Jornal de Cocal: fevereiro de 2003
Uma matéria do Fantástico atraiu toda a minha atenção, pois algumas vezes eu divago de uma forma semelhante a do escritor Ignácio de Loyola Brandão, que a pedido do programa escreveu sobre São Paulo, após observar a mancha urbana fotografada pelas câmeras da Nasa, a agência espacial americana, mostrando como é essa capital vista do espaço. Vou reproduzir fielmente as palavras que me provocaram:
Uma matéria do Fantástico atraiu toda a minha atenção, pois algumas vezes eu divago de uma forma semelhante a do escritor Ignácio de Loyola Brandão, que a pedido do programa escreveu sobre São Paulo, após observar a mancha urbana fotografada pelas câmeras da Nasa, a agência espacial americana, mostrando como é essa capital vista do espaço. Vou reproduzir fielmente as palavras que me provocaram:
“Dentro desta mancha, que se esparrama na Terra azul, vivem quase 20 milhões de habitantes. Ao contemplar essas imagens, cada um de nós, paulistanos, pode fazer o jogo: Onde eu estava nessa hora? O que fazia? Em que ponto dessa mancha eu me localizava? Trabalhava; saía de casa; esperava no trânsito; atravessava um cruzamento; assinava um cheque; tomava cerveja; assistia televisão; corria na academia; entrava no cinema; ouvia música; lia um livro; cantava; comia um sanduíche; comprava um presente; atendia ao celular; assistia a uma aula; ligava a internet; fazia amor; mandava um e-mail.”
Muitas vezes andando pelas ruas, de repente fixo meu olhar numa construção antiga, como a igreja católica de minha cidade, e fico me perguntando: Onde estaria meu pai no momento que acabaram essa obra? Que pensamentos passavam pela cabeça dos operários? Que tristezas ou alegrias estavam no coração do maior idealizador daquele projeto? O pintor que lá trabalhou, ainda vive ou morreu de alguma doença? De onde veio o dinheiro que a construiu? Como era o lugar onde nasceu a pessoa que colocou as telhas? Quem foram os filhos do homem que colocou os vidros? O que aconteceu de importante naquele lugar no meu primeiro dia de escola? Que segredos aquelas paredes guardam? Como será o dia da primeira pessoa que ler o que estou escrevendo quando acontecer a implosão dessa obra? Que experiências estarão registradas no livro da vida de cada um que esteve dentro dela?
Gosto também olhar fotografias em preto e branco, pois estas parecem estar carregadas de mistérios. Entre tantas, sempre há algumas que nos fazem parar no tempo por causa de detalhes como as janelas de uma casa, a escada da igreja, as botas sobre um tronco, a mesa feita de tábua bruta, o uniforme escolar, os maravilhosos penteados, a cuia de chimarrão, a gaita nos braços do sanfoneiro. E eu fico me perguntando: Sobre o que falava a pessoa que colocou as janelas naquela casa? Quantas pessoas pisaram naquela escada? Como eram o som da voz da pessoa que usava aquelas botas? O tronco e a mesa apodreceram ou foram queimados? O tecido daquele uniforme foi usado para limpeza? Que problemas enfrentavam a mulher dos cabelos longos? Que mãos confeccionaram a cuia? O que eu poderia ver se estivesse no lugar do sanfoneiro naquele exato momento em que bateram a fotografia?
Essas são perguntas que faço quando busco entender a vida. Não ter como obter as suas respostas me fascina porque elas existem em algum lugar que não me é acessível. E isso é fantástico.
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