A chuva fascina Débora desde que ela “se conhece por gente”, ou seja, há pouco mais de cinco anos. A mãe acredita que esse encanto começou ainda, quando a menina estava em seu útero. Ela lembra que durante a gravidez morava numa casa coberta com telhas de barro e sem forro. Dormir nas noites chuvosas ouvindo o barulho da água que batia no telhado ou escorria pela calha, lhe dava um prazer inexplicável, além de deixar seu corpo completamente relaxado. Provavelmente, a filha já sentia a paz oferecida por esse maravilhoso fenômeno natural.
Coincidência ou não, Débora nasceu numa tarde em que a chuva era tanta que abafava os gritos da pequena recém-nascida. Aquela semana, inclusive, ficou na história da comunidade por causa da enchente que arrasou parte da cidade e deixou inúmeras famílias desabrigadas.
Não era fácil tirar a menina da sacada do apartamento nos dias de chuva. Ela queria ficar lá, curtindo as gotinhas que o vento arremessava contra sua pele – talvez, fosse mais conveniente dizer a favor de sua pele já que aquela sensação lhe era especial. Ninguém entendia porque Débora esquecia da vida, observando o líquido divino lavando os prédios e brincando com as folhas das plantas.
Certa vez, o irmão lhe perguntou para que serve a água e ela quis saber:
- A água da torneira ou a da chuva, Gui?
- Tanto faz, dá na mesma.
- Não dá, não! A água da torneira serve para tomar banho, lavar a roupa, fazer comida, escovar os dentes, matar a sede, dar descarga.
- Então, é a mesma coisa para água da chuva.
- Ah, mas a água da chuva serve para fazer coisas que a água da torneira não faz.
- O que, por exemplo?
- Ela faz bolinhas de vidro, cobras sobre as marquises e poças de água colorida no asfalto.
- Bolinhas de vidro? Cobras sobre as marquises? Poças de água colorida?
- É, eu vi isso tudo, na última vez que choveu. Hoje, não posso lhe mostrar porque não está chovendo.
- Então, me explica melhor. Você me deixou curioso!
- Vou tentar. As bolinhas de vidro, eu vi na vidraça da janela de meu quarto, elas pareciam coladas, mas aos poucos se derretiam. A cobra venenosa se forma quando acumula água numa valeta que há sobre a marquise da funerária. A água das poças pode ter as cores verde, vermelha ou amarela, depende do semáforo.
- Escuta! Como você sabe que a cobra é venenosa?
- Pelo formato triangular da cabeça. Quem me ensinou isso foi um bombeiro que tem um viveiro de serpentes.
- São essas imagens formadas pela chuva que te seduzem. Não é, Débora?
- Também, mas eu admiro a água da chuva porque ela não pode ser dominada pelas pessoas. Podemos fazer a água da torneira parar quando queremos, mas na chuva ninguém manda. Colocamos canos para indicar por onde queremos que a água que sai nas torneiras ande, mas a dá chuva não admite que as pessoas coloquem coisas que interrompam seu percurso e não aceita mudar seu caminho. E ainda acham que ela é malvada quando bagunça as cidades que destruíram o que lhe pertence por natureza. Eu quero ser parecida com a chuva!
Guilherme ficou impressionado com as reflexões da irmãzinha e decidiu lhe presentear com um vestido que viu exposto numa vitrine. Sabia que o presente agradaria por trazer o bordado de um guarda-chuva protegendo uma gatinha enquanto chovia. Coisa boba, para os adultos! Um sonho, para algumas crianças!
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