Jornal de Cocal: 8 de outubro de 2003
Roberta participa, sob protestos mensais ininterruptos, nas despesas da paupérrima família - que a adotou por ser filha de uma parenta com problemas mentais - graças a um emprego conquistado politicamente numa instituição pública. Não fossem as ameaças paternas, gastaria seu salário com roupas melhores, sapatos de marca e cosméticos de qualidade. Infelizmente, sente que ainda precisa da roupa lavada pela mãe alcoólatra, da moradia proporcionada pelo pai aposentado como mineiro, e da horrível comida forçadamente preparada pelo irmão mais velho que nunca passou do período de experiências nos empregos que lhe arranjaram.
Essa jovem trabalha o dia todo, freqüenta as aulas no período noturno com considerável indiferença à importância dos conteúdos explorados pelos professores, varre as noites de sábado sem permissão dos pais e dorme o domingo inteiro.
Ela não costuma fazer os exercícios de matemática, suas pesquisas são simples cópias e quando é solicitada uma atividade que envolva literatura, sente-se torturada com tão estafante trabalho. Prefere ler as fofoquinhas das colunas sociais, o horóscopo, saber antecipadamente as cenas do próximo capítulo das novelas, ver os modelos de roupa usados por famosos nas festas que ocorrem em espaços bem distantes dos seus e admirar os personagens da sociedade enaltecidos por colunistas numa abominável “rasgação de seda”.
A televisão a emociona quando imagina que poderá ser estuprada por um grupo de menores de idade que tem certa proteção legal, ser assaltada em plena rua movimentada sem que ninguém a socorra, não ter dinheiro para pagar o tratamento de uma doença adquirida devido à poluição ambiental, ser uma futura “Eu, Cristhiane F., 13 anos, drogada e prostituída” ou ter um maravilhoso “dia de princesa” ao lado do meloso Netinho.
Roberta retribui com favores pobres o amor frio recebido em casa. Cala-se diante dos gritos desequilibrados de quem outrora se ofereceu para lhe dar um pouco de paz. O coração a faz ficar, quando a alma pede socorro e lhe direciona a mente para lugares ocultos dos conhecidos.
Certo dia, Roberta irritou-se com o irmãozinho, que constantemente extraviava seus objetos pessoais e conseguiu acalmar-se somente após desferir alguns petelecos vingativos. Entrou no quarto e encontrou o gato da vizinha dormindo tranqüilamente sobre seu fétido travesseiro, protegido por uma fronha encardida. Num relance, atirou o animal pela janela que, miando desesperadamente, protestou através da boca de sua dona. Resolveu ligar para a única amiga que se recusou a ouví-la por estar chateada com sua falta de responsabilidade na entrega de um trabalho escolar que haviam combinado de terminar separadamente. Chorou, escreveu na agenda que preferia morrer e foi para a rua. Encontrou seu pai sentado no banquinho da praça e lhe pediu dinheiro para comprar um analgésico; o velho recusou-se a atendê-la e disse para prestar atenção às aulas que esqueceria da dor.
Roberta não queria ir à escola, mas era melhor do que estar dentro da própria casa. Não realizou as atividades, apenas aguardou o tempo passar, enquanto rabiscava na carteira, abaixo do desenho feito por outro aluno que provavelmente curte à revistas pornográficas. Ela terminava de escrever “Please, peace!!!”, em letras artísticas, contornadas por corações estereotipados, quando a professora de inglês pede que aguarde, após o sinal que finaliza o período mais massante do dia.
Sua expectativa de ter um ser humano preocupado com seus problemas desaparece juntamente com o sorriso oculto ao ouvir a ordem impositora, apesar de sutil:
- Por favor, busque água, sabão, esponja e um pano para limpar a carteira. Estamos cansados de solicitar aos alunos que não as rabisquem.
Roberta participa, sob protestos mensais ininterruptos, nas despesas da paupérrima família - que a adotou por ser filha de uma parenta com problemas mentais - graças a um emprego conquistado politicamente numa instituição pública. Não fossem as ameaças paternas, gastaria seu salário com roupas melhores, sapatos de marca e cosméticos de qualidade. Infelizmente, sente que ainda precisa da roupa lavada pela mãe alcoólatra, da moradia proporcionada pelo pai aposentado como mineiro, e da horrível comida forçadamente preparada pelo irmão mais velho que nunca passou do período de experiências nos empregos que lhe arranjaram.
Essa jovem trabalha o dia todo, freqüenta as aulas no período noturno com considerável indiferença à importância dos conteúdos explorados pelos professores, varre as noites de sábado sem permissão dos pais e dorme o domingo inteiro.
Ela não costuma fazer os exercícios de matemática, suas pesquisas são simples cópias e quando é solicitada uma atividade que envolva literatura, sente-se torturada com tão estafante trabalho. Prefere ler as fofoquinhas das colunas sociais, o horóscopo, saber antecipadamente as cenas do próximo capítulo das novelas, ver os modelos de roupa usados por famosos nas festas que ocorrem em espaços bem distantes dos seus e admirar os personagens da sociedade enaltecidos por colunistas numa abominável “rasgação de seda”.
A televisão a emociona quando imagina que poderá ser estuprada por um grupo de menores de idade que tem certa proteção legal, ser assaltada em plena rua movimentada sem que ninguém a socorra, não ter dinheiro para pagar o tratamento de uma doença adquirida devido à poluição ambiental, ser uma futura “Eu, Cristhiane F., 13 anos, drogada e prostituída” ou ter um maravilhoso “dia de princesa” ao lado do meloso Netinho.
Roberta retribui com favores pobres o amor frio recebido em casa. Cala-se diante dos gritos desequilibrados de quem outrora se ofereceu para lhe dar um pouco de paz. O coração a faz ficar, quando a alma pede socorro e lhe direciona a mente para lugares ocultos dos conhecidos.
Certo dia, Roberta irritou-se com o irmãozinho, que constantemente extraviava seus objetos pessoais e conseguiu acalmar-se somente após desferir alguns petelecos vingativos. Entrou no quarto e encontrou o gato da vizinha dormindo tranqüilamente sobre seu fétido travesseiro, protegido por uma fronha encardida. Num relance, atirou o animal pela janela que, miando desesperadamente, protestou através da boca de sua dona. Resolveu ligar para a única amiga que se recusou a ouví-la por estar chateada com sua falta de responsabilidade na entrega de um trabalho escolar que haviam combinado de terminar separadamente. Chorou, escreveu na agenda que preferia morrer e foi para a rua. Encontrou seu pai sentado no banquinho da praça e lhe pediu dinheiro para comprar um analgésico; o velho recusou-se a atendê-la e disse para prestar atenção às aulas que esqueceria da dor.
Roberta não queria ir à escola, mas era melhor do que estar dentro da própria casa. Não realizou as atividades, apenas aguardou o tempo passar, enquanto rabiscava na carteira, abaixo do desenho feito por outro aluno que provavelmente curte à revistas pornográficas. Ela terminava de escrever “Please, peace!!!”, em letras artísticas, contornadas por corações estereotipados, quando a professora de inglês pede que aguarde, após o sinal que finaliza o período mais massante do dia.
Sua expectativa de ter um ser humano preocupado com seus problemas desaparece juntamente com o sorriso oculto ao ouvir a ordem impositora, apesar de sutil:
- Por favor, busque água, sabão, esponja e um pano para limpar a carteira. Estamos cansados de solicitar aos alunos que não as rabisquem.
Um comentário:
Já passei por isso.
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