Espalharam boatos de que a prefeitura, na qual Marilaine trabalha como gari, não pagará a segunda parcela do décimo terceiro antes do final do ano. Ela ficou perturbada, pois já contava com esse dinheiro para comprar os presentes de Natal dos quatro filhos. Recusava-se a fazer um crediário porque temia não conseguir pagar os carnês e prezava pela sua honra de mulher honesta que com muitas dificuldades estava conseguindo manter. Sabia perfeitamente, que na hora de decidir o quê pagar, essas dívidas eram sempre as últimas da lista e nem sempre sobrava para quitar todas, pois não podia deixar faltar remédio, água, luz e comida.
Enquanto varria as ruas do centro da sua cidade, observou o preço de roupas e calçados expostos nas vitrines. Estava decidida a comprar algo que fosse essencial, apesar das crianças pedirem coisas supérfluas – se levasse em consideração sua situação financeira - e extremamente caras para sua folha de pagamento, como, bicicleta, celular, vídeo-game e uma roupa de um super-herói que ela nem sabe pronunciar corretamente o nome. Já previa a frustração que causaria por não dar os presentes pedidos; imaginava, como seria pior sem nenhum.
Durante o intervalo do almoço, enquanto comia sua marmita, ela recordava com uma colega, os natais de sua infância. Concordavam que naquela época era mais difícil ganhar um presente, mas era muito prazeroso montar a árvore de natal. Por não haver nenhum impedimento, seu avô cortava um pinheiro pequeno para ser enfeitado; depois com a escassez da planta e talvez por maior consciência ecológica, cortavam apenas um belo galho. Saiam pelo mato à procura de musgo, no terreiro pegando pedrinhas e com gravetos montavam o estábulo. Certo ano, na escola primária, aprenderam a moldar argila e fizeram todos os personagens do presépio, que contrariando a mãe, substituíram os que ela usava a anos. Seu irmão cortou pêlos do cachorro pra pôr no rabo do burrinho. Emprestaram o espelho, que seu pai usava para fazer a barba todo sábado à tarde, e fizeram um lago. Sua madrinha era costureira e dava sobras de fita mimosa e de tecidos que criativamente se transformavam em laços e bolinhas coloridas. Com papéis de bala faziam as estrelinhas. Mais tarde surgiram as “luzinhas do Paraguai” que davam um brilho diferente... Hoje, tudo isso é comprado em pacotes de R$ 1,99 e tem deixado até o clima de natal artificial.
“Depois de tudo pronto – disse Marilaine, emocionada - eu curtia aquele cantinho da casa, imaginando que aquele lugar era real, que eu andava por aquelas estradas, sentava nos tocos que havia em suas beiradas, que eu ouvia as bênçãos dos reis magos o toque das trombetas dos anjos, que eu sentia o cheiro dos animais e que pegava Jesus Cristo no colo. Só Deus sabe quanta felicidade tomava conta de mim, quando eu subia no telhado da “casinha” de Maria e José e assistia o parto do filho deles, através de um buraquinho!”
Sentindo saudades dos natais que viveram, as duas amigas, retornam ao serviço. Um dos moleques que vende jornal na entrada do terminal central, passou por elas mostrando a manchete destacada em letras garrafais: “Funcionalismo recebe 13º hoje”. A notícia foi recebida com alívio e o árduo trabalho ficou leve naquela tarde que antecedia o dia de comemorar o nascimento de um menino que impressionou o mundo com palavras sábias e repletas de amor.
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