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domingo, agosto 27, 2006

88. Coerências e Incoerências

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Nº 9394/96 – prevê no artigo 24 que a verificação do rendimento escolar observará, dentre outros critérios a “avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”. E também exige “a freqüência mínima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para aprovação”.

O que são esses aspectos qualitativos? A Resolução Nº 23/2000 que estabelece diretrizes para a avaliação do processo ensino-aprendizagem, nos estabelecimentos de ensino de Educação Básica e Profissional Regular, integrantes do Sistema Estadual de Educação do Estado de Santa Catarina, esclarece em seu artigo 5º: “Na apreciação dos aspectos qualitativos deverão ser consideradas a compreensão e o discernimento dos fatos e a percepção de suas relações; a aplicabilidade dos conhecimentos; a capacidade de análise e de síntese, além de outras habilidades intelectivas que advierem do processo em atitudes demonstradas”. É uma linguagem extremamente técnica e abrangente, mas que todo profissional comprometido com sua função pedagógica, consegue interpretá-la sob o ângulo da disciplina em que atua. Ou seja, os olhares da Língua Inglesa e Portuguesa, das Artes, da Matemática, da Educação Física, da História, da Geografia, das Ciências, da Sociologia e do Ensino Religioso, são específicos. É devido à importância de pôr em prática essa teoria que participamos de encontros de formação, fazemos cursos de aperfeiçoamento, lemos revistas especializadas, refletimos sobre nossas vivências e estudamos o próprio conteúdo que devemos ensinar.

O que são os aspectos quantitativos? São notas ou conceitos descritivos - resultantes das avaliações que visam conhecer o aproveitamento de cada aluno - atribuídas pelo professor da série ou disciplina e analisada em Conselho de Classe. É por isso que trimestralmente a equipe docente se reúne, depois ter dedicado muitas horas corrigindo provas, analisando trabalhos e observando as dificuldades e os progressos dos discentes sob sua responsabilidade.

Essa mesma resolução, em seu artigo 6º, prevê que ter-se-ão como aprovados quanto ao aproveitamento no Ensino Regular Fundamental os alunos que alcançarem os níveis de apropriação de conhecimento que no seu registro em notas ou conceito descritivo, não seja inferior a 70% (setenta por cento) dos conteúdos efetivamente trabalhados por disciplina ou aqueles com aproveitamento inferior ao previsto anteriormente e que submetidos à avaliação final, se for adotada pela Unidade de Ensino, alcançarem 50% (cinqüenta por cento) em cada disciplina.

Até essa linha, fiz recortes das leis que me interessam porque tem algo que me perturba há mais de quinze anos quando eu ainda era uma das alunas do Curso de Magistério, do Colégio Estadual Olavo Rigon, em Concórdia, no oeste catarinense. Além disso, me sinto uma verdadeira idiota todo final de ano quando faço as provas finais com alguns dos alunos que “não passaram direto”, ou seja, tiveram uma média anual inferior a sete, porém superior ou igual a cinco. Vou explicar os motivos, que na minha modesta opinião, representam “o cúmulo da incoerência”.

Inicialmente, se a média anual do aluno é igual ou superior a cinco, ele já está aprovado porque prevalecerão os resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais. Aí, vem a tradicional justificativa coerente: “Uma prova não avalia o real conhecimento do aluno. Pode ser que nesse dia ele não esteja bem de saúde, fique nervoso, sinta-se pressionado ou dê um branco. Quem de nós nunca passou por isso que atire a primeira pedra! Se durante o ano ele atingiu essa média, merece ser aprovado, afinal de contas não é justo que uma prova final prevaleça sobre os resultados ao longo do período.” Já entendi e concordo plenamente. Então, porque aplicamos as provas para aqueles que já atingiram a média anual igual ou superior a cinco? Sinceramente, me sinto uma palhaça onde quem ri por último é o próprio aluno que pensa que passou por mérito, mas foi por força da lei. E os pais, sabendo que a média é sete, pela falta de informação que de certa maneira, é propositalmente ocultada, acreditam que seus filhos se superaram.

E o que mais me dói é que todos os anos, recebemos da Secretaria de Educação uma tabela com as notas que os alunos com médias anuais dentro da faixa de 3 a 6,9 devem tirar. O cálculo é feito com base numa fórmula que aplica uma média ponderada onde à média anual se atribui peso sete e à nota da prova do exame, peso três; e até hoje, não consegui que alguém me explique essa lógica, se é que existe. Já passei por situações onde eu informei corretamente ao Joãozinho que ele precisava tirar no mínimo 7,3 na prova, pois sua média anual era 4. E, também, disse ao Paulinho – apesar de querer lhe dizer a verdade - que ele deveria tirar no mínimo 4,3 porque sua média anual correspondia a 5,3.
Continuando meu desabafo... Os alunos que têm média anual abaixo de três também devem realizar as provas finais, sendo que para serem aprovados, precisam tiram nota superior a dez. Agora, eles são os palhaços e nós rimos por último!

Por que fazemos tudo isso sem protestar? Porque sendo assim, não nos incomodaremos com a justiça e não teremos o trabalho de discutir as mudanças necessárias? Talvez, seja porque nos excluímos do processo de avaliação no que diz respeito à elaboração das leis. Apesar de muitos profissionais entenderem minha indignação, acredito que “as fichas ainda não caíram direito”.

Já ouvi muitos comentários, como este: “Se os alunos souberem que na verdade a média é cinco, estudarão menos ainda. Eles não precisam saber disto, e nem os pais”. E, apenas uma única vez alguém deu uma resposta sensata: “Como podemos falar em preparar o aluno para exercer a cidadania se omitimos seus próprios direitos enquanto estudantes?”

Estou decepcionada comigo mesma por ter deixado passar tanto tempo para expressar minha opinião em relação a esse assunto. Tenho tentado fazer isso desde o dia em que uma colega de trabalho, durante o Conselho de Classe realizado após as provas finais, não permitiu que eu levasse adiante o assunto, dizendo: “Essa lei é para ser discutida lá em Florianópolis, no Conselho Estadual de Educação. Vamos ao que interessa: ver quem passou ou reprovou. Afinal, o tempo passa rápido...”

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