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domingo, agosto 27, 2006

34. Era uma vida muito importante

Jornal de Cocal: 28 de janeiro de 2004

Numa madrugada fria do último inverno a campainha da casa de uma mulher tocou. Ela acordou assustada e preocupada porque estava sozinha, mas logo foi tranqüilizada pela voz do marido que naquele horário deveria estar fazendo plantão na empresa onde trabalhava de vigilante. Ao abrir a porta foi recepcionada por uma gatinha magricela, que miava desconsoladamente e tremia sem parar. Ouviu a história daquele bichinho, acompanhada de uma justificativa para a “adoção” que não lhe era muito desejada:
- Eu a salvei da morte. Se não tivesse feito isso, certamente estaria sendo lançada de um lado para o outro pelos cães que estão soltos no pátio da empresa. Eu não podia deixá-la sem proteção, você sabe como eu gosto de gatos, me cortou o coração ao vê-la indefesa diante do perigo. Por favor, providencie alguma coisa pra ela comer e água. Tenho que voltar logo, só saí do meu posto para buscar o mecânico que mora aqui perto e aproveitei para trazê-la. Tinha que ter visto a bagunça que ela fez quando a coloquei dentro do carro, ficou amedrontada e só se acalmou ficando entre o banco e as minhas costas
E assim, durante algum tempo, Chaplin – esse é o nome que ela recebeu por causa dos seu bigodes – conquistou o seu espaço por ter a doçura, a beleza e o encantamento que é inerente a sua espécie. Aquela gatinha deixou muitos momentos inesquecíveis para seu dono, como: os banhos frios que tomou no tanque por ter feito cocô nos cantos da casa; as resmungações por não querer comer ração; os pulos próximos à geladeira que ao ser aberta lhe dava a certeza de que ganharia carne ou presunto; as horas que passava observando instintamente e em posição de ataque os pássaros que posavam no matagal do lote do vizinho; as maravilhosas subidas e decidas na goiabeira e no palanque do varal, nos finais de tarde; o barulho inacreditável que conseguia fazer na porta da cozinha quando queria entrar em casa, geralmente ao amanhecer; os momentos em que se espreguiçava sobre a brita, rolando de um lado para o outro; os carinhos que fazia em seu peito, massageando-o com as patinhas, antes de adormecer ao seu lado.
No final do ano Chaplin ficou prenha, provavelmente de um gato siamês que rondava sua casa, e passou os últimos dias estressada. Ontem de manhã ela deixou algumas gotinhas de sangue espalhadas pelo chão, andava devagarinho, respirava com dificuldade, parou estática diante do pote de água e ficou só manifestou força ao ser acariciada, após ter sido aconchegada sobre uns velhos lençóis. A esperança de vê-la bem e amamentando seus filhotes que sequer nasceram, se esvaiu quando ela morreu sem nenhuma explicação divina.
Uma vida importante sempre provoca lágrimas doloridas de qualquer outro ser que seja sensível às coisas sagradas desse mundo. Chaplin era uma vida muito importante!
Eu sinto pena das pessoas, que ao acabarem de ler essa história, tenham coragem de rir ou fazer comentários irônicos. Sabe por quê? Por que talvez elas passem por esse mundo e não deixem a marca de uma vida que foi muito importante.
OBS: Celso chorou muito.

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