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domingo, agosto 27, 2006

94. Seu Raul, Dona Assunta e ...

Jornal de Cocal: 2005

O pai de Dona Assunta fugiu da Itália, aos dezessete anos, para não ser obrigado a combater na I Guerra Mundial. Raul Arnaldo Pacco, esse era seu nome, contava que era partidário de Benito Mussolini, um grande líder desaparecido e acreditava que estava morto. Comentava muito sobre Hitler, o ditador alemão que causou maldades imperdoáveis na vida de milhões de pessoas.

Seu Raul era um homem de grande cultura e com diversas capacidades artísticas voltadas à pintura e a trabalhos manuais. Ele nunca quis se comunicar com os parentes, pois sendo oriundo de uma família nobre, envergonhava-se da sua pobreza no Brasil. Alguns anos depois de sua fuga, um italiano passou pela estação de trem da cidade onde moravam e pediu informações da família Pacco. Infelizmente, por intrigas pessoais, o agente da estação respondeu que não a conhecia e só revelou esse fato depois de um longo tempo. Até hoje, desconfia-se que aquela pessoa era enviada pela família da Itália e dizem que o avô de Dona Assunta era um rei. Afirmam, inclusive, ter descoberto que o Palácio foi vendido e que existe uma praça em honra aos Pacco.

Dona Assunta conta que na sua época, na região norte do Rio Grande do Sul, onde moravam, os pais não obrigavam as filhas a se casar com quem queriam, mas as moças eram maioria e as opções masculinas raríssimas. Ela se considera uma mulher de sorte porque foi feliz no casamento e ao mesmo tempo questiona os desígnios de Deus por ter ficado viúva antes de completar trinta anos. Quando o marido faleceu de tuberculose, tinham sete filhos, entre seis meses e quatorze anos de idade. Ela teve que assinar uma Carta de Pobreza, comprometendo-se em educar e criar os filhos, mas nunca recebeu ajuda financeira do governo. Foi alertada para comunicar às autoridades, caso necessitasse doar uma das crianças. Suas mágoas, visíveis nas lembranças, mostram o quanto foi humilhada por ter passado por estas situações.

Toda a família passou por privações. Não teve condições que ampliar ou reformar a pequena casa que lhe serviu de abrigo por mais de dez anos. A pia era de madeira, feita na parte externa da janela. Nas noites de vento, o “tiareto” não ficava aceso e a louça não podia ser lavada e no dia seguinte precisava levantar mais cedo ainda para dar conta do serviço doméstico, antes de pegar o chapéu e as enxadas.

Havia, naquela propriedade, uma cobertura de palha para abrigar a única vaca que possuíam e uma junta de terneiros. O cavalo servia para passear, levar a moagem ao moinho e carregar o milho da roça. Ela recorda: “O cavalo baio era mais que um carro.”

Hoje, Dona Assunta continua morando na roça e só sai de casa para buscar a aposentadoria, comprar comidas e remédios. Serenamente, essa senhora abençoada pelas dores do mundo, diz: “Gosto de ficar no meu canto. Passear é um serviço para quem não está acostumado”.

Depois de um século, escrevendo uma história de luta e de amor, ela certamente estará sozinha para pôr o ponto final. E, seu livro, será esquecido até pelas personagens que o compõe do começo ao fim.

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