polinômios aos alunos da sétima série. Planejei as aulas cuidadosamente. Fui além, elaborando jogos. Organizei a turma em grupos de quatro membros. Distribuí quadrados e retângulos azuis e vermelhos. Peguei a listagem de exercícios. Iniciei o conteúdo sempre interagindo com a classe.

De repente, percebi que quatro meninos estudavam para a prova de Ciências que aconteceria assim que meu tempo terminasse. Fiquei indignada. Mais ainda, depois que descobri que aquela avaliação seria com consulta! Critiquei-os, cheia de razão, sob meu ponto de vista: “Vocês apresentam dificuldades em matemática. Eu preparo uma aula prática para que possam compreender melhor o conteúdo em questão. O que pretendem? Fico decepcionada com essa atitude que me leva a crer que realmente não preciso ajudá-los. Se reprovarem, posso lavar minhas mãos. A minha parte, eu fiz e bem feita.”

Após desabafar na sala dos professores, ouvi uma sugestão: “Assista uma peça teatral gravada em DVD, intitulada Sete Minutos, com Antônio Fagundes. Irás se identificar com o ator decepcionado e irritado com as atitudes do público. Ele próprio a escreveu relando os problemas encontrados nos palcos em relação ao comportamento da platéia. Assim, vai lhe ajudar a superar essas decepções.”
Sempre gostei da interpretação de Antonio Fagundes na televisão e no cinema. A partir de agora eu o admiro incondicionalmente. A peça que vi é obra de sua vivência de ator iniciada há trinta e sete anos, quatro anos antes do meu nascimento!

Pude fazer comparações do trabalho dele com o meu em sala de aula, que excedem o espaço que me é reservado para escrever. Ele reclamava das tosses, dos roncos, dos celulares tocando, das balas sendo passadas, do barulho do pacote de batatinhas e do homem que teve a audácia de tirar o sapato e colocar os pés sobre o palco. Eu pensava nas coisas que perturbam, nós professores, enquanto ministramos nossas aulas: chicletes, pirulitos, papéis de bala no chão, bonés tapando os olhos, conversas sobre namorados, bolinhas de papel, espelhos, batons, escovas de cabelo, alunos na janela, recadinhos circulando, carteiras riscadas, livros esquecidos, tarefas esquecidas, materiais esquecidos, trabalhos esquecidos.

O que dói não são os fatos isolados. O que nos machuca é saber que nos preparamos para apresentar um modesto espetáculo e somos desrespeitados por pessoas que deviam estar ávidas para buscar ampliar seus conhecimentos, desenvolver seu raciocínio e partilhar idéias.

Fagundes, representando a si próprio na peça, recusou-se a continuar com a peça por causa do comportamento de algumas pessoas e expulsou todos do teatro. Os protestos dos expulsos e dos atrasados, impedidos de entrar, lhe renderam muitas críticas, inclusive, dos próprios colegas. Que professor já não foi criticado por não aceitar que um aluno entrasse atrasado ou por ter retirado da sala alguém que tenha lhe ofendido? Inclusive, pelos próprios colegas de profissão? Ele admite: “O ator que faço é o único que leva pancada de todos os lados e é o que mais tem a aprender.”

As nossas reclamações podem ser uma declaração de amor ao Magistério. Concluo com as palavras de Antonio Fagundes: “A peça é uma declaração de amor porque estou prestando atenção a eles. Seria uma agressão se eu ignorasse aquelas pessoas. Pode fazer o que quiser que não me atinge! Não, me atinge, eu me incomodo com eles, eu me preocupo com eles. Não é só uma declaração de amor quando você diz que ama; é uma declaração de amor quando você diz que se importa.”

154. Lembranças que doem

Jornal de Cocal: 2 de agosto de 2006

Há uma mulher sentada no último degrau da escadaria que facilita o acesso do centro da cidade ao bairro onde mora. Lá do alto, ela pode observar a vida urbana fluindo. Sozinha, deixa as lembranças aproximarem-se sem dó, nem piedade.

O Hospital a faz recordar do dia em que uma de suas irmãs provocou um aborto com agulhas de tricô. E ela, ainda se pergunta: “Como eu tive coragem de pegar aquele feto que minha irmã escondeu no tapete dobrado na área de serviço e colocar dentro de uma sacola plástica para levar até o médico que a atendeu após passar mal? Senti-me cúmplice de um ato imperdoável, embora não concordasse. Como seria aquela criança se tivesse sobrevivido?Teria ajudado a própria mãe a encontrar um caminho mais digno que a prostituição? Que Deus nos perdoe. ”

A maravilhosa praça pública era seu espaço de solidão. Quando estava triste, sentava-se na concha acústica e derramava suas lágrimas vendo as águas do chafariz dançando ao som de músicas clássicas.
O IML – Instituto Médico Legal - era o símbolo do desespero. Certa imagem inesquecível lhe atordoou por meses: uma mãe inconsolável segurava o corpo do pequeno filho, separado da cabeça, em um acidente automobilístico.

Um lugar freqüentado em sua juventude era o “Zero Grau”. Localizava-se no mesmo lugar em que construíram um prédio comercial de dez andares. Seu coração a levou ao tempo em que apaixonada, tentava encontrar nas noites de sexta-feira, o homem de seus sonhos. Infelizmente, quando ele aparecia, a ignorava completamente. E, os finais de noite eram sempre tristes.

O Posto de Saúde ainda continua do mesmo jeito. Dói muito saber que uma vez esteve lá para uma consulta com um médico ginecologista. Acabava de perder a virgindade e estava grávida!

Recorda-se das vezes que viu o Corpo de Bombeiros pedindo passagem! Sempre que a sirene tocava, ligava o rádio para saber onde era o incêndio. Houve um dia que não acreditou no que ouvia: a casa incendiada era dos seus pais. Anos de trabalho e parte da história da família viraram cinzas em poucos minutos.

O colégio representa suas maiores decepções e desgostos. Ela perdeu a conta das vezes que lá compareceu por causa das advertências recebidas pelos filhos. Sonhava em vê-los estudando, mas trocaram os livros por “bagulhos”. Acreditava que quando se formassem teriam um emprego decente, porém, preferiram ganhar a vida de uma maneira “mais fácil”.

O Estádio Municipal era freqüentado por muitos torcedores na época em que tinham um time para representá-lo. Ela não sabe se é verdade que os dirigentes faliram o clube “desviando” dinheiro ou se faltou competência. O fato é que depois que seu time foi extinto, nunca mais sentou numa arquibancada...

Aquela mulher percebe que é hora de parar de remexer no baú das tristezas. Mesmo, assim, apoiando-se ao corrimão da escadaria, sente um desejo mórbido de rolar degraus abaixo, perder os sentidos, entrar em coma e nunca mais reconhecer as pessoas que ama. Naquele momento, a rejeição, as dores físicas e o trabalho rotineiro, são mais fortes que seu currículo de guerreira.

A mulher levanta-se e sobe os últimos degraus. Antes de chegar ao final da escadaria, encontra um alcoólatra, uma jovem viúva, uma criança com Síndrome de Down, um ex-presidiário e uma amiga soropositiva.

153.

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152. Um pé de árvore

Jornal de Cocal: 19 de julho de 2006

Olhe para a primeira árvore que encontrar e diga qual é o nome dela. Não sabe? Pergunte para a pessoa que estiver mais próxima. Ela também não sabe? Pergunte a outras pessoas. Ninguém sabe? Então, troque, tente identificar outra árvore. Também não consegue?

Será que vale à pena conversar com mais gente tentando buscar aprender mais sobre esse assunto simples e desafiante? Seus conhecidos estranharam seu questionamento, ao invés, de ficarem surpresos ao descobrirem que não sabem o nome da árvore sob a qual sentam todos os dias durante o intervalo do almoço, ou que cresceu no quintal da própria casa ou ainda, que ornamenta a rua onde residem?

Passe pela praça e observe a beleza de cada planta antes de regressar ao seu lar. Você sentirá dificuldades para explicar aos seus familiares onde exatamente visualizou um ninho porque não sabe dizer: “Há um ninho de tico-tico nos galhos da Tipuana.” Talvez, você saiba o nome da árvore e lhe dêem uma resposta que a coloca de volta à estaca zero: “Nunca ouvi falar que existe árvore com esse nome!”

Você quer informação seu irmão de que deixou seu carro no estacionamento em frente ao hospital, debaixo de uma paineira e se vê forçado a dizer: “Deixei embaixo daquela árvore que solta um algodãozinho.” Se ela não estiver nessa fase, talvez, você diga: “Deixei embaixo daquela árvore que tem uns espinhos no caule”. Na verdade, não são espinhos, são acúleos. De repente, neste dia sua distração e desconhecimento excedam o admissível: “Deixei meu carro embaixo de um pé de árvore.”

Provavelmente você é capaz de escrever o nome de trinta árvores. Imagine que ao entrar num bosque encontrarás todas as espécies descritas e terás que colocar placas identificando cada uma. Conseguirás? Talvez saibas onde está o pinheiro, o eucalipto, o coqueiro e as frutíferas. Porém, na sua lista aparecem cedro, canela, bracatinga, plátano, cangerana, peroba e tantas outras que o deixam confuso.

Quando você começou a falar, seus pais repetiam diversas palavras importantes: papai, água, boi, vermelho, pé, etc. Você fez a mesma coisa com seus filhos, afinal de contas, eles precisavam diferenciar os parentes, os animais, as partes do corpo, as cores e coisas necessárias para a sobrevivência. Por que será que não estão entre elas, grama, seringueira e orquídea?

Somos capazes de citar o nome de diversos animais do continente africano, de inúmeros atores estrangeiros, de carros de todas as marcas, de cantores brasileiros, de elementos químicos, de políticos, de aparelhos tecnológicos e no entanto, nunca perguntamos como se chama aquela árvore alta plantada ao lado da escola onde estudamos por mais de oito anos.

Enquanto ignoramos a presença das árvores, o mundo moderno faz o mesmo conosco. Antigamente, todos se conheciam pelo nome e sobrenome, independente da capacidade de dar frutos ou de pertencer a famílias nobres. Enquanto a tucaneira se transforma em “um pé de árvore”, o número do CPF se torna mais importante que nossos nomes documentos. É assim que o mundo segue!

151. Visita ao Parque Ecológico de Maracajá (Parte III)

Jornal de Cocal: 5 de julho de 2006

A festa começou antes da chegada ao Parque Ecológico de Maracajá. Ninguém escondia a alegria de estar participando de um passeio de estudos junto com os colegas. Alguns, como o Luan, o Guilherme e o Geovani, agitavam cantando músicas conhecidas. Outros, como o Lucas, a Pamela e a Daiani, preferiram observar as paisagens urbanas e rurais ao longo do caminho.

A professora de Ciências sabia que aquele parque proporcionaria mais do que um dia de lazer: seus alunos seriam incentivados a realizar pesquisas científicas e a respeitar o meio ambiente. Segundo a bióloga que trabalha naquele parque: “A Floresta Atlântica foi reduzida a menos de 10% do que era na época do descobrimento, por cobiça, inconsciência ou ação predadora, e ainda, continua guardando valiosos tesouros em matéria de diversidade de vida animal e vegetal. Empenhada no compromisso de proteger e conservar o pouco que ainda resta deste importante ecossistema, a Prefeitura Municipal de Maracajá, adquiriu e mantém está área de 112 hectares. A preservação deste tesouro, portanto, não apenas assegura a continuidade dos esforços conservacionistas feitas no passado, como garante e lega a beleza e a grandiosidade da Floresta Atlântica para as gerações futuras.”

O grupo teve contato imediato com alguns quatis que circulavam livres. O monitor, por precaução, pegou um chicote para enxotá-los, caso se aproximassem das crianças. Esses animais não costumam atacar, mas, defendem-se com ferocidade abrindo a boca e mostrando os dentes. Descobrimos que o nome quati vem do tupi “ Akwa’ti”e significa “nariz pontudo” e o vimos cavando buracos e procurando comida com o focinho. O coitado é bastante perseguido pelo homem porque sua carne é saborosa e por invadir plantações de milho.

Um pequeno veado encantou a Maiara e a Rafaela que permitiram que ele cheirasse suas mãos. Algumas meninas comentaram sobre “os chifres de madeira que estavam quebrados”.

O sagüi, com suas características meigas e engraçadas, atraiu a atenção. Observando os órgãos sexuais dele, concluíram: “É menino, né, professora!”

Uma macaquinha provocou gargalhadas. Além, de fazer “bobagens” por estar no cio, ela esperava o dono do quiosque jogar fora a xepa de cigarro para dar uma “tragada”. Para fazer isso, ela colocava a xepa entre as pernas e “prendia” a fumaça com o corpo e a cabeça.

Os tucanos coloriam as árvores. Um deles, discretamente, pegou o prendedor de roupas que o Guilherme usou para fechar a bisnaga de maionese. Felizmente, não engoliu!

O Diretor do Parque ficou extremamente preocupado com a integridade física de alguns alunos que tentaram alimentar um macaquinho porque o deixaram estressado e podiam ser atacados. Por desconhecimento e pela semelhança que ele tinha com o macaco-prego que habita aquelas matas, pensamos que sua reação seria social. Não sabíamos que era mais uma vítima do tráfico de animais e que estava sozinho, longe do seu habitar natural.
No viveiro de recuperação havia diversos pássaros sendo tratados ou que foram apreendidos pela Polícia Ambiental, que inclusive, tem um posto na mesma área. Dentre eles, podemos citar: corrupião, papagaio, capitão-do-porto, cardeal, sargento, saíra azul, gaturama-do-brejo, araquã, can-can, faisão, sabiá e pombo-do-rabo-branco.

Apesar de tudo, voltamos para casa um pouco frustrados porque os macacos-prego não apareceram. Certamente havia alimento suficiente dentro da mata. Mas sabíamos que a grande decepção daquele dia estava por vir: a Seleção Brasileira despediu-se da Copa da Alemanha com o rabinho entre as pernas...

150. Gentilezas

Jornal de Cocal: 28 de junho de 2006

Apagaram tudo
Apagaram o sonho de ter uma família estável, um emprego garantido, amigos eternos, filhos obedientes...
Pintaram tudo de cinza
Pintaram de cinza as mais lindas florestas, as águas do Rio Criciúma, o futuro dos jovens...
A palavra no muro ficou coberta de tinta
As palavras que chamavam à luta pela paz foram cobertas por outras que propagam o consumismo...
Apagaram tudo
Apagaram os caminhos que conduzem à simplicidade, à alegria, à justiça, à fidelidade, à ...
Só ficou no muro tristeza e tinta fresca
Só ficou no muro a certeza de que precisamos deles pra nos proteger sem garantias...
Nós que passamos apressados pelas ruas da cidade
Não temos tempo para entrar na igreja, saborear o suco de abacaxi, prestar atenção nas letras das músicas, olhar no olho do colega, sentir o coração da mãe amorosa, perceber o azul do céu...
Merecemos ver as letras e as palavras de gentileza
Será? Merecemos tropeçar em nossa insensibilidade que nos impede de proferir frases bonitas...
Por isso eu pergunto a você no mundo
Que, aliás, vive sendo questionando e questionando sobre coisas valiosas e supérfluas...
Se é mais inteligente o livro ou a sabedoria
adquirida na interpretação dos acontecimentos diários vivenciados com amor, dor, prazer, decepção, júbilo...
O mundo é uma escola
que cria preconceitos, gera intolerâncias, produz corrupção, espalha armas, enriquece matando, empobrece viciando...
A vida é um circo
onde a maioria, sentada na platéia, faz o papel de palhaço e ri de si própria...
Amor palavra que liberta já dizia o profeta
“Ame ao próximo como a ti mesmo!”
Apagaram tudo...
Apagaram o medo da fome, o analfabetismo, a exclusão social, o estresse, o egoísmo...
Pintaram tudo de cinza
e cobriram com verde, amarelo, azul e branco.
Merecemos ver as letras e as palavras de gentileza
porque aprendemos as famosas palavras mágicas e respeitamos mais que dez mandamentos.
O mundo é uma escola
que ensina a praticar o bem, a trilhar o caminho da felicidade, a valorizar as pessoas.
A vida é um circo
que ensina a viver num círculo repleto de energias positivas.
Amor palavra que liberta já dizia o profeta que finalmente foi ouvido!

149. Minhas árvores de estimação

Essas árvores também fazem parte da minha vida... ou melhor faziam...
Jornal de Cocal: 21 de junho de 2006

Tive duas árvores de estimação: um plátano e uma açoita. Ambas eram majestosas, imponentes, transmitiam energias positivas e lindas sob meu ponto de vista.

O plátano cresceu em frente ao antigo pavilhão da comunidade onde morei quando criança. Lembro-me que, sentada à sombra de sua enorme copa sustentada por um tronco curto e grosso, eu ria da vida junto com minhas amigas. Eu o achava poderoso, encantador e imaginava que se pudesse subir pelos seus galhos, viveria a mesma aventura de “Joãozinho e o Pé de Feijão”. Nos sábados à tarde, costumávamos recolher suas folhas espalhadas sobre a grama porque no domingo haveria culto e os adultos queriam o pátio limpo.
Há um plátano ao lado da Igreja São José de Criciúma. No momento, ele está parcialmente escondido pelo tapume colocado na área, devido à ampliação da igreja. Confesso que não fiquei preocupada com o abacateiro e com os flamboyans, quando os meios de comunicação tornaram públicas as discussões sobre a possibilidade de arrancá-los em função da obra que se iniciava. Ninguém falou sobre o plátano, mas como ele está tão próximo das outras árvores, desconfiei que corria risco, também. Um taxista com ponto naquele local, sem saber, tranqüilizou-me naquela época.


Os meus sentimentos podem parecer ridículos às pessoas, dentre as quais me incluo, que convivem num mundo tecnológico, ganancioso e afastado dos elementos da natureza. No entanto, nos dias que eu reservava um tempo para sentar nos bancos da igreja e fazer uma oração, procurava sair pela porta lateral e sentir de perto meu passado através da presença daquela planta especial. Li algo interessante que ajudou-me a compreender minhas saudades: “Os plátanos vivem intensamente as estações do ano. Na primavera, ficam cheios de rebentos e folhas novas de um verde claro, no verão os plátanos ficam frondosos e cheios dando uma sombra apetecível, no outono as folhas tornam-se totalmente amarelas e no inverno perdem toda a folhagem ficando totalmente despidos apenas com o tronco e os ramos. Observar um plátano, é observar o desenvolvimento das estações do ano e, conseqüentemente, o andar do tempo”.
A açoita, era assim que meu pai a denominava, nasceu numa encosta e sobreviveu alguns anos, além de suas conterrâneas, por causa de seu tamanho. Ao redor dela havia uma plantação de milho. Meu serviço era capinar o mato que ameaçava o milharal. Nas horas, em que eu descansava, ficava admirando seus galhos retorcidos, as frestas que apresentavam como pano de fundo o céu azul, as diferenças de tons entre as partes externas e internas da folhas, os musgos suspensos, os cipós dependurados, os passarinhos descansando. Eu desejava ter coragem e força para poder subir até sua copa! O lugar onde suas raízes se fixaram era privilegiado pela visão que apresentava.
Aquele plátano e aquela açoita não suportaram o massacre do progresso. Ele foi arrancado quando construíram um Centro Comunitário de material, com quadra esportiva, cancha de bocha, cozinha e vestiários. Ela foi vendida para uma serraria qualquer e seus pedaços menores queimados num fogão à lenha que também não existe mais.
Haverá o dia que não existirão, também, as pessoas que se recordam dessas árvores. Ninguém fica pra semente... Deveríamos, pelo menos, plantar coisas boas antes de morrer.