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domingo, agosto 27, 2006

99. Chorando para lavar a alma

Jornal de Cocal: 2005

- Por que você está chorando?

- Pra lavar a minha alma.

- Sua alma está suja com o quê?

- Não sei direito.

- Sua consciência está lhe cobrando algo?

- Não. Porém, sinto que preciso chorar para lavar minha alma. É como se eu devesse me desculpar por saber que há coisas importantes nessa vida que não priorizo. Uma dor se espalha rapidamente pelo meu peito quando percebo que estou falhando com as pessoas, com a vida, comigo. Ao entrar na fase adulta, transformei-me num miserável soldado desse mundo civilizado. Passo os dias batalhando e durante as noites planejando, buscando estratégias para não prostrar diante das dificuldades que existem ou que imagino que existam.

- Onde pretendes chegar?

- Num estágio de vida repleto de harmonia. Pretendo ser capaz se sentir o gosto da cebolinha que tempera a macarronada e gastar mais de vinte minutos para almoçar. Pretendo sentir cada gota morna que bate em minha pele na hora do banho. Pretendo ouvir as vozes das pessoas que me amam com mais atenção e freqüência. Pretendo ouvir o som do saxofone do Kenny G sempre que seu CD estiver rodando em meu aparelho. Pretendo voltar a dançar sozinha, curtindo as canções que me fazem bem. Pretendo retornar a escrever em meu diário, sobre os acontecimentos que vivencio. Pretendo ter paciência para curtir o pôr-do-sol e não me sentir uma tola olhando para a lua. Pretendo esfregar com uma boa escova os azulejos do banheiro de minha casa. Pretendo dormir com a televisão desligada. Pretendo colocar talco nos travesseiros de minha cama. Pretendo acender um incenso de lavanda. Pretendo levar flores no túmulo de meu pai. Pretendo fazer uma consulta ao dentista. Pretendo tomar mais chá do que café. Pretendo trocar as almofadas dos sofás que não uso e quem sabe reservar tempo para usufruir de ambos. Pretendo fazer uma blusa de tricô. Pretendo contar histórias do Malba Tahan para meus alunos. Pretendo reduzir a velocidade com que ando nas ruas. Pretendo sentar no banco da praça e ficar admirando as folhas do plátano.

- Pretendo, pretendo, pretendo, pretendo e pretendo.

- Não gosto de fazer promessas que não sou capaz de cumprir. Já fiz e me arrependi!

- Então, continue chorando.

- Não zombe de mim! Essas intenções vão além das palavras e são movidas por uma força que podem mover montanhas. Não estou prometendo nada...

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