“Esse tempo chuvoso não dá praia. Ficar em casa um domingo inteiro é um tédio. Reler o jornal do dia não é interessante. Adoro assistir filmes de gangster, porém, esqueci de consertar o vídeo que queimou no último dia de “tempo feio”. Fazer uma visita ao meu pai, só se eu for sozinho, pois minha querida esposa discutiu novamente com minha adorável madrasta e não querem se ver. Meu time joga fora de casa, portanto, não tenho a opção de ir ao estádio extravasar. Meus filhos dormem até o meio-dia e certamente acordarão para almoçar e acessar internet. Não tem nada estragado para arrumar, nem uma lâmpada precisando ser substituída. Não consigo pensar em nada para fazer, além de sair e comprar um cigarro avulso, no bar do seu João.”
Vinícius contou tudo que passou pela sua cabeça a um dos primos que encontrou na rua. Este propôs fazer um churrasco e reunir as famílias. Embora gostasse da sugestão, alegou que detestava programar essas coisas “em cima da hora”. Na verdade, tinha algo que o incomodava na casa do parente: a filha de dez meses que era sempre o assunto para começo e fim de conversa.
Ele ficava indignado com as conversas intermináveis, sem dar trégua, sobre tudo que acontecia com a menina:
- Ontem tive que levá-la ao pronto-socorro. Estava com 39º de febre.
- Minha vizinha comprou esse vestidinho azul. Ela vai ficar linda.
- Agora, o pai dela, começou a dar banho. É um desajeitado, mas dá conta.
- Olha só o cabelinho, como está crescendo! Os dentes já estão aparecendo?
- Me disseram que essas manchinhas brancas na ponta do nariz é sinal de saúde.
- Essa menina é muito chorona! Passamos várias noites acordados por causa das cólicas.
- Amanhã será o dia do batizado. Os padrinhos estão tão bobos!
- Precisa ver quando ela sorri! Ficamos emocionados, babando.
- Não vejo a hora dela caminhar. Já comprei um tênis.
- Deixa eu mostrar as fotos que fiz no estúdio. Olha como ela é fotogênica.
- Você não vai acreditar, mas ela come de tudo: banana, mamão, sopinha, pão, mingau.
Além disso, era uma disputa para pegar no colo, beijar, brincar e paparicar de todas as maneiras possíveis. Tudo que ela fazia era comentado detalhadamente. Vinícius não reclamava, apenas evitava ter que ouvir isso tudo.
Quando ele chegou em casa, foi recepcionado calorosamente por um poodle e por uma colega de infância que a anos não via:
- Vim almoçar com vocês e trouxe meu cachorrinho. Ele não é uma gracinha?
- Querido, precisa ver como ele é perfumado. Olha que encanto esse lacinho no cabelo!
- Ele já tem seis meses. No começo eu não queria cachorro dentro do apartamento, até que me afeiçoei. É uma alegria chegar em casa porque ele faz uma festa.
- Ele nunca ficou doente?
- Já gastei muito com o veterinário e com remédios. Mas, ele merece...
- Eu acho que também vou comprar um.
- Nem te conto: ele fez um escândalo na janela do carro, quando eu estava vindo, todo mundo olhava pra nós. Ai, que mico!
- Não dá nada! Nem ligue pra isso.
Vinícius concluiu que quem não tem filhos pequenos e cachorros, sofre para se relacionar com que está vivendo intensamente essa experiência.
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