
Jornal de Cocal: dia 15 de novembro de 2006
Hoje quero brincar de viver. Tentarei sentir que existo. Não deixarei a cidade atropelar minhas emoções. Estarei comigo por algumas horas.
Vou buscar um copo de água gelada e saboreá-la como se fosse um dos poucos refrigerantes que tomei na minha infância.
Subirei na ameixeira que vi crescer, dar frutos inúmeras vezes e que ameacei cortar ao ver meus sobrinhos escalarem seus galhos desrespeitando as proibições anteriores.
Encostarei minha cabeça no encosto do sofá, olharei pela janela e buscarei o azul do céu que me adormecerá.
Assistirei um filme que mostre as belezas da natureza e as forças positivas encontradas no interior humano, que toque em meu coração e me faça acreditar em dias melhores.
Lembrarei das pessoas que passaram pela minha vida deixando saudades, ensinamentos, dores, exemplos de determinação e amor.
Entrarei na igreja, de joelhos diante de Deus agradecerei e farei pedidos porque quero revigorar os sonhos que plantei.
Telefonarei para algum parente que não vejo há mais de dez anos e que mesmo assim, perguntam aos meus familiares sobre mim.
Comprarei dois pães d’água e jogarei aos peixes que vivem no chafariz da praça que fica a poucos metros de minha casa.
Ouvirei novamente a Oração de São Francisco repleta de sabedoria e que sempre tive como guia nos momentos mais difíceis de minha vida: “onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver ofensa que eu leve o perdão, onde houver discórdia que eu leve a união.”
Revirarei os álbuns de fotografia para selecionar as mais importantes e montar um painel que representa os momentos mais felizes da minha vida.
Chamarei o catador de lixo para que recolha e aproveite as revistas velhas que ocupam espaço em minha garagem.
Eliminarei as roupas velhas dos armários de meus filhos, oferecendo a outras crianças.
Olharei nos olhos dos meus vizinhos quando passar por eles, cumprimentado-os verdadeiramente, perguntado se tudo está bem querendo realmente saber.
Tomarei banho com um sabonete de camomila sem preocupar-me com a conta de luz, com a racionalização da água e com o tempo.
Prepararei um chimarrão bem quente, com a erva-mate da minha terra e cuia feita com porongo colhido nos chão onde pisei.
Dormirei com a televisão desligada, sem programar o despertador, ignorando o barulho dos motores de carro e com um incenso aceso.
Com licença, hoje, tenho muitas coisas pra fazer. Mas, desta vez, estarei somente comigo por algumas horas. Já aceitei o diagnóstico do meu médico e tenho que fazer as coisas que desejo.
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