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domingo, agosto 27, 2006

110. Gotham City e Brasília

Jornal de Cocal: 17 de agosto de 2005

João pensou em comprar uma parabólica para sair da mesmice das “novelas sem pé nem cabeça” que via diariamente. Desistiu porque era complicado instalar um objeto tão grande no alto de um prédio que não lhe pertencia. Já pensava em mudar para um apartamento mais barato assim que vencesse o prazo do contrato de aluguel. Analisou outra alternativa: “TV a cabo? A antena é pequena, mas a mensalidade não”. Além do mais, o custo-benefício não compensaria tanto. Ele vivia sozinho. Investiria somente se tivesse mais pessoas para aproveitar.

Após tomar banho percebeu que havia uma mensagem em seu celular: “Vamos ao cinema? Hoje está passando o novo filme do Batman. Quero ver para matar as saudades do famoso herói de nossa época. Beto.” Como era quarta-feira, dia da semana em que se paga a metade do ingresso – e os seus ouvidos não suportavam mais os noticiários falando sobre deputados, malas, gravação, dinheiro, corrupção - João retornou a ligação confirmando o programa com o amigo.

João e Beto se encontraram na entrada do shopping. Comentaram que iam voltar ao tempo de criança quando se encantavam com a batcaverna, imaginavam que dirigiam o batmóvel e se vestiam como o homem morcego participando da luta do bem contra o mal.

As primeiras cenas do filme mostravam um menino apavorado, preso num buraco profundo, sendo atacado por dezenas de morcegos. Por influência dos fatos que tomaram conta da vida dos brasileiros depois das denúncias de Roberto Jéferson, foi inevitável que João se comparasse ao garoto: um homem que acidentalmente caiu num país que não é sério, arremessado num mar de lama e sem forças para se defender dos demônios que se dizem políticos que lutam pela justiça.

Repentinamente, ele percebeu que estava sentado naquela poltrona porque desejava relaxar e esquecer do mundo por alguns minutos. Devia se concentrar na história. Porém, foi em vão. Gotham City também era uma cidade manchada pela corrupção. O silêncio foi quebrado pela voz do amigo:

- Isto está parecendo Brasília.

- Pelo menos eles têm o Batman! E, nós? Quem está do nosso lado? Quem pode nos salvar dessa enrascada? Quem vai combater o mal e restabelecer a paz? Eu e você somos impotentes diante das forças do mal. E não venham me dizer que nosso poder está no voto.

O filme acabou deixando no ar que Charada estava aprontando mais uma...A única coisa que se tinha certeza é de que por certo tempo a paz reinaria. Pelos menos, em Gotham City havia trégua.

Ao colocar a cabeça no travesseiro, João se deu conta de que refletindo sobre as ações dos corruptos de Brasília e de Gotham, não percebera que Robin não estava no filme. Haveria uma explicação? Provavelmente, Robin cansou de combater os inimigos e viu que essa luta era infrutífera. Devia ter se decepcionado demais vendo o mal retornar sempre. E, João concluiu : “Até o Batman está sozinho!”

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