Hoje, depois da tradicional soneca de sábado à tarde, preparei um café com um pedaço de bolo de laranja e doce de morango comprado na feira. Enquanto eu saboreava o lanche, entrei no túnel do tempo e revi frações da minha infância. Resolvi ajudar minhas recordações vasculhando momentos em que a comida estava presente.
Meus vizinhos faziam cestas de vime e tinham um pessegal. Na época da colheita era comum nos trazerem cestas de vime cheias de pêssegos maduros. Minha mãe as colocava no quarto, ao lado da penteadeira, por falta de espaço na cozinha. Era uma delícia comer aquela fruta ou os doces preparados com sua polpa.
Muitas vezes, após o almoço, meu irmão pegava uma lata de tinta vazia e uma vara com um prego na ponta. Enquanto meu pai descansava ouvindo o programa dos “irmãos Casagrande” e minha mãe lavava as louças na pia de madeira afixada na janela, nós íamos buscar bergamotas – ou vergamotas, como queira - nas redondezas. Era divertido desafiar os espinhos das bergamoteiras procurando as frutas mais doces e maiores!
À beira do caminho da escola havia moranguinhos silvestres, uma cerejeira, um butiazeiro e um pé de ariticum. Pena que a demanda era maior que a oferta!
Naqueles tempos quase todas as famílias tinham um jogo de cinco latas de tamanhos diferentes sobre a pia. Todos os netos sabiam que na casa das vovós, no mínimo, duas delas, estavam cheias de bolachas. Quando as visitamos e a fome batia, por questão de orientação dos pais não pedíamos comida: “É falta de educação pedir comida na casa dos outros. É feio! Se eu descobrir que você me fez passar vergonha, a cinta pega.” Então, ficávamos ansiosamente aguardando o momento em que uma das latas seria aberta e um prato fosse oferecido.
Antigamente, o lanche era preparado pela professora com ajuda das alunas. Na cozinha da escola havia pacotes de merenda com massa, achocolatado, charque, feijão e almôndegas enlatadas. Certa vez, um grupo de meninos foi castigado por entrar escondido pela janela e cometido a infração de comer colheradas de leite em pó. Era gostoso roubar umas colheradas de leite em pó.
Nem sempre havia alguma “mistura” – como salame ou queijo – ou algum tipo de “chimia”. Uma das alternativas para não se comer “pão suzinho” era espalhar açúcar sobre a fatia e respingar gotas de água ou uns grãos de alho fritos na banha.
Farinha de milho nunca faltava. Também pudera, quase todo dia se fazia polenta com leite para o jantar. Minha mãe costumava torrar fubá, acrescentar açúcar, colocar numa xícara e nos dar aquela paçoca. Era uma briga para ganhar mais.
Uma experiência prazerosa que tive foi sentir pedras de gelo se derretendo em minhas mãos e na boca. Acho que eu era como o homem pré-histórico descobrindo o fogo. Quando a geladeira passou a compor os móveis de minha casa, tocava no rádio uma música boba que dizia: “Mas, tu tá comendo vrido, menino? Não pai, tô chupando é preda d’água!” Nos divertíamos cantando junto.
Cresci ouvindo as pessoas mais velhas dizerem que desperdiçar comida é pecado. Fico triste quando vejo metade de um pão no lixo e lamento mais ainda quando tenho a certeza de que foi jogado por uma criança pobre. Talvez, elas precisem conhecer um pouco mais sobre as dificuldades que se tem pra garantir a comida na mesa todos os dias. Nós, adultos, estamos pecando porque as ações das crianças refletem nossos ensinamentos.
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