Já nem me lembrava mais de uma menina que teve seu nome registrado em um dos meus diários de classe do ano passado, quando repentinamente, ela abriu a porta da sala de aula onde eu estava e foi logo chamando o irmão para conversar, sem sequer pedir licença. Como não tenho sangue de barata, me aproximei reclamando da falta de educação. Percebi que estava diante de mais um caso dramático que a falta de valores e de limites dentro das famílias e o mundo das drogas, trouxeram à sociedade. Certamente meus protestos não tiveram resultados satisfatórios, porém, não consigo omitir meus sentimentos para evitar atritos. Apesar dos ânimos exaltados, sempre há algo ou alguém que os tranqüilize e coloque ponto final na discussão. A tensão pode desaparecer, mas o fato, não.
Com o passar do tempo, mais nos aproximamos de crianças – me dói afirmar que são crianças, mas infelizmente, ainda não são adolescentes para que eu possa suavizar minhas palavras – que fumam, roubam, usam drogas, saem de casa e voltam a hora que desejam, curtem momentos ilusórios com outras imaturidades estagnadas, vêem a escola como um lugar insignificante e pensam que são espertos para lidar com as coisas da vida.
Penso que a discriminação sofrida por muitas famílias pobres e, principalmente negras, criou inconscientemente, um discurso no sentido de se defenderem, não se deixarem pisar e não se calarem quando estão com a razão que, muitas vezes, perpassa as fronteiras do bom senso. Prova disso, são os intermináveis desaforos trocados entre pessoas que se consideram perfeitas diante das outras ou são incapazes de admitir sua ignorância ou erro.
Se um professor chamar a atenção de certas crianças de uma maneira um pouco ríspida, corre o risco de ser afrontado com palavras que irão ferir seu coração ou deixá-lo com raiva da impotência que sente diante de um descontrole que prolifera em relação à falta de consideração entre os seres humanos. Temos tantos problemas para resolver que acontecimentos como esse parecem não serem tão graves e deixamos as raízes da violência fixarem-se em todos os solos onde pisamos.
Aquela menina voltou e me fez pensar no quanto estamos fracassando diante dos males que destroem a dignidade humana. Temos vivido para o trabalho ou lutando contra o desemprego. Tem dia que “não temos tempo nem para morrer”, como dizia seu falecido pai. Presos a tantos compromissos, não sentimos a falta que nossa presença faz para a paz se manifestar em nossa alma, em nossa casa, em nossas crianças, em nossos amigos, em nossa sociedade... E fazemos tudo isso, acreditando que o dia que tivermos tempo para morrer, teremos garantido “um lugar onde cair morto”.
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