Jornal de Cocal: 2003
Era um descendente de alemães, magro, alto, cabelos despenteados, barbas compridas e olhar de pistoleiro mato-grossense. Usava calças encardidas, camisa justa de tecido xadrez – semelhante às toalhas de mesa antigas – e sandálias surradas. Exalava um fétido cheiro de cachaça, vinho, cerveja e cigarro de palha.
Usa presença em sala de aula causava dores no estômago dos mais seguros, acelerava as batidas cardíacas dos mais calmos, provocava a troca de olhares assustados entre os que o conheciam melhor, fazia transparecer o sentimento de aversão dupla por quem já detestava a disciplina e era a garantia de atenção absoluta durante 45 minutos.
Apesar da aparência horripilante, Helsin era um bom professor. Conhecia profundamente a matemática e superficialmente nossas limitações. Historicamente, sempre tivemos dificuldades com os conteúdos matemáticos. Ele usava recursos práticos para demonstrar a aplicabilidade do que ensinava. Lembro-me que certa vez, colocou uma folha de carbono sobre outra de papel quadriculado no chão, para marcar o ponto em que a bolica, deixada cair do alto de uma cadeira que estava em cima de uma mesa, tocava, enquanto falava de função, trajetória, parábola, gráfico, etc. Confesso que não acompanhei seu raciocínio, mas passei a admirá-lo.
Quando havia prova, havia alta tensão. Dia de receber os resultados era dia de choradeira. Ninguém tinha coragem de pedir uma explicação detalhada e mais devagar... Receavam receber em troca um punhado de grama ou capim.
A turma recebeu com alívio e bradou de alegria, quando o diretor geral do colégio comunicou que o professor Helsin estava mudando de cidade porque iria trabalhar na Universidade Federal. Voltaram as esperanças de aprovação!
Anos após, ficamos sabendo que nosso mestre, agora doutor, se casara com uma jovem mulher, continuava lecionando e morava numa casa simples decorada com latinhas, litros e garrafões.
Dez anos após, o encontrei numa Feira Interdisciplinar. Reconheci-o logo que se aproximou para avaliar meu trabalho. Conversamos muito. Pedi orientações para realizar um trabalho que me ajudasse a ser classificada numa turma de mestrado. Disse-me que, se eu quisesse, poderíamos começar a escrever naquele momento. Argumentei que não estava preparada, precisava fazer um curso de inglês, ler Piaget, Vygotski, Paulo Freire, etc. Interrompendo minha justificativa, falou:
- Você é que sabe, mas não é tão difícil quanto pensas. Sabe como foi que elaborei meu último projeto? Certa madrugada, sentei numa mesa com algumas folhas de oficio e um garrafão de vinho. Quando acabei o vinho, acabei o projeto.
Realmente, ele não mudara nada, nada, nada...
Era um descendente de alemães, magro, alto, cabelos despenteados, barbas compridas e olhar de pistoleiro mato-grossense. Usava calças encardidas, camisa justa de tecido xadrez – semelhante às toalhas de mesa antigas – e sandálias surradas. Exalava um fétido cheiro de cachaça, vinho, cerveja e cigarro de palha.
Usa presença em sala de aula causava dores no estômago dos mais seguros, acelerava as batidas cardíacas dos mais calmos, provocava a troca de olhares assustados entre os que o conheciam melhor, fazia transparecer o sentimento de aversão dupla por quem já detestava a disciplina e era a garantia de atenção absoluta durante 45 minutos.
Apesar da aparência horripilante, Helsin era um bom professor. Conhecia profundamente a matemática e superficialmente nossas limitações. Historicamente, sempre tivemos dificuldades com os conteúdos matemáticos. Ele usava recursos práticos para demonstrar a aplicabilidade do que ensinava. Lembro-me que certa vez, colocou uma folha de carbono sobre outra de papel quadriculado no chão, para marcar o ponto em que a bolica, deixada cair do alto de uma cadeira que estava em cima de uma mesa, tocava, enquanto falava de função, trajetória, parábola, gráfico, etc. Confesso que não acompanhei seu raciocínio, mas passei a admirá-lo.
Quando havia prova, havia alta tensão. Dia de receber os resultados era dia de choradeira. Ninguém tinha coragem de pedir uma explicação detalhada e mais devagar... Receavam receber em troca um punhado de grama ou capim.
A turma recebeu com alívio e bradou de alegria, quando o diretor geral do colégio comunicou que o professor Helsin estava mudando de cidade porque iria trabalhar na Universidade Federal. Voltaram as esperanças de aprovação!
Anos após, ficamos sabendo que nosso mestre, agora doutor, se casara com uma jovem mulher, continuava lecionando e morava numa casa simples decorada com latinhas, litros e garrafões.
Dez anos após, o encontrei numa Feira Interdisciplinar. Reconheci-o logo que se aproximou para avaliar meu trabalho. Conversamos muito. Pedi orientações para realizar um trabalho que me ajudasse a ser classificada numa turma de mestrado. Disse-me que, se eu quisesse, poderíamos começar a escrever naquele momento. Argumentei que não estava preparada, precisava fazer um curso de inglês, ler Piaget, Vygotski, Paulo Freire, etc. Interrompendo minha justificativa, falou:
- Você é que sabe, mas não é tão difícil quanto pensas. Sabe como foi que elaborei meu último projeto? Certa madrugada, sentei numa mesa com algumas folhas de oficio e um garrafão de vinho. Quando acabei o vinho, acabei o projeto.
Realmente, ele não mudara nada, nada, nada...
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