Pesquisar este blog

domingo, agosto 27, 2006

93. A paz do mundo começa na escola?

Jornal de Cocal: 2005

A revista Nova Escola, juntamente com a Fundação Victor Civita, lançou uma campanha com o objetivo de promover a paz nos espaços educacionais. O cartaz que a divulga está em várias salas de aula do Brasil, trazendo estampada a conhecidíssima pomba, o slogam “A paz do mundo começa na Escola” em letras brancas sob um lindo fundo azul e algumas palavras escritas em outras línguas, dispensando qualquer tradução: paix, pace, peace e frieden.

Numa sala de Ensino Fundamental encontra-se afixado um desses cartazes há mais de seis meses, bem ao lado da carteira de Monique que já manifestou o desejo de levá-lo para casa, pois pretende enfeitar seu quarto.

Na primeira fileira, terceira carteira, está sentada Joana. Sempre pacata, vestindo roupas encardidas e com um olhar de quem está no mundo da lua. Ela olha para o cartaz e imagina que aquela pomba carregando ao bico um ramo é uma cegonha levando mais um bebê para o barraco onde vive com mais sete irmãos. Seu coração se aperta ao lembrar da mãe protegendo a barriga, das pancadas que partem das pesadas mãos do marido, na noite de domingo passado.

Na terceira fileira, última carteira, está sentada Marília. Antes de completar doze anos de idade, já mentia que ia à missa com as amigas e voltava de madrugada. Perdeu a conta das vezes que apanhou por causa dessas atitudes. Na verdade, seu comportamento frio e rebelde, aumentou os problemas cardíacos de sua avó materna, que a agüentava por uma questão de sangue.

Na fileira do meio, sexta carteira, está sentado Roberto. Ou melhor, deveria estar sentado, mas raramente aparece à escola porque precisa catar papelão para sustentar a família carente de feijão e leite.

Na quarta fileira, última carteira, está sentado o Pipoca, alíás, o Francisco. Ele se isola, não gosta que os adultos se aproximem porque teme que sintam o cheiro de “cola de sapateiro”.

Na quinta fileira, primeira carteira, está sentada Carina. Essa garota gosta desse lugar porque dali pode sentir o perfume que sua professora usa em excesso e também, ser facilmente percebida por uma das poucas pessoas que lhe dá valor.

Na quinta fileira, terceira carteira está sentada Jéssica. Pode-se dizer que ela valoriza muito mais o celular que costuma exibir do que os próprios dentes. Os responsáveis por essa menina lhe deram “a onda do momento”, mas não a ensinaram a usar uma simples escova.

Na sexta fileira, terceira carteira está sentado João Paulo que odeia a escola e não é bem recebido nesse espaço. Afinal de contas, já “pintou e bordou”, é agressivo, filho de um casal que diz não saber mais o que fazer e foi encaminhado ao Conselho Tutelar que tomou “as providências cabíveis”.

Na sexta fileira, há uma carteira de luto. Ela abrigava uma linda menina que desapareceu após não suportar mais as brigas que aconteciam na sua família. Os programas de rádio e os jornais locais registraram o fato que logo será esquecido pela comunidade, mesmo que jamais descubram seu paradeiro.

A maioria das feridas que doem dentro das escolas foram feitas pelas famílias desestruturadas, sem forças para enfrentar a complexidade que as cercam e extremamente carentes de harmonia. Dá pra afirmar que a paz do mundo começa na escola? Não seria melhor reescrever esse slogam?

Nenhum comentário: