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sábado, agosto 19, 2006

15. Veja e depois culpe

Jornal de Cocal: 17 de setembro de 2003

O ônibus pinga-pinga parte da rodoviária, numa sexta-feira chuvosa, já lotado de passageiros e atrasado.
Os estudantes estão mais alvoroçados que o normal porque o final de semana está repleto festas. Todos querem falar, rir, brincar, cantar, enfim, esquecer dos problemas e dos compromissos. Algumas pessoas começam se irritar com a bagunça e a reclamar da falta de educação dos jovens, especialmente uma senhora que estivera na cidade para receber a aposentadoria:
- No meu tempo não era assim. Onde já se viu essa falta de respeito!
- O piá, aqui não é a casa da mãe Joana, não.
- Dá pra parar de empurrar esse banco; não vê que está me apertando.
- Menina, o que é isso? Não gosta de trazer um guarda-chuva e agora fica aí, com esse cabelo molhado, respingando no meu vestido. Que falta de educação!
- Você não tem vergonha de contar piada suja? Olhe onde você está, meu jovem.
- Como o barulho desse salgadinho irrita a gente, parece um porco comendo! Certamente seus pais já lhe avisaram para não comer porcarias.
Alguns minutos depois a campainha toca, o ônibus pára e ninguém desembarca.
A velhinha, julga, falando para que todos ouçam:
- Só pode ser coisa dessa molecada mal educada que não tem o que fazer. Puxam a campainha para fazer o motorista de bobo e nós que temos que agüentar.
A viagem prossegue, a campainha é acionada, o ônibus pára, uma família inteira embarca, mas ninguém desembarca. A Velhinha não deixa de aproveitar para fazer mais uma crítica:
- Tá vendo! Aprontaram de novo... Falta de laço dos pais.
Por mais três vezes a campainha toca sem que alguém desembarque. O cobrador do ônibus, atento aos movimentos dos passageiros não percebe quem está “fazendo essa brincadeira de mau gosto”. O motorista, indignado, resolve tomar uma iniciativa e se dirige para o final do corredor. Enquanto ele tenta encontrar o culpado, a senhora, insiste em suas colocações:
- O senhor tem que tirar essa juventude daqui. Deixa eles irem a pé pra aprender. Não concorda comigo, seu motorista?
- Eu não posso fazer uma coisa dessas, afinal de contas, não são eles que estão atrapalhando nossa viagem – disse calmamente – é o seu guarda-chuva que está pendurado na cordinha da campainha. A senhora poderia fazer o favor de retirá-lo dali, senão, na próxima curva... irá disparar novamente.

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