Pesquisar este blog

domingo, agosto 27, 2006

50. Minha irmã e meus piolhos

Jornal de Cocal: 26 de maio de 2004

Uma das minhas irmãs se chama Tânia Claúdia. Meu pai escolheu o primeiro nome por causa de uma menina que ele gostava muito e morreu queimada e eu implorei para que se acrescentasse Claudia porque num domingo, no parreral da casa de minha vó, conheci uma moça linda, de longos cabelos lisos, que usava um vestido cor-de-rosa e tinha esse nome.

Depois daquele dia, passei a insistir com meus pais para poder deixar meus cabelos crescerem, pois sonhava em ser igual àquela garota que nunca mais vi e sequer sei quem é, porém, a guardo em minhas lembranças pela forte impressão que me causou quando eu era uma menininha. Minha mãe dizia que eu só poderia ter cabelos compridos depois dos doze anos, alegando que era difícil cuidar. Como meus cabelos eram feios! Também pudera, lavando com sabão de banha de porco e passando Neocid toda semana! De vez em quando me convencia de que iria dar um jeito em minha “cabeleira”. Tudo o que diziam que era bom para deixá-los brilhantes e macios eu fazia. Preparava chá de raízes de guaxuma, urtigão, babosa, folhas de uma árvore chamada chorão, gema de ovo, leite, e sabe lá Deus o que mais. No sábado eu fazia meus produtos de beleza e na segunda-feira era obrigada a passar vinagre ou álcool para matar os piolhos e secar as lêndeas. Meu tio provocava, perguntando se junto com o álcool tínhamos colocado areia para que a população alcoolizada brigasse e se matasse a pedradas.

De vez em quando eu sinto saudades daqueles piolhos. Era tão bom quando minha mãe sentava na varanda do paiol, me pedia para deitar a cabeça em seu colo e iniciava a grande caçada. Ela perguntava onde estava coçando e logo tinha em suas mãos o malfeitor. Como eu não tinha habilidade para prensá-los entre as unhas dos meus polegares, eles eram colocados sobre uma tábua e assim eu conseguia me vingar sem o risco de perdê-los.

Uma das piores maneiras de se ofender uma criança era chamá-la de piolhenta. Como doía! Era humilhante, apesar de ser verdade. Jamais esqueço de um período em que organizaram uma escala para as mães fazerem revista na cabeça dos alunos. Aguardar o resultado do exame gerava tanta ansiedade quando esperar a inevitável surra do pai depois que se cometeu um ato falho com o vizinho. Certamente as marcas internas permaneciam por mais tempo que as externas. Hoje, rimos da situação vivenciada. Nada como o tempo para resolver os conflitos da vida!

Eu iniciei falando da minha irmã, que pediu que eu escrevesse algo sobre ela e não falasse tanto de coisas tristes. Não sei porque troquei a Tânia pelos piolhos. Talvez seja pela semelhança que há entre eles: sabe como irritar, incomodar e pertubar, mas no fundo o que quer é só estar mais perto das pessoas. Como os piolhos ela sente a necessidade do contato humano e quem a conhecer, nunca a esquecerá.

Nenhum comentário: