Pesquisar este blog

domingo, agosto 27, 2006

77. Batalhando à toa

Jornal de Cocal: 1 de dezembro de 2004

Leila arremessou o travesseiro contra a porta quando foi avisada de que já era hora de se levantar. Sabia que se não saltasse rapidamente da cama, o sofrimento seria pior. Ninguém relaxa depois de acordar numa segunda-feira de manhã, principalmente, se mora longe do local de trabalho. Depois de um mês de férias, volta à rotina pegando a toalha de banho e o uniforme da loja. Em poucos instantes estava na cozinha tomando café com leite e comendo uma fatia de pão integral com geléia de morango, preparada com produtos naturais cultivados sem agrotóxicos.

Como era dia de pagamento, procurou os carnês que estavam na caixa de sapatos dentro do roupeiro e retirou a conta do telefone que estava presa com imã na lateral do microondas. Sentia um imenso prazer em eliminar prestações, mesmo que para isso tivesse que perder o almoço. Ela sempre controlava rigorosamente suas dívidas, porém, um aumento inesperado na conta da farmácia a obrigou a atrasar algumas delas. Outros problemas financeiros tiraram sua paz durante a maior parte do mês, como o aumento do aluguel e do combustível. As pessoas de seu círculo não agüentavam mais suas reclamações. Dizia que batalhava à toa porque nunca lhe sobrou dinheiro para abrir uma poupança decente, viajar para a Europa ou adquirir um apartamento maior e numa área mais centralizada.

Apesar de Leila ser uma quarentona separada não tinha filhos, aliás, esse foi um dos motivos pelo qual seu casamento terminou. Todas as vezes que o ex-marido manifestava o desejo de ser pai, ela replicava: “Pôr mais uma criança no mundo para quê? Pra passar fome, estudar em escolas públicas e usar as roupas doadas pelos primos? Quem vai cuidar desse bebê enquanto estivermos trabalhando? Com a miséria que ganhamos, nem pensar! Não temos estrutura para tanto, temos que esperar a situação melhorar.” Não havia argumentos que a fizessem mudar de idéia.

Ela é uma mulher extremamente cuidadosa com a aparência física e relativamente preocupada com o crescimento intelectual e cultural. Adora exibir os biquínis de crochê, perfeitamente bordados, na piscina do clube onde é sócia. Não perde as aulas de aeróbica e hidroginástica. Semanalmente faz sauna para eliminar as toxinas do corpo e massagem para reduzir gorduras localizadas.

Leila sempre teve namorados que complementassem seu salário de gerente de loja. Todos foram seduzidos pela beleza de seus traços e convencidos de que eram mais importantes do que a carteira que carregavam. As fontes só acabavam quando as “legítimas” descobriam a traição e eram escolhidas. O tempo prejudicou suas segundas intenções, mas com a experiência que possui, ainda sabe ganhar...

Nenhum comentário: