O horário de pegar a
pasta e ir para a parada de ônibus estava se esgotando rapidamente. A mãe de
Eduardo percebeu a embromação do filho e o alertou com severidade. O moço
suspirou, reclamou da professora, foi para o quarto e se jogou na cama.
Durante o primeiro
intervalo da novela das sete, a irritante Ana Cláudia, percebeu que o irmão
dormia, sem se quer ter apagado a luz. Imediatamente procurou pelo pai que
acabara de voltar da rua, onde passou o dia buscando emprego. Num tom maldoso,
a menina diz que Eduardo não tem feito as tarefas escolares e está faltando às
aulas porque é um preguiçoso. O clima de tensão aumenta dentro da casa, após o
barulho do copo que se estraçalha violentamente, ao ser arremessado contra a
parede. Segundos após, enquanto o pai chora convulsivamente, Eduardo chega à
cozinha e é questionado:
- Por que você não foi
para a aula, meu filho? Como poderás conseguir um futuro melhor desse jeito?
Queres ser um desgraçado, como eu?
- Você não é um
desgraçado e descobri que a escola não pode fazer nada por mim.
- Como assim?
- De que adianta eu saber o que são
substantivos deverbais? Que a fórmula química da glicose é C6H12O6?
Que o quadrado da soma de dois termos é igual ao quadrado do primeiro termo,
mais duas vezes o produto do primeiro pelo segundo termo, mais o quadrado do
segundo termo? Que a tradução de I’m going to the beach this weekend é
“Eu vou à praia neste fim de semana”? Que o grande pintor Van Gogh lutou muito
contra a pobreza, a fome, o alcoolismo e a loucura e encerrou sua agonia com um
tiro no peito? Que a Zona da Mata é úmida e tem solos férteis? Que a auxina é
um hormônio que atua no crescimento das plantas? Que a cidade de Santos
transformou-se em grande porto exportador de café? Que a velocidade da luz, no
vácuo e no ar, é de 300 mil quilômetros
por segundo? De que me adianta saber disso tudo, meu pai, se estou fadado a ser
um desempregado nesse país corrupto que não dá condições dignas de vida para
sua população?
- Não sei exatamente o que lhe
responder, meu filho. Mas com certeza eu estaria mais tranqüilo se soubesse o
que é um substantivo, que existe essa tal de glicose, se tivesse estudado esse
troço comprido que você falou e que parece matemática. Talvez eu fosse mais
respeitado se entendesse mais do que I love you, em inglês. Quem sabe, eu
me sentiria mais valorizado se eu soubesse onde fica a Zona da Mata e que a
cidade de Santos se localiza num litoral, o que acabei de descobrir na sua
fala. Provavelmente, eu não estaria pensando, com 45 anos de idade, que
hormônio só tem em seres humanos. Obviamente que eu não seria tão rápido quanto
a luz, mas também, não seria tão devagar quanto um cidadão sem instrução
perdido numa sociedade capitalista exigente.
- Eduardo respondeu com muitas
lágrimas!
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