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sábado, agosto 26, 2006

25. Tempos diferentes de tempos recentes

Jornal de Cocal: 2003

Certa manhã, quando eu dava aula numa sexta série, a conversa de dois alunos me chamou a atenção. Um deles segurava um pedaço de papel na mão e eu, curiosa, pedi permissão para ler. No bilhete que alguém jogara pela janela, havia a seguinte mensagem: “Acho você muito lindo e querido. Penso em ti todos os momentos. Assina aquela que ficou contigo a um mês e treze dias.” Devolvi o bilhete e percebi que o teor da conversa era sobre quem seria a autora do recado. Enquanto eu olhava para as pernas finas e o corpo de criança daquele menino que, na minha opinião, é mais criança que adolescente, fiquei pensando em como ele poderia ter dificuldades para lembrar com quem ficou há tão pouco tempo. Resolvi perguntar e obtive a seguinte resposta: “É que foram várias, professora!
Houve um ano em que fizemos greve na escolas estaduais por dois meses e ao retornar às aulas percebi que muitos alunos estavam faltando e os colegas respondiam: “Casou, professora” . Tantas vezes eu ouvi essa resposta que pensei se tratar de uma gozação, até que perplexa, descobri que haviam realmente “juntado os trapos” e sem demora surgiram os comentários sobre os que estavam se separando. Eu sempre tentei entender como um jovem que sequer sabe dos seus compromissos de estudante vai ter maturidade para solidificar um casamento. É óbvio que não tem como segurar a onda e que os piores problemas serão arcados pelas suas famílias que na maioria das vezes já estão afundadas na lama.
Outro dia um aluno me disse que provavelmente não voltará a estudar na minha escola no ano que vem porque vai morar no Paraná e me relatou o motivo: “Meu pai não agüenta mais as brigas do meu irmão com minha cunhada, pois apesar de não morarmos juntos, moramos muito perto. É guerra todo dia. Minha mãe chora direto. Você lembra do meu irmão, professora? Era aquele que estudava aqui no ano passado, na quinta série e dormia na sala.”
Esses fatos me fizeram pensar na pureza e na inocência que eu tinha nessa idade e também, me causaram a sensação de que sou extremamente “quadrada”. Não consigo aceitar essas mudanças nos valores que vêm se alastrando continuamente. Nossas crianças estão namorando demais e estudando pouco!
Quanto mais nós educadores buscamos nos aperfeiçoar para qualificar o trabalho que realizamos em nossas disciplinas, mais nossos alunos desvalorizam nossos esforços e se sentem atraídos pelas “coisas boas da vida”. Perdemos espaço, não somente por incompetência, mas por lamentáveis distorções que vingam como erva daninha. Temos que arranjar um meio de mostrar que cada ser humano passa por esse mundo tendo que assumir compromissos importantes que são intransferíveis para a garantia da harmonia e da paz.

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