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sábado, outubro 07, 2006

162. A menina que roubou uma lasca de sabonete

Jornal de Cocal: dia 4 de outubro de 2006

Dona Josefa entrou na sessão eleitoral, retirou o título da carteira surrada, entregou aos mesários, aguardou o encaminhamento do presidente de mesa e dirigiu-se à cabine segurando a “colinha” com o número dos cinco candidatos que escolheu desprovida de expectativas.



Ela pediu uma cadeira e foi prontamente atendida por um “convocado”. Sentou-se devagar. Abriu o papelzinho. Olhou os números. Achou incômoda a luminosidade da urna eletrônica. Suspirou fundo. Observou uma única pessoa na fila. Procurou os óculos na sacola. Secou o suor do rosto com um lenço amarrotado. E, de repente começou a girar a aliança no dedo. O comportamento estranho despertou a atenção dos presentes. Informaram-na de que deveria votar depressa.


Levantando a cabeça e fitando os olhos na parede, ela disse: “Há muitos anos atrás, uma menina de seis anos foi passear na casa da irmã mais velha de seu pai. Ela viu sobre a pia da cozinha uma lasca de sabonete. Sabe, a gente vai usando, vai usando, até que fica uma camada fina de sabonete. Ela sonhava em poder tomar banho com sabonete. Desejava ficar perfumada. Queria, pelo menos um dia, se livrar do sabão fedorento que seus próprios pais faziam com os porcos mortos doados pelo vizinho que era suinocultor. Aquela era uma oportunidade rara. Então, cometeu um grande crime: roubou a lasca de sabonete! Nunca mais esqueceu daquele ato abominável. Seu coração disparou por mais de duas horas. E, quando acalmou-se, a consciência veio lhe perturbar. No caminho de volta pra casa, andando ao lado do irmão, pensou em uma maneira de justificar o “futuro aparecimento de um pedacinho de sabonete”. Ela não teria coragem de contar a verdade à mãe. Sua ingenuidade era tamanha que sequer pensou na possibilidade de esconder o seu “roubo”. Então, o que foi que ela fez? Acredite! Jogou aquela lasca de sabonete na estrada de chão e fingiu que o encontrara naquele mesmo momento. O irmão percebeu que havia algo errado, embora fosse mais novo que ela. Imagine! Ela acabava de se entregar da maneira mais tola possível. A mãe, ao saber do fato, percebeu a mentira. Era impossível que um pedaço de sabonete, estivesse naquela curva da estrada, debaixo daquele pinheiro! Ela lembra que sua mãe não contou nada ao seu pai porque certamente apanharia com uma vara de vime ou com a cinta de couro. Mas, a dor maior estava em sua alma! Por sorte, estava preste a passar a Primeira Comunhão. Esse sacramento era recebido somente depois de confessar seus pecados. Aquela menina sossegou somente depois de ter pedido perdão ao Padre. E, nunca mais, nunca mais na vida, roubou nada de ninguém. Agora, ela está aqui. Não é mais uma garotinha pura. É uma velha mulher que amadureceu seguindo os princípios bons, obedecendo aos mandamentos de Deus e buscando aprender todos os dias. Sempre ensinou seus filhos pelos exemplos. Nunca manchou seu caráter. Sim, errou muito. Porém, sempre soube corrigir seus erros. Agora, ela não quer errar. Mas, está apavorada porque dependendo de suas decisões, ela pode ser cúmplice de ladrões, mentirosos, bandidos e corruptos. Ela pode estar ajudando pessoas que jamais se arrependerão de roubar uma lasca de sabonete. E, infelizmente, são eles que entram na casa dos brasileiros com mais facilidade. Não conseguimos detectá-los facilmente.Não quero ser enganada.


Na fila, mais de dez eleitores aguardavam a sua vez. Todos em silêncio, atônitos diante da inusitada situação, viram Dona Josefa chorando pedir que cancelassem seu voto. Depois, educadamente, desculpou-se e saiu.


Os demais, continuaram ali para exercer seu direito de votar. Direito esse, que muitos fazem valer porque é também, um dever.

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