Houve uma época em que havia muitas escolas espalhadas pelas zonas rurais. Perto de cada uma delas, geralmente existia, um centro comunitário de madeira, uma igreja, um cemitério e um ponto de ônibus.
Devido às distâncias entre os órgãos responsáveis pela educação e as unidades escolares, estas, recebiam o nome de isoladas. Perceberam que esse termo não soava bem, politicamente, pois dava a idéia de que eram abandonadas pelos governos – embora não desse pra negar que retratasse a realidade. Enfim, resolveram rebatizá-las com a denominação de multisseriada: multi, vem de muitos e seriada, de séries. Sendo assim, devido às particularidades que lhe eram conferidas, justificaram que era conveniente fazer essa pequena alteração.
A maioria das entidades educacionais da época era freqüentada por aproximadamente quarenta alunos, divididos nas quatro turmas do primário, que receberam a pouco mais de dez anos uma nova terminologia para designá-las: séries iniciais do ensino fundamental. Os estudantes da mesma série sentavam numa única fileira ou pelo menos, próximos uns dos outros devido à variação de alunos por série. O quadro-negro era dividido por um traço de giz que separava as atividades de cada grupo preparadas por uma única professora, que geralmente residia na própria comunidade.
Lembro-me de que, a professora precisava atender simultaneamente às diversas turmas. Pela demora, especialmente, com os da classe de alfabetização, tínhamos que reler as histórias do livro didático, em silêncio, dezenas de vezes. Todos obedeciam e não ousavam contestar a ordem recebida, apesar de ser cansativa e desmotivadora, aquela leitura repetitiva. Depois que a professora “tirava a leitura em voz alta”, respondíamos o questionário e fazíamos os exercícios conforme o modelo dado.
As alunas que primeiro terminassem as atividades ajudavam no preparo da merenda, a organizar os pratos e talheres, a lavar a louça e a encher o filtro de água. Ao final da aula os alunos se revezavam para varrer e lustrar a sala. Fazer essas coisas era uma festa!
A merenda que restava era dada para os alunos levarem para casa. Muitas vezes, levei macarrão e uma bebida preparada com leite em pó e chocolate, dentro da própria panela em que era preparada, por mais de dois quilômetros, a pé. Era uma alegria chegar em casa, mesmo com os braços doloridos, e entregar para minha mãe aquela comida que tinha um sabor inexplicável para nós.
A morte do Papa João Paulo II movimentou o mundo e trouxe recordações da época em que éramos mais do que católicos apostólicos romanos não-praticantes. Sentimos que nosso lado espiritual se perdeu no decorrer dos tempos e que a modernidade substitui valores que embora tradicionais, nos moldaram para o bem. Enquanto, os repórteres brasileiros passavam as informações diretamente de Roma, eu me emocionava lembrando das orações que todos os dias repetíamos dentro de uma humilde escola azul e amarela perdida numa curva de estrada de chão. Lá, rezávamos o Pai-Nosso, a Ave-Maria e Glória ao Pai, no início, depois do recreio e no final de cada dia de aula. Eu adorava os dias em que as missas coincidiam com o horário da aula porque saímos da sala para ir à igreja e ouvir as palavras do padre, que para nós era realmente um dos representantes de Deus na terra.
Independente da fé religiosa e da opinião que cada pessoa tem a respeito das sagradas escrituras, tenho a certeza absoluta de que ninguém recebeu maus ensinamentos por tê-la vivenciado quando criança dentro da escola. Sinto saudade daquele tempo que aproveitei para aprender a ser gente! Sinto falta da paz e da fé da minha escola isolada, ou melhor, multisseriada.
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