Jornal de Cocal: 2005
Sobre a mesa do escritório Lena encontrou uma convocação da Justiça Eleitoral para auxiliar no referendo que visava saber se os cidadãos desejavam proibir ou não, o comércio de armas e munição no Brasil.
Sobre a mesa do escritório Lena encontrou uma convocação da Justiça Eleitoral para auxiliar no referendo que visava saber se os cidadãos desejavam proibir ou não, o comércio de armas e munição no Brasil.
Lamentou-se por não ter solicitado sua dispensa. Esquecera completamente que seria liberada se fizesse o pedido, afinal de contas, já trabalhara em cinco eleições. Após ler o comunicado, comentou com seu chefe: “Agora é tarde para recusar. Não faço parte de nenhuma frente parlamentar, não sou autoridade nem agente policial, não pertenço ao serviço eleitoral, já fiz dezoito anos a um bom tempo, tenho uma saúde de ferro. Sem um motivo justo sou obrigada a comparecer! Melhor trabalhar do que ficar sujeita às sanções previstas nesse bendito Código Eleitoral – detenção de seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa. Aproveito para comunicar-lhe que, quarta-feira, terei reunião na Casa da Cidadania e como presidente de mesa não posso faltar.”
O chefe de Lena também não gostou da convocação, pois, sabia que posteriormente teria de lhe conceder dois dias de folga. Aliás, essa é uma das vantagens de ser mesário: a cada hora à disposição da Justiça Eleitoral, dá direito a duas horas de folga no trabalho. É claro, que nem todos, a usufruem devidamente: uns porque são autônomos, outros por exercerem funções essenciais na empresa onde estão empregados ou por serem extremamente comprometidos com sua profissão.
Lena e seus colegas convidaram todos os eleitores jovens, aparentemente solteiros e que transmitiam capacidade em exercer as simples - porém importantes - funções designadas pelo Juiz Eleitoral, para colaborar futuramente na seção onde votam, como responsáveis por aquela urna. Obviamente, não era fácil perceber essas características num contato de poucos segundos. Com certeza, era preciso encontrar alguns solidários e prestativos brasileiros dispostos a ajudar a democracia brasileira, caso contrário, estariam involuntariamente exercendo cargos vitalícios. Tentando convencer o eleitor a aceitar a proposta, o secretário, brincava: “Se você aceitar, terá três vantagens: folgar dois dias no trabalho, a garantia de uma cela especial caso cometa algum crime e ganhará um kit de sobrevivência Tabajara.” Percebia-se de imediato, na reação das pessoas, a resposta que dariam. Apesar das dificuldades, conseguiram seis voluntários...
O dia foi extremamente tranqüilo. Nenhum fiscal credenciado, muitas justificativas preenchidas, alguns eleitores perguntavam se era “pra votar no Lula”, as crianças que acompanhavam os adultos foram autorizadas a vê-los digitando o voto na urna eletrônica e algumas tiveram a oportunidade de teclar o número de um título no microterminal.
Assim que terminou o horário de votação, Lena entregou o envelope plástico que continha o disquete, a zerésima, a ata e as cinco primeiras vias dos boletins de urna, ao Delegado de Prédio.
Ela não demorou a chegar em casa e entregar ao filho um kit contendo uma refeição e um lanche: “Divirta-se com biscoitos recheados, salgados e amanteigados. Tem também batata ondulada, wafer, barras de cereais, torradas integrais, geléia, margarina, achocolatado, suco natural, faca descartável, guardanapo e sacola plástica para coleta do lixo. Duas mil, quatrocentas e setenta e duas calorias! Analisando bem, não é tão Tabajara quanto parece...”
Antes de abrir a caixa, o garoto leu em voz alta, o que estava escrito na tampa: “Mesário, você é essencial para a cidadania. A Justiça Eleitoral agradece sua colaboração!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário