Eliane entrou no cemitério, sozinha, com lágrimas correndo pelos olhos e a alma tranqüila. Havia decidido fazer uma pesquisa e registrar tudo o que soubesse sobre a história de sua família, e isso incluía, fotografias dos túmulos de seus antepassados.
Aquele lugar lhe ensinou que embora, os mais velhos reclamassem da falta de decência da juventude, cometeram muitos dos erros que criticavam em seus semelhantes. Ainda quando menina, questionava a mãe sobre o motivo pelo qual seu bisavô paterno não havia sido enterrado ao lado da avó, e sim ao lado de um dos filhos que faleceu sem jamais ter se casado, e também dizia que não entendia a drástica diferença física entre um dos tios de seu pai com os demais irmãos. Nunca ligou os dois fatos, até chegar a idade adulta e fazer a mesma pergunta a uma de suas tias, que rindo respondeu:
- Você é muito ingênua. O nosso avô jamais perdoou nossa avó pela traição, pela infidelidade.
- Do que você está falando, tia Rosália?
- De algo que todos sabiam, mas não tinham coragem de comentar durante anos. Nossa avó teve um filho com um dos empregados que apareceram para trabalhar por aqui.
- Já sei de quem você está falando, é do tio João. Por isso que ele era diferente dos demais.
- É claro que filho de italiano puro não teria os olhos tão negros, a pele tão escura e morreria com mais de oitenta anos com os dentes brancos e perfeitos como os dele.
- Mas, ele foi criado como se fosse irmão legítimo de todos, teve direito à herança e pelo que sei não era maltratado.
- Sim, vovô o aceitou, mas suas mágoas foram para o caixão.
- Essa é a razão pela qual ele não quis ser enterrado ao lado da esposa!
- Com certeza, a humilhação foi grande, sua dignidade foi terrivelmente ferida e o desprezo pela mulher que tinha ao lado o marcou profundamente.
- Fico imaginando como as pessoas deviam comentar maldosamente, os olhares repressores sobre a “vagabunda” que vai passando, durante tantos anos...
- Não foram tantos anos assim, minha querida sobrinha.
- Não? O que você quer dizer com isso?
- Que logo depois sua bisavó engravidou novamente e morreu no parto. Muitos acreditaram que foi um castigo de Deus.
Um chamado distante tirou Eliane de suas recordações. Ela respondeu que precisava fazer a última foto e se dirigiu para o túmulo mais impressionante de todos os seus familiares: apesar dos misteriosos detalhes da história que estava no coração do cadáver que guardava, seu aspecto externo era lindo devido às esculturas de anjos que alguém moldou que sabe, talvez querendo representar os anjos que também falham enquanto seres humanos.
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