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domingo, agosto 27, 2006

102. Já fiz tudo o que eu podia fazer

Jornal de Cocal: 2005

Estive fora o dia todo, é por isso que a senhora não me encontrou em casa, comadre. Hoje foi um dia de cão, dos mais sarnentos que circulam por aí! Não sei por onde começo a lhe contar tudo que passei por causa dessa sua afilhada. Estou sem saber o que fazer com essa desmiolada que Deus me deu pra pagar meus pecados. E, por favor, não diga para eu não falar desse jeito.
Ano passado, quase toda semana eu era chamada na escola. Aliás, ela já está me incomodando desde que tinha dez anos. Era reclamação de todo tipo: “Sua filha chega atrasada todos os dias. Sua filha sai da sala de aula sem autorização dos professores e fica no pátio, perturbando os alunos que estão em Educação Física. Sua filha puxou os cabelos de uma criança do pré. Sua filha ameaçou bater em outra menina por causa de namorado. Sua filha subiu na carteira e começou a dançar, enquanto o professor de História se ausentou para ir ao banheiro. Sua filha está com notas vermelhas porque não entrega trabalho e falta nos dias de prova. Sua filha está vindo sem o uniforme escolar e sempre responde que lavou e não deu tempo pra secar. Sua filha foi pega fumando no portão do colégio. Sua filha diz palavrões e faz gestos obscenos. Sua filha colocou palitos nas fechaduras das portas e nos causou um grande transtorno. Sua filha jogou um rolo de papel higiênico dentro do vaso sanitário. Sua filha espalhou pedaços de bolacha que servimos no lanche, lá na quadra de esportes.” Sua filha fez isso, sua filha fez aquilo! Sua filha fez isso, sua filha fez aquilo! Eu não agüento mais. Dá vontade de rachar a cabeça com um machado. Não adianta a senhora me olhar assim, como se eu estivesse falando um absurdo. Bater não resolve, só matando mesmo. E, não duvide que isso já teria acontecido se o pai dela soubesse de tudo o que essa menina apronta. Eu escondo porque sei que ele tem pouca paciência e é capaz de mandar ela para o hospital outra vez, toda quebrada.
Não sei como não fiquei louca até agora. É impossível confiar nessa peste. Sábado, pedi que fosse ao mercado comprar algumas coisinhas. Sabe o que ela fez com o suado dinheirinho que o pai ganha como pedreiro? Pintou o cabelo de vermelho. Pra me acalmar, fui à igreja, orei e pedi ajuda ao pastor.
Lembra de quando ela engravidou e sequer sabia de quem? Tive que vender meu celular pra comprar quatro daqueles comprimidos que trazem do Paraguai. Eu é que não ia, nessa situação, criar filhos dos outros, mesmo sendo neto meu.
Hoje, tive que comparecer diante do promotor por causa de um boletim de ocorrência feito por uma professora há mais de seis meses. Quando fui intimada pela primeira vez, disse que não iria lá. Mas, vi que acabaria aumentando os problemas e tive que me sujeitar a essa humilhação. Fiz de conta que eu não sabia de nada, mas descobriram que estive no Conselho Tutelar por outros motivos e fiquei mais envergonhada ainda. O promotor disse que ela terá que prestar serviços comunitários, pois havia outras queixas. Ela já respondeu que “não vai carpir”. Quero ver o que vão inventar pra minha filha fazer. Talvez, seja uma boa lição. Só resta, esperar.
Está vendo que horas são, comadre? Acho que hoje essa menina nem volta pra casa. Quer saber? Prefiro que ela durma na casa do namorado. Assim tenho um pouco de paz dentro de casa. Eu já fiz tudo o que podia fazer. Agora, vou cuidar da minha vida.
Vamos esquecer esse assunto, tomar um café e nos arrumar para o bailão. Essa noite promete! Consegui emprestado da Marilda, um vestido preto, bem colado e comprei umas bijuterias bem lindas. E, pra completar, chegou o perfume que encomendei da Avon. Espero que aquele traste do meu ex, não esteja lá pra infernizar minha festa. Chega de problemas por hoje!

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